Despertar sempre antes do sol, às 4h30, era primeiro dever diário de Moizés Henriques da Silva Almeida nos últimos três anos. Depois de acordar e se preparar para a longa jornada de estudos do dia, o jovem subia na garupa da moto do pai, que pilotava cerca de 20 minutos de Bom Sucesso, no Sertão da Paraíba, até Alexandria, onde embarcava em um ônibus rumo a Pau dos Ferros, ambos municípios do estado vizinho, o Rio Grande do Norte. Foi assim do início até o fim do ensino médio, concluído no início deste ano, e coroado com a aprovação para estudar na Universidade Tufts, nos Estados Unidos.
Viajar pra outro país, ter uma educação internacional e conhecer várias culturas, pra mim, é realmente um sonho. Quero aproveitar o máximo e viver tudo o que tenho pra viver, aproveitar todas as oportunidades e trazer uma bagagem também. Levar minhas raízes. Pra trazer transformação pra mim e minha família.
Saindo da casa em que mora, na zona rural – de onde é possível ouvir o som familiar do campo entoado no canto de um galo que invade a entrevista com o estudante – eram cerca de 60 quilômetros percorridos para ir e mais 60 quilômetros para voltar em um percurso que, ao todo, durava pelo menos três horas. Moizés estudava no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), onde cursou o ensino médio junto ao curso técnico de informática.
A escolha do curso de informática, segundo o próprio jovem, de 19 anos, “foi um tiro no escuro”. Mas, além disso, um reflexo da vontade de conhecer um mundo ao qual não tinha acesso. Em caso, o estudante tinha celular e internet. O primeiro computador, no entanto, ele só conseguiu no meio da pandemia de Covid-19, com a ajuda de um auxílio estudantil do IFRN para compra de equipamentos que garantissem que os alunos pudessem assistir as aulas.
“Precisei ficar muitas vezes no IFRN pra fazer os trabalhos até de noite, pra usar os computadores da biblioteca e tentar dar conta de todas as atividades que tinha pra entregar nesse tempo”, recordou.
Agora, o caminho que o conduz de casa até os estudos não é só de uma centena de quilômetros, mas de milhares deles. Mesmo, que para o jovem, estudar fora do país não fosse uma realidade possível para o filho de um agricultor e uma dona de casa, que moram em uma pequena cidade com menos de cinco mil habitantes.
Pensava (que estudar em outro país) era só pra pessoas ricas.
Do primeiro computador na pandemia até a bolsa de estudos nos EUA
A virada de chave na história de Moizés aconteceu quando, na primeira série do ensino médio, uma professora viajou para o Canadá. Ela nem imaginava que uma mudança na própria vida influenciaria tanto o aluno que para si mesmo sentenciou.
Uau. Também quero isso pra minha vida.
Ele não sabia como realizaria o sonho que tinha nascido, mas o desejo de estudar no exterior fez com que descobrisse. O primeiro passo foi estudar inglês, algo que fez sozinho por um tempo.
Na minha cidade não tem curso de inglês e, se tivesse, talvez minha família não poderia pagar.
Quando criou - na base na persistência e também dedicação - afinidade com a língua inglesa, Moizés viu um mundo de possibilidades se abrir. Foi então que descobriu o Programa Universidades Acadêmicas e se candidatou em 2020. Em 2021 foi selecionado para receber mentoria para os processos de candidaturas às universidades americanas. Daí por diante teve até aulas de inglês com uma professora dos Estados Unidos, que o preparou para os testes de proficiência e entrevistas. Depois de muitas etapas, o resultado que mais esperava foi divulgado em fevereiro.
Entrei no portal da universidade, aí começou sair confete na tela do computador e tava a escrito ‘parabéns, seja bem-vindo’. Pra mim, aquele momento foi um choque total. Tava mais preparado para o não do que pro sim. Foi o momento mais emocionante que eu já vivi.
O esforço de anos foi recompensado com uma bolsa de estudos para cursar ciência da computação na Universidade Tufts, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Mais a frente, tem a pretensão de acrescentar ao currículo acadêmico o curso de estudos ambientes na mesma instituição. Além da anuidade, ele também vai ter moradia, livros, alimentação e passagens custeados.
O embarque rumo à realização do sonho de jovem paraibano está previsto para agosto. Por enquanto, ele organiza questões burocráticas, a exemplo da emissão de passaporte e visto. Os pouco mais de quatro meses que estão pela frente também servirão para aproveitar a presença dos familiares e amigos.
‘Algo que nós sonhamos juntos e juntos nós fizemos acontecer’
Moizés contou que faz parte da primeira geração da família que está indo para a universidade. Além dele, o irmão é professor. Para eles, o jovem remete parte do mérito da aprovação.
Uma vez eu aprendi que quando entra uma pessoa entra numa sala, ela não entra sozinha. Várias outras entram com elas, porque essas pessoas fizeram ela ser quem é. Nesse caso, é a minha família. É algo que sonhamos juntos e juntos nós fizemos acontecer.
Ele sabe que assim como sonhou, muitos outros estudantes da Paraíba, Nordeste e Brasil inteiro continuam sonhando. Para todos, ele deixa uma mensagem de incentivo.
Uma das coisas que mais desejo é que pessoas que tenham a mesma realidade que aminha, na zona rural, em cidade pequena, que elas conquistem seus sonhos. Acreditem que é possível, eu sou a prova que é possível. Acreditem e façam acontecer.
Programa Oportunidades Acadêmicas
O Programa Oportunidades Acadêmicas, que auxiliou o Moizés a conseguir a bolsa de estudos, tem o objetivo de apoiar estudantes sem condições financeiras, durante o processo de candidatura para programas de graduação e ainda mestrado e doutorado.
A finalidade que os jovens consigam admissões com bolsas de estudos em universidades nos Estados Unidos. Para isso, é necessário atender a uma série de requisitos acadêmicos, que indiquem o quanto o aluno está qualificado.
As inscrições da seleção mais recente foram encerradas em janeiro deste ano.