As mulheres são a maioria do eleitorado da Paraíba. Correspondem a quase 53% do total de eleitores aptos a votar no estado. É também o gênero que mais marcou presença nas urnas. No último pleito, em 2020, apenas 15,5% das eleitoras paraibanas deixaram de votar.
Parecem dados 'frios', retirados do setor de estatística da Justiça Eleitoral, mas representam a força da participação efetiva feminina nas eleições, que completa 90 anos nesta quinta-feira (24).
A data, que em 2015 virou o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, é marcada pela assinatura do primeiro Código Eleitoral brasileiro, decretado pelo então presidente Getúlio Vargas, após a Revolução de 30. Naquela época, na América Latina, apenas Equador e Uruguai permitiam o voto feminino no processo eleitoral.
"Tal conquista deve ser atribuída, entre outros fatores, à mobilização das mulheres em organizações femininas e à perseverança e ousadia de algumas, individual e solitariamente", explica a professora da UFPB, Gloria Rabay, em sua tese Democracia, Direitos Humanos e Gênero.
Foi um avanço, 'pero no mucho'. Naquele primeiro código, nem todas podiam votar. Estavam autorizadas apenas mulheres maiores de 21 anos. O voto também era vedado a mendigos e analfabetos, mas isso independente do gênero.
Somente na Constituição Federal de 1934, o direito do voto feminino foi consagrado para todas maiores de 18 anos, que se alistassem na forma da lei. O voto ainda era facultativo para as mulheres, exceto para as servidoras públicas.
Na constituição de 34 também veio outro direito tão importante quanto: o de poder ser votada. Mas isso é outro processo que falamos logo mais.
Luta pelo voto feminino
Inicialmente é necessário destacar que a luta das mulheres pelo direito de votar e de serem votadas teve início décadas antes. O passo mais concreto aconteceu na Constituinte de 1891. Uma proposta pelo voto feminino que, apesar de encontrar defensores, foi rejeitada.
Conforme narra a escritora Tereza Cristina de Novaes, em sua obra O Voto Feminino no Brasil, o entendimento conservador era de que a mulher tinha que se dedicar à família. Havia outra corrente que era contrária à inclusão da mulher como eleitora porque temia a expansão do número do eleitorado naquele momento de transição para a Nova República.
O tema só veio ganhar força mesmo na virada do século XX, com a militância política feminina na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Essa atuação organizada e estratégica inspirou outras mulheres no mundo todo, inclusive no Brasil.
O chamado 'Sufragismo', movimento de luta pelo voto das mulheres, se tornou uma expressão política organizada através da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, criada em 1922. A partir dele surgiram outros movimentos em defesa dos direitos das mulheres, que inspirou a apresentação de propostas no Senado, mas que ainda não prosperaram.
Pioneiras
Em meio a este processo federal, antes do Código Eleitoral, o vizinho Rio Grande do Norte havia iniciado um movimento pioneiro. Documentos históricos da Justiça Eleitoral apontam que a professora Celina Guimarães foi a primeira eleitora do Brasil e da América Latina.
Natural de Mossoró, ela conseguiu sua inclusão no rol de eleitores do município em 1927, com base em uma lei estadual que passou a vigorar e estabelecia a não distinção de sexo para o exercício do voto.
Curiosamente, o Rio Grande do Norte atualmente é o único estado brasileiro governado por uma mulher: a paraibana Fátima Bezerra (PT).
O alistamento eleitoral de Celina constituiu um marco da vanguarda feminina no continente ao tornar realidade o voto feminino e incentivar outras mulheres.
O Rio Grande Norte também foi pioneiro na eleição de uma mulher. Alzira Soriano foi escolhida pelos eleitores para comandar a cidade de Lajes (RN), com 60% dos votos, no ano de 1929. Ela, no entanto, perdeu o mandato no ano seguinte por não concordar com o governo de Getúlio Vargas.
A responsável pela indicação de Alzira como candidata à Prefeitura de Lajes foi a advogada feminista Bertha Lutz, que representou o movimento feminista na Comissão Elaboradora do Anteprojeto da Constituição de 1934.
A luta continuou com a atuação de diversas outras mulheres, até Carlota Pereira de Queiroz ser eleita a primeira deputada federal do país, no período de 1934 a 1937, já sob o manto do Código Eleitoral. Neste mesmo período, também foi eleita a primeira deputada estadual, Antonieta de Barros.
Outros espaços de poder demoraram um pouco mais a serem ocupados por mulheres:
- A primeira senadora foi Eunice Michiles. Ela chegou ao Senado Federal, em 1979.
- A primeira governadora foi Iolanda Fleming, eleita no Acre em 1982.
- A primeira mulher eleita presidente foi Dilma Rousseff. Se elegeu em 2010 e foi reeleita em 2014, mas acabou sendo afastada do mandato após sofrer processo de impeachment.
Na Paraíba
Na Paraíba, a primeira eleitora alistada só veio junto com o Código Eleitoral de 32 e, ainda assim, não foi tão imediatamente. O processo de alistamento para voto feminino no estado foi iniciado no dia 28 outubro e encerrado em 25 de março do ano seguinte.
Inicialmente foi feito o cadastramento ex-officio, em que, segundo a lei eleitoral da época, os chefes das repartições federais, estaduais e municipais estavam obrigados a enviar aos cartórios eleitorais a relação dos seus funcionários, para efeitos de inscrição eleitoral.
Depois, o Tribunal Regional de Justiça Eleitoral (era assim que era chamado no início) apresentou um listas dos "cidadãos qualificáveis", atingindo assim o número de 4.899 eleitores.
Segundo o escritor e professor de direito eleitoral, Renato César, servidor do TRE-PB e colaborador do Memorial da Justiça Eleitoral da Paraíba, a primeira pessoa alistada na Paraíba foi uma mulher.
Trata-se da professora Isabel Iracema Feijó da Silveira, escritora, poetisa, natural de Santa Rita. Ela foi uma das fundadoras do Comitê Feminino da Aliança Liberal na Paraíba, e da Associação Parahybana para o Progresso Feminino.
Apesar do aumento da participação feminina nas urnas, os resultados dos pleitos demonstram que ela não se reflete nos espaços de poder. Homens ainda ocupam a maioria absoluta dos cargos.
Grande parte dessa demora pode ser atribuído aos 'apagões' da democracia. O primeiro, entre 1937 e 1947, quando o país não teve eleições diretas por causa do golpe de estado dado por Getúlio. O segundo, a partir de 1964, com a Ditadura Militar, que impôs gestores biônicos.
Apenas em 1982, já no processo de retomada da democracia, é que o estado elegeu a primeira deputada estadual. Vani Braga, irmã do então governador Wilson Braga, conseguiu uma vaga para a Assembleia Legislativa. Quatro anos depois, em 1986, a cunhada, Lúcia Braga, vencia o pleito para a Câmara Federal.
A primeira mulher no Senado só ocorreu nas Eleições 2018, com a vitória da senadora Daniella Ribeiro (Progressistas).
Na eleição passada, em 2020, das 106 candidatas a prefeita, apenas 37 conseguiram se eleger. Em relação às vereadores, das 3.845 candidatas, conseguiram vitória nas urnas 349 delas. Muito longe dos quase 53% de eleitoras, se a levar em conta a importância da representatividade, sobretudo no parlamento.
Cotas de gênero
A legislação eleitoral e a jurisprudência dos tribunais têm contribuído para mudar esse cenário, ainda que lentamente. Nesse sentido, alterações legislativas foram necessárias para deixar explícito aos partidos que é obrigatório o preenchimento de pelo menos 30% de candidatos de cada sexo.
Antes, a regra era tida apenas como uma orientação, e, dessa forma, os partidos não se empenhavam para preencher as vagas com candidatas mulheres.
Diante desse cenário, o desafio é fazer com que as legendas entendam a importância da participação feminina na política e invistam em suas campanhas, dando às mulheres a possibilidade de disputar em grau de igualdade com todos os candidatos.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sido rígido nos julgamentos de casos envolvendo candidaturas fictícias, ou seja, aqueles em que mulheres foram registradas como candidatas apenas para cumprir a cota de gênero, sem a real intenção de concorrer ao cargo e sem o investimento do partido em suas respectivas campanhas.
A Corte firmou o entendimento de que, se as provas de fraude forem robustas a ponto de confirmar o ilícito eleitoral, os candidatos envolvidos devem ter seus diplomas cassados, podendo, inclusive, ficar inelegíveis.
A historiadora Daiane Rodrigues, à coluna Nossa Fala, na CBN João Pessoa, afirmou que apenas a Lei de Cotas não assegura uma quantidade de eleitas. "A gente ainda não percebe uma efetiva participação dessas mulheres no campo político quando a gente olha as eleitas", questionou.
Por que não há uma lei de cotas que não assegure a efetiva participação dessas mulheres?
Novas regras para 2022
Para as eleições deste ano, uma nova estratégia será implementada. A ideia é tentar ampliar a participação da mulher não apenas nas urnas, como também nas cadeiras do legislativo. Pelo menos 30% da verba do fundo partidário deverá ser usada para o financiamento de candidaturas de mulheres.
Para as candidaturas de mulheres, o percentual do valor recebido do Fundo Especial de Financiamento de Campanha corresponderá à proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas da legenda, não podendo ser inferior a 30%.
Já para as candidaturas de pessoas negras, a porcentagem equivalerá à proporção de mulheres negras e não negras do gênero feminino e de homens negros e não negros do gênero masculino da agremiação.
No caso dos recursos do Fundo Partidário, para as candidaturas femininas, o percentual corresponderá à proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30%.
Para as candidaturas de pessoas negras, a porcentagem equivalerá à proporção de mulheres negras e não negras do gênero feminino e de homens negros e não negros do gênero masculino da sigla.
Atividades
O Plenário do Senado realizará sessão especial para comemorar os 90 anos da conquista do voto feminino hoje. A sessão está prevista para começar às 9h e será realizada remotamente.
“O Código Eleitoral de 1932 criou a perspectiva de uma democracia real, permitindo verdadeiramente a participação de todos, assegurou a cidadania política às mulheres brasileiras. Mas, mesmo hoje, quando as mulheres no país representam mais de 50% do eleitorado, a representatividade é pouca. Contudo, a legislação eleitoral e a jurisprudência dos tribunais têm contribuído para mudar esse cenário”, disse Leila Barros, autora da proposta do evento.