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ECONOMIA

Opinião: É oportuno tributar os livros?

Professora de Direito analisa proposta apresentada pelo governo federal para criar a CBS, que vai afetar preço dos livros.

Publicado em 22/08/2020 às 7:45 | Atualizado em 22/08/2020 às 12:43


                                        
                                            Opinião: É oportuno tributar os livros?

O afastamento da tributação sobre os livros não nasceu com a atual Constituição Federal, promulgada em 1988. Jorge Amado, quando Deputado Federal, defendeu na Constituinte de 1946 a imunidade tributária dos livros para que a cultura brasileira fosse popularizada. Segundo o autor, a intenção da imunidade tributária para os livros é para que ele chegue facilmente a todas as mãos e seja um objeto de necessidade de todo brasileiro. A origem dessa medida tem raiz nos excessos do Estado Novo, que queria cercear a imprensa pela tributação do papel, não cabendo ao Estado interferir na difusão de ideias pela tributação.

Com a imunidade tributária, proíbe-se a tributação dos livros tão somente quanto aos impostos incidentes sobre as operações concernentes a este bem, que são o imposto de importação, o imposto de exportação, IPI e ICMS. Registra-se, ainda, que o dispositivo constitucional que trata da imunidade tributária dos livros, não alcança a espécie tributária denominada “contribuição”, a exemplo do PIS e da COFINS, mas, atualmente, estas contribuições não resultam em tributação para os livros por força da alíquota zero prevista na Lei Federal n. 10.865, de 30 de abril de 2004.

Proteger o livro da tributação não importa em privilégio para o autor, para o editor ou quem mais esteja envolvido na elaboração e distribuição do livro. Quem acaba sendo favorecido pela retirada de tributação é o adquirente do livro, porque os impostos incidem sobre os bens e acabam repercutindo em seu custo e preço. A finalidade de retirar a incidência tributária sobre os livros é facilitar sua produção, reduzir o seu preço final e promover o acesso ao conhecimento e à cultura.

O Governo Federal, a partir da sua proposta para a nova Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS), que vem para substituir as Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), tende, no plano infraconstitucional, taxar os livros com este tributo, no percentual de 12%.

O Ministro da Economia, Paulo Guedes, informou que a mencionada não taxação dos livros beneficia uma camada que pode pagar mais impostos. Em audiência com o Congresso Nacional, o Ministro anunciou que, com a medida, o governo poderia aumentar o valor do Bolsa Família ou pensar em um programa de doação de livros.

Há de se considerar que o incremento dessa tributação é inoportuna diante da extrema fragilidade em que vários setores econômicos se encontram, sobretudo o mercado editorial, pois com o avanço da internet e inclusão cada vez maior de livros digitais e informações disponíveis em meios virtuais, os editores vêm tendo constantes e crescentes perdas econômicas. É notório o fechamento de grandes livrarias, editoras e gráficas, desempregando inúmeras pessoas.

E, por outro lado, não tributar o livro tem uma finalidade de tamanha importância para a nação, que é a difusão do conhecimento e de diferentes saberes. Não está para privilegiar determinado setor ou destinatários de produtos. Não é esse o propósito do benefício tributário em tela. Há valores maiores protegidos e estimulados, como a educação, a cultura e a disseminação de informação. A intenção de reduzir a carga tributária sobre os livros é democratizar o saber, seja quem for que venha adquirir um livro, assim como propiciar o livre pensamento, através da produção de obras de diferentes visões e posicionamentos.

O governo argumenta que a tributação poderia favorecer a doação de livros. No entanto, convém perguntar, quais livros serão doados pelo Estado? Quem escolherá os livros que serão oferecidos à população? Os livros já não são baratos e se tornarão mais caros com o incremento da tributação. Assim, haverá limite de valor para os livros que poderão ser ofertados pelo governo? Haverá uma predileção nos livros que serão doados? Serão doados apenas livros didáticos? Os demais deixariam de ser importantes para a formação do indivíduo? O aumento da despesa do governo no custo dos livros que são adquiridos para a rede de ensino infantil e superior justifica a tributação e é proporcional a intenção de tributá-lo? Há de se pensar nessas indagações, porquanto essa medida parece ser mais propensa a limitar do que a potencializar a arrecadação tributária. Aliás, a referida medida parece mais eficaz para a restrição do acesso a livros daqueles que já não têm boa capacidade econômica, uma vez que quem a tem, seguirá comprando os seus livros, se assim desejar.

A incidência da CBS acarretará consequências indesejadas, e não são poucas, a ver: o encarecimento do produto desestimulará o consumo reduzindo a leitura no país que já não é relevante, o conhecimento será melhor acessível e praticamente limitado à elite com melhor capacidade econômica, aumentará a pirataria e gerará mais crise no mercado editorial. Haverá uma limitação na edição de obras por questões de custo-benefício e viabilidade econômica para pequenas e médias editoras, reduzindo significativamente a diversidade de pensamento. Além do mais, ocorrerá, consequentemente, uma desvalorização do escritor e das editoras brasileiras que têm menores condições de competitividade diante dos estrangeiros. Vale, ainda, ter em conta que a tributação de 12% fará com que o Estado ganhe mais que muito autor de livro, desestimulando o escritor, pois este terá que negociar a sua remuneração pelo custo de produção que será maior e o aumento do preço do bem reduzirá a busca pelo seu produto.

Não se quer negar que a Reforma Tributária é importante de ser discutida no país, mas deve ser pensada dentro de um contexto de desenvolvimento pleno e de autossutentabilidade do país. Contudo, eleger a tributação que pouco auxiliará no orçamento da União e que vem para cercear ainda mais o acesso de um bem relevante ao desenvolvimento humano e econômico-social da nação não parece ser a melhor proposta.

O livro é um instrumento estratégico que aporta benefícios para questões econômicas, sociais e culturais. Não há que se olvidar que hoje a população tem inovado nas formas de subsistência e de crescimento econômico e o livro é um instrumento viabilizador da economia criativa. A medida governamental de tributação do livro se coloca na contramão dessa perspectiva: o acesso ao bem será mais limitado a quem não pode pagar, quem já tem pouca oportunidade de melhorar sua qualidade de vida.

A verdade é que livros, a exemplo da República, de Platão; a Divina Comédia, de Dante Alighieri; os Miseráveis, de Victor Hugo, a Riqueza das Nações, de Adam Smith; Odisseia, de Homero, a Crítica da Razão Pura, de Kant; Homo Deus, de Yuval Harari e os contos de Machado de Assis e de Lima Barreto, têm o condão de influenciar uma geração, mudando sua forma de pensar e de agir, importando promoção de medidas de acesso e não de restrição.

*Ana Paula Basso é professora da graduação e pós-graduação da UFPB, doutora em Direito Tributário e Diretora Fundadora do Instituto de Pesquisas Fiscais (IPF)

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Jhonathan Oliveira

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