O vento forte sopra de graça, no Litoral Norte da Paraíba, e gera energia elétrica. Mas a conta ainda chega alta para os consumidores da cidade de Mataraca, a 95 km de João Pessoa. Com vários equipamentos elétricos, Fernanda Almeida, dona de uma barraca na praia de Barra de Camaratuba, reclama do peso da conta.
Na alta temporada, de dezembro a março, chega a pagar de R$ 500 a R$ 600 por mês. “Fora em casa. Eu tô com três freezers, uma fritadeira e uma geladeira […] Na baixa temporada, quando eu deixo mais tempo o quiosque, no tempo de chuva, quando não é viável abrir, eu chego a pagar R$ 300", explica.
O inconformismo dela com o custo da energia e com os aumentos constantes é potencializado porque a região é referência na produção de energia renovável, com cataventos gigantes. Para onde se olha, na cidade, na zona rural, dá pra ver até o início do processo: o vento batendo nas hélices e transformando energia mecânica em energia elétrica.
Na minha mente, por ser daqui, por ter os aerogeradores aqui era para ter um custo mais baixo de energia, a gente pensa assim. Nós moradores pensamos assim, que, por gerar energia, a gente deveria ter um custo mais baixo”, reclama.
A energia é produzida “pertinho de casa”, mas a explicação para o preço alto está no modelo de distribuição colocado em prática no Brasil. O diretor de operações da empresa que gerencia os parques eólicos em Mataraca, Leandro Alves, explica que o preço de energia no Brasil é regulamentado e toda energia produzida está no sistema, que é todo conectado. "Então, independente de ela vir de uma fonte hidrelétrica, uma fonte solar, ela vai ter o mesmo preço regulado pelos órgãos”, reforçou.
Na prática, de acordo com ele, a população que vive perto de parques eólicos precisa entender que a empresa não distribui uma energia mais cara, podendo ser mais barata. Mas um energia que vai para o sistema integrado e é regulamentada nacionalmente.
As matrizes no Brasil
De acordo com Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Associação da Brasileira de Energia Solar (Absolar), o sistema de distribuição de energia elétrica é composto por 58,3% de usinas hidrelétricas, que dependem do volume dos reservatórios de água. Pouco mais de 10,5% vem dos ventos, 8,3% de biomassas, como o bagaço da cana-de-açúcar. Tem ainda outras fontes, que são bem mais caras: (8,6) gás natural, (4,9) petróleo e outros combustíveis fósseis, (1,9%) carvão mineral, (4,4%) energia importada e, ainda, nuclear (1,1%). Os números são de novembro deste ano.
Entre as fontes consideradas baratas, e menos poluentes, a energia solar contribui com pouco mais de 2% da chamada matriz energética. No caso da eólica e solar, com os novos projetos a participação deve crescer até o fim do ano. Mesmo com a ampliação, em resumo, somos dependentes dos períodos de chuva, de energias mais caras, que causam mais danos ao meio-ambiente.
De acordo com o professor da UFPB, Euler Macêdo, pesquisador do Laboratório de Energia Solar da UFPB, o desenvolvimento de um país ele se dá quando você tem produção de energia elétrica barata. Porque você consegue fazer o aumento da competitividade das empresas nacionais, a partir da redução dos insumos, a redução do custo de produção.
Então, a ideia de ter a utilização de fontes alternativas numa maior proporção permite que essa geração de energia seja, vamos dizer, feita de forma mais barata, sustentável e consequentemente permitindo também o aumento da competitividade do Brasil como um todo”, detalha.
A Paraíba nesse cenário
Mas, alguém pode perguntar: onde entra a Paraíba nesse cenário? É que a aposta para salvar o sistema energético brasileiro está na ampliação da diversidade de fontes de energia. Aqui no estado, há condições ideais para fortalecer duas fontes “limpas” e promissoras: o vento e o sol.
O atlas eólico da Paraíba, estudo que revela as áreas de maior potencial para geração desse tipo de energia, mostrou que os bons ventos não estão só na praia. Apesar de ter sido por lá que os aerogeradores entraram na Paraíba, em 2007.
O presidente da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep), Romulo Polari Filho, lembra que o atlas eólico da Paraíba trouxe uma informação importante porque a maioria das pessoas costumava pensar que a intensidade maior de vento era na orla, onde estão, por exemplo, os empreendimentos de Mataraca.
“A partir desse atlas, que foi em 2016 e 2017, você vê que os empreendimentos posteriores a isso já foram em Santa Luzia. Tem um lilás ali (cor identificada no mapa eólico como de melhor potencial), que chega a 10, 15 metros por segundo. As pessoas perguntam: por que eles estão indo pra lá? Porque quem chegar primeiro bebe da água mais limpa. Então, enquanto tiver espaço nessa região, eles vão expandir por aqui. Santa Luizia, Junco do Seridó”, afirmou Polari Filho.
Os projetos
No Litoral Norte, destaca-se um trecho considerado de potencial alto e explorado (Mataraca). O potencial também já foi identificado no Curimatau e no Cariri do estado, mas ainda inexplorado. Na região de Santa Luzia, bem no interior paraibano, o atlas eólico revelou um corredor de vento, em plena expansão há pouco mais de cinco anos.
Os 22 parques eólicos em operação na Paraíba têm uma potência instalada de geração de energia de 396 MW (pico), de acordo com a Aneel, com dados de novembro de 2021. Suficiente para abastecer 198 mil residências. São quase de 800 mil pessoas, se consideramos uma média quatro moradores por domicílio
O outros 22 parques estão em construção, com cataventos gigantes mais modernos, e que vão gerar energia para mais de 1,6 milhão de pessoas. Dados também da Aneel. A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Elbia Gannoum, destaca que na medida que a fonte eólica vai aumentando sua proporção na matriz, a tendência é que isso reduza os custos para o consumidor final.
“Neste momento, estamos vivendo um escassez hídrica, uma crise hídrica, e o sistema necessita chamar usinas termoelétricas, só que a energia eólica está respondendo por 20% do atendimento do sistema. Isso significa que o custo ao consumidor, ele poderia ser muito maior se não fosse a geração eólica. Além da questão da segurança, porque estamos na safra do vento, o segundo semestre nós temos a safra dos ventos, a eólica está gerando muito e ajudando na segurança do suprimento. Não fosse a eólica gerando estariamos em uma situação de racionamento de energia”, explicou Elbia ao Conversa Política.
Potência do Sertão
No Sertão e no Alto Sertão, o sol, que na maioria das vezes foi vilão, é protagonista de uma onda de tecnologia, geração de emprego, renda e capacitação. Com potencial a perder de vista. Mateus Ferreira, de 22 anos, agarrou a oportunidade. O jovem trabalhava na fazenda da família, quando a empresa de energia solar chegou em Coremas, a quase 400 quilômetros de João Pessoa.
Consertando cerca e derrubando bois, como vaqueiro, ganhava cerca de R$ 500 por mês. Foi contratado pela empresa para ser auxiliar de eletricista e mais que dobrou o salário. Em pouco tempo, capacitou-se, fez cursos na própria empresa e, atualmente, ganha mais do que três salários mínimos, como eletricista. “Fora as horas extras [...] Virei eletricista e as coisas melhoraram”, comemora
A região de Coremas está localizada na chamada ilha de calor, com as melhores taxas de radiação solar do mundo, que ficam entre 2.000 a 2.400 kw/m2 por ano, de acordo com a Absolar. São cinco usinas (até 01.11.21) em operação. As fazendas solares estão entre Malta e Condado e as 3 maiores em Coremas. Juntas, já geram energia para consumo de 260 mil pessoas. 65 mil residências. São 130 MW, de acordo com dados da Aneel, de novembro de 2021.
Também há usinas em operação em João Pessoa, em um grande loja de móveis e departamento, na BR-230 e em uma indústria de laticínios. Mas, ainda no Sertão, outros seis empreendimentos deste tipo estão sendo construídos no Sertão.
O maior deles ainda será implantado: 28 usinas que vão gerar energia suficiente para abastecer um 1,6 milhão de residências. De acordo com o governo da Paraíba e a empresa Rio Alto, responsável pelo investimento, o potencial de geração será de 1.6 GW. Serão quase 2,5 mil painéis solares que vão ocupar uma área equivalente a 2.240 campos de futebol entre as cidades de Santa Luzia e São Mamede.
André Pepitone, diretor-geral da Aneel acredita que recurso privado é maneira mais forte de desenvolver a região: “associado a isso a criação de emprego e renda, a prosperidade para toda região, todo o estado”, destacou.
De acordo com o engenheiro civil, André Brayner, com posição estratégica, o fator determinante foi a subestação que foi construído pelo grupo Neo Energia, juntamente com a linha de transmissão para poder escoar. Ele destacou que sem linha de transmissão fica difícil: “fica porque você vai produzir energia e não tem como escoar. E a linha de transmissão tem um custo alto”, afirmou. De acordo com André, 1km de linha de transmissão pode passar dos R$ 1,2 milhão.
Energia solar distribuída
No quesito energia distribuída, que é a geração sobre o telhado de casas, empresas e prédios, os números também são crescentes. São quase 10 mil miniusinas como esta na Paraíba. São gerados 126,9 MW e quase 17 mil residências são beneficiadas. Apesar da ascensão, a colocação da Paraíba no ranking nacional é de um "humilde" 17º lugar (ver tabela abaixo), segundo Absolar.
Com o vento e o sol, até metade de 2023, a Paraíba vai gerar uma quantidade de energia suficiente para abastecer toda a sua população, que é de 4,05 milhões de habitantes, segundo o IBGE. Mas é bom lembrar que uma parte do que é produzido vai para o sistema integrado nacional e para o mercado livre e só depois volta para as casas, indústria ou comércio. E com os novos projetos, vai contribuir de forma significativa com a diminuição da dependência brasileira de hidrelétricas e de fontes de energias mais caras e poluentes.
Novas reportagens
Na segunda reportagem, nesta terça-feira (30), nós detalharemos o potencial eólico da Paraíba. Na quarta, os detalhes sobre a energia solar centralizada. Em seguida, informações sobre a solar distribuída. E ainda nesta série, os impactos socioambientais dessas formas de gerar energia.
Nota informativa: atualmente são 8 usinas solares em operação na Paraíba. Até a finalização da reportagem eram 5 usinas.