É como se fosse um sol para cada um. Um sol para cada conjunto de placas fotovoltaicas. As vantagens de aproveitar a fartura de umas das maiores irradiações solares do país, de acordo com o Atlas Solar do Brasil, fizeram os equipamentos se multiplicarem nos telhados na cidade de Sousa, no Sertão paraibano. As placas estão no comércio, nas casas de bairros nobres e nas mais populares.
O aumento das informações sobre as vantagens do sistema, em um lugar onde os raios não economizam em incidência, a atividade cresce de maneira sem parar. São pelo menos doze empresas de instalação na cidade. Rômulo Antunes é engenheiro de uma delas e admite: trabalho não falta!
Hoje a gente executa na faixa de 23 a 25 projetos por mês. Nós temos uma população aqui que é bastante consciente. O pessoal sabe que é mais lucrativo para eles investir em energia solar do que pagar uma conta de energia. Um projeto hoje de 500 kw, ele custa em média 15 mil reais", comenta.
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De acordo com o engenheiro, hoje os projetos estão mais acessíveis e uma parte da população consegue dividir o financiamento dos equipamentos em 5, 6 ou até mais anos. “Com seis meses de carência. Então vai ficar seis meses sem pagar a conta de energia e sem pagar a fatura do financiamento. Então, já dá certo pra juntar o dinheiro conseguiram pagar as parcelas com mais tranquilidade”, destaca Rômulo Antunes.
A parcela que paga pelo sistema é, em geral, parecida com o custo da conta da energia tradicional. “Ou menor, dependendo do tamanho do projeto. Geralmente projetos maiores a parcela é menor do que a conta de energia do cliente está acostumado a pagar”, explicou.
O clima quente, muito quente mesmo, exige mais gastos com energia para manter a temperatura amena nos locais fechados, por exemplo, com ar condicionado e ventilador ligados. Deixar esses equipamentos funcionando o tempo todo é fundamental para agradar e manter os clientes no comércio de Sousa. Para todos que conseguem investir na geração da própria energia, é a forma de refrescar a vida e aliviar as contas.
Josilena Francelino e o marido, João Paulo, que têm um salão de beleza e uma pequena farmácia do lado da casa, fizeram os cálculos. Mesmo com o orçamento apertado, não têm dúvidas de que os investimentos valeram a pena.
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“Hoje eu coloquei uma quantidade acima do que eu usava. Porque antes eu gastava em média de 500 a 600 KW. E hoje eu posso usufruir um pouco mais, de 800. - Pagava quanto? R$ 500”. Agora, ela paga o mesmo valor no financiamento (R$ 500) e usa mais. Ao quitar o financiamento é dela. Mas uma taxa mensal mínima de R$ 40 é paga.
O marido quer "potência" máxima do sol todos os dias.
Hoje eu até acho é bom quando tá fazendo sol”, diz Paulo. “A nuvem é inimiga... e tem mais essa vantagem.. se eu não consumir esses 800 KW, o que sobrar, eu posso acumular. No inverno , vai ser ‘diminuído’ a geração e como eu vou ter o excedente … vai dar pra usar tranquilamente.
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Bronca com ICMS
Neilton de Oliveira é dono de um prédio em um bairro de classe média de Sousa. Tinha R$ 100 e investiu em 80 placas que geram energia para todo o prédio. No térreo tem um mercadinho e em cima vários apartamentos para alugar. Em três anos, ele economizou o investimento.
A conta de energia, em média, deveria vir mais de R$ 3 mil por mês, mas é de quase R$ 300. Valor que aumenta quase 100% por causa da cobrança de ICMS que começou a vir na conta recentemente.
“Ninguém nunca viu isso na vida. A pessoa pagar uma taxa de energia solar gerada pelo sol. Eu não consigo entender e uma taxa caríssima”, reclama.
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A indignação de consumidores como seu Neilton já foi parar na Justiça. Em decisão provisória de um caso específico, o Tribunal de Justiça da Paraíba foi contra a tributação. Entendeu que não há objeto de compra e venda, mas o uso da rede de distribuição.
A cobrança, segundo a Secretaria da Fazenda da Paraíba, é feita por todos os estados. Não é uma lei estadual. Enquanto não houver decisão definitiva, o tributo, baseado na quantidade de energia gerada nas placas, precisa ser pago.
Neiton tem medo que impostos e taxas criadas pelos governos acabem encarecendo o projeto de economizar com energia, depois de um investimento tão alto.
Explicação da Sefaz-PB
De acordo com o secretário da Fazenda da Paraíba, Marialvo Laureano, está previsto na legislação de todo Brasil a cobrança de ICMS sobre geração e distribuição. Aqui na Paraíba, 25%. Porém, em 2015, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) aprovou isenção do imposto sobre a geração, para estimular o setor. A Paraíba assinou o acordo e isentou os consumidores, desde então. Mas a cobrança sobre a "distribuição" foi mantida no Confaz.
Marialvo explica que a cobrança, baseada em legislação nacional, não estava acontecendo no estado por um erro da concessionária, que em agosto deste ano, admitiu o erro. A partir daí começou a cobrar dos consumidores, como determina a lei. Ou seja, o imposto era para ser cobrado desde 2015 e não estava.
A Secretaria da Fazenda da Paraíba registra que não foi o estado que implantou o imposto. "A lei já existia. Inclusive, não houve alteração na legislação", afirmou Marialvo ao Conversa Política. Segundo o secretário, qualquer alteração tem que ser feita por unanimidade no Confaz.
Geração distribuída e gestão pública
No Brasil, a energia distribuída, que é gerada nessas miniusinas particulares, já é bem maior que a produção das grandes fazendas solares. São 7,5 GW contra 4,5 GW. Um recorde para o Brasil.
43% das placas estão em casas nas cidades e 36 em estabelecimentos comerciais e de serviços. O restante está em propriedades rurais, indústria, iluminação e prédios públicos.
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Aqui na Paraíba, até o início de novembro, eram 10 mil miniusinas particulares, que geram mais 127 MW, abastecendo 17 mil residências. Os dados são da Aneel e do governo da Paraíba. Na gestão pública, a adoção do sistema ainda é lenta. Mas alguns já viram economia nos raios solares.
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Em São Bento, onde a irradiação é farta, a prefeitura colocou placas no teto de sete escolas municipais. E gera energia para 25 colégios. 100% da rede. Gastou R$ 2 milhões pelo sistema, instalado em 2019. A economia anual é de R$ 500 mil. “Os benefícios são óbvios e em todos os seguimentos da gestão. Porque tem responsabilidade ambiental. Tem o cunho de economia e o que se faz dentro do serviço público, além do exemplo para outros municípios, outras instituições, faz com que a gente cuide melhor com que é do povo que é o recurso financeiro”, afirmou o prefeito da cidade Jarques Lúcio.
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Fábrica em João pessoa
O investimento inicial para instalação de placas solares ainda afasta muita gente que gostaria de gerar a própria energia. Sem capital, ou valor inicial, o consumidor precisa ter, no mínimo, condições de obter crédito para financiar a aquisição, seja em bancos públicos ou privados.
Encarecem o produto, a tecnologia, os impostos sobre as matérias-primas e produto importado, além de logística de transporte. Mas esse último custo pode diminuir para os consumidores paraibanos e nordestinos a partir do início do ano que vem, quando a fábrica de João Pessoa começar a produzir mais de 3 mil placas solares por dia. Será a maior produção da América Latina. A segunda será da mesma empresa, Balfar, que, atualmente, produz mais de 1.500 placas/dia e é a primeira.
"Nós tivemos aqui um apanhado de informações. Entre os quais a irradiação solar. Os grandes projetos que estão vindo para cá, a posição estratégica de João Pessoa e aqui da Paraíba, diante ao Nordeste, a proximidade dos portos, as tratativas internas também, com relação ao tratamento do governo, no sentido de apoiar, viabilizar a indústria, como esse investimento", explicou Olavo das Neves, diretor de negócios da Balfar.
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Ele explica que no local serão montados os painéis porque as células vêm do exterior. “As células vêm da China. A China detém essa tecnologia. É importante dizer que o Brasil produz a matéria-prima, que temos o silício aqui na verdade. Que vai pra lá que é industrializado lá e que volta através das células", registrou.
Apoio a projetos comunitários
Com sistemas mais baratos, o sol pode gerar muito mais do que economia. O Comitê de Energias Renováveis do Semiárido aposta em inclusão social, combate a desigualdades e à pobreza. Em Várzea Cumprida das Oliveiras, mulheres queriam ganhar o próprio dinheiro, uma renda extra. Outras não queriam ser apenas donas de casa. Juntaram-se e deram um passo à frente.
Com ajuda do Comitê, um projeto formado por 16 mulheres ganhou as placas solares, fundamentais para a produção de pães e bolos, que diariamente alimentam estudantes de escolas públicas e a comunidade. "Se a gente fosse trabalhar com a energia convencional, a gente hoje, eu diria que não teria mais condições de trabalhar, já tinha fechado aqui”, explica Glauciene Ferreira, presidente da Associação das Mulheres.
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Elas não têm lucro grande. O que fica é o empoderamento. Se sentindo mais útil como mulher. “A mulher se sente com independência maior, valorização maior”, comemora.
Sol do Sertão, painéis e força de vontade. Ninguém tem mais dúvidas do potencial positivo dessa combinação. “No Sertão que muitas pessoas pensam que a gente não pode conseguir algo e a gente pode conseguir sim, com um grupo coletivo, se unindo e hoje em uma padaria, com um grupo de mulheres que faz a diferença, sim. Para nós, para nossa família, nossa comunidade, nossa cidade e para quem vê a gente trabalhando", diz Solange de Oliveira Matos.
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