Luciane Pessoa, de 51 anos, nunca percebeu nenhuma alteração na mama. Mesmo assim, consciente da importância dos exames de rotina e prevenção, não deixou de realizar a ultrassonografia das mamas, axilas e mamografia. Para sua surpresa, foi diagnosticada com câncer de mama em março deste ano. Nódulos pequenos e de difícil localização, como é o caso de Luciane, reforçam a importância da campanha de prevenção e da realização dos exames de rotinas para aumentar a margem de recuperação da doença.
Só em 2022, 211 pessoas morreram em decorrência do câncer de mama na Paraíba. No ano passado, o número de óbitos chegou a 313 no estado, segundo o Sistema de Informação de Mortalidade-SIM. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, para o ano de 2022, estima-se na Paraíba, 1.120 casos novos de câncer de mama, sendo 360 casos novos somente em João Pessoa.
Além disso, segundo o INCA/MS a estimativa de câncer de mama para o triênio 2020-2022 na Paraíba, é de 1.120 novos casos para cada ano - incidência de 52,93 casos por 100 mil mulheres. Os dados fundamentam a importância da preocupação da campanha Outubro Rosa, que tem como objetivo principal alertar as mulheres e a sociedade sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama e mais recentemente sobre o câncer de colo do útero.
“Descobri o câncer de mama em um exame de rotina. Não percebi nenhuma alteração na minha mama, não havia nada palpável. Quando fiz a mamografia, a médica demorou um pouco mais no exame. Ela realizou o exame com muito zelo. Porém, demorou bastante na mama direita, como se estivesse procurando algo que devia estar ali”, relembra a servidora pública. “Ela concluiu explicando os achados. A mamografia havia apresentado microcalcificações. Na ressonância foram detectados dois nódulos, ambos pequenos e em uma posição de difícil localização”, conta.
Como a equipe da imagem disse: um caso desafiador. Fiz a biópsia para confirmar se era maligno, o resultado foi positivo".
Luciane possui plano de saúde e realizou seu tratamento através da rede privada. Começou com a quimioterapia, pois, apesar de pequeno, seu câncer era de um tipo agressivo, de crescimento rápido. “Por isso, penso que, se eu tivesse procurado a mastologista quando eu sentisse um nódulo, poderia ser tarde demais, por outro lado, detectando precocemente a chance de cura é muito alta”, adverte Luciane.
“Tive reações causadas pela quimioterapia, mas, também tive resposta 100% satisfatória. Já fui fazer a cirurgia sem nódulo e o resultado da biópsia revelou ausência do câncer", conta. Atualmente, Luciane aguarda a cicatrização de sua cirurgia para ser liberada para a radioterapia. “Além disso, continuarei recebendo dois medicamentos por via venosa, a cada 21 dias por mais uns sete meses”, explica.
Tratamento: fé, rede de apoio e estudos sobre a doença
Luciane conta que o processo como um todo é difícil e ninguém nunca está preparado para isso. “Encarrar a finitude da vida é muito desafiador, a gente acha que que tem todo tempo do mundo e de repente vem na nossa cabeça que estamos com os dias contados. Às vezes o medo quer dominar, nos cabe batalhar para ele não ocupar nossa mente”, reflete a professora.
Sobre o tratamento, a professora relata que uma das partes mais difíceis do tratamento é a espera por cada resultado e etapa. “São aqueles momentos que você tem pouca coisa a fazer para o enfrentamento da doença também machucam. Fisicamente, a quimioterapia é o mais difícil, os efeitos colaterais podem variar muito, não só de pessoa pra pessoa, mas também a cada sessão”, conta.
Para atravessar este momento de recuperação, o que mais ajudou Luciane foi manter sua fé. “Posso dizer com convicção que a tranquilidade com que lidei com o diagnóstico e tratamento veio do alto. O Espírito Santo acolhe e acalma. O tempo todo Deus foi o centro da minha vida, não o câncer”. Para além da espiritualidade, sua rede de apoio foi fundamental. “Minha amada família e minha equipe médica, verdadeiros anjos”.
Outra coisa que a ajudou, foi estudar bastante sobre a doença. “Eu estudei muito sobre a doença, li artigos científicos, tirei minhas dúvidas com meus médicos, me afastei do trabalho, quando precisei. Sou servidora pública, não parei de me exercitar, exceto logo no pós cirúrgico. Continuei minha vida de oração, participando da igreja e me mantive saudável”, afirma.
Sempre enxerguei que estou enfrentando uma doença, eu não estou doente. Busquei protagonizar. Eu sou muito mais que a doença, sou generosa comigo e grata."
Etapa de recuperação: “pretendo ajudar na conscientização"
Luciane não tem mais a doença, mas ainda não finalizou os tratamentos. “Eu me preservei muito durante todo processo, não dividi com muita gente o que eu estava passando. Achei melhor assim. Se as pessoas não sabem que você está com câncer, elas não mudam e isso pra mim é bom, traz normalidade à vida”, conta.
“A ideia não era esconder, era me poupar para ter energia para o que eu realmente precisava. Sei que outras pessoas precisam dividir, contar, porque vão lidar melhor com o processo assim. Somos únicas e só cada uma de nós sabe o que é melhor, não há certo ou errado”, afirma.
Pretendo ajudar na conscientização dos exames periódicos e do autoexame. Dizem que quem procura acha, né? Só que quem acha cedo, acha a cura junto."
“Tem duas coisas que ouvi que fizeram diferença pra mim: “câncer não é sentença de morte, há muita vida após o câncer” e “não compare seu caso com o de ninguém”, conta Luciane. Para quem também está enfrentando a doença, ela recomenda que se tente levar a vida o mais normal possível: “faça exercícios, faça coisas que te tragam alegria, viva da melhor forma que você conseguir. Nem todo dia vai ser bom, mas sempre busque o melhor”.
Especialista tira dúvidas
OJORNAL DA PARAÍBA entrevistou a médica Lise Reis Melo, que é membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia; especialista em mamografia pelo Colégio Brasileiro de Mastologia (CBR) e médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley ( HULW/UFPB), do Centro Especializado no Diagnóstico do Câncer ( CEDC/ SES-Pb) e da Clínica UD Diagnóstico por Imagem.
O que é e quais as possíveis causas do câncer de mama?
R: O câncer de mama é uma multiplicação desordenada de células anormais da mama, causada por uma alteração genética, e que leva à formação do tumor. Não há uma causa única. Diversos fatores estão associados ao desenvolvimento do câncer de mama. Dentre eles, temos os fatores ambientais/comportamentais (por ex. a obesidade, sedentarismo, consumo excessivo de bebida alcoólica), os relacionados à história reprodutiva/hormonais das mulheres ( por ex. menarca precoce e menopausa tardia) e os fatores ligados à história familiar (por ex: mutações genéticas hereditárias, casos de câncer se mama e/ ou ovário na família).
É importante ressaltar que a maioria dos casos de câncer de mama ocorre de forma esporádica, e apenas cerca de 10-15% ocorrem por uma alteração hereditária, ou seja, aquele que pode ser transmitido de geração em geração.
Qual a taxa de mortalidade?
O câncer de mama é o tipo mais frequente nas mulheres em todas as regiões do Brasil, excluindo-se os casos de câncer de pele não melanoma. Para o ano de 2022, foram estimados 66.280 novos casos de câncer de mama no país. O câncer de mama é a primeira causa de morte por câncer na população feminina em todas as regiões do país, exceto na região norte, onde o câncer de colo de útero ocupa essa posição. No período 2016-2022, os óbitos por câncer de mama representam 16,3% do total.
É possível reduzir os riscos de desenvolver a doença?
Sim. Além do rastreamento mamográfico, um ponto muito importante é a modificação no estilo de vida. A prática de atividade física regular, manter uma dieta saudável, controlar o peso e a amamentação são fatores associados à diminuição do risco para câncer de mama. Por outro lado, é importante destacar que a obesidade na pós- menopausa, o consumo excessivo de álcool e o tabagismo podem elevar esse risco.
A doença afeta os homens? Mulheres jovens também correm risco?
O câncer de mama em homem é raro, mas pode acontecer, correspondendo a aproximadamente 1% de todos os casos. A média da idade no diagnóstico é após 60 anos, e é mais frequente em homens cujas famílias apresentam muitos casos de câncer de mama e ovário, sendo a presença de mutação genética hereditária um fator de risco importante. Com relação ao câncer de mama em mulheres jovens (quando o diagnóstico ocorre antes dos 40 anos), apesar de menos frequente, mulheres jovens podem ser acometidas pelo câncer de mama, e devem ficar atentas ao aparecimento de alguma alteração das mamas.
Quais os principais sintomas que podem indicar câncer de mama?
Existem alguns sinais e sintomas de alerta para o câncer de mama. Na presença de alguma alteração, as mulheres devem procurar o mastologista. São eles: nódulo palpável, secreção sanguinolenta ou serosa pelo mamilo. Espessamento ou retração da pele ou mamilo, Linfonodos axilares aumentados, Inversão do mamilo, alteração da pele da mama (vermelhidão ou aspecto enrugado ou inchaço da mama).
Além de estarem atentas ao próprio corpo, existem outros métodos preventivos ou exames que as mulheres podem fazer para garantir que não possuem o tumor?
A maioria dos casos de câncer de mama acontece de forma esporádica, sem que a mulher apresente um histórico familiar importante. Ser mulher já é um importante fator de risco. Como já foi dito anteriormente, ter hábitos de vida saudáveis é de extrema importância. Estima-se que 30-40% das neoplasias poderiam ser prevenidas com modificações no estilo de vida. Cuidados com alimentação, realizar atividade física regularmente, manter o peso adequado e não consumir bebidas alcoólicas são cuidados que podemos ter.
Além disso, o diagnóstico precoce do câncer de mama é um dos pontos fundamentais. Realizar mamografia anual a partir dos 40 anos pode detectar casos iniciais, e isso impacta diretamente na escolha do tratamento, prognóstico e taxas de cura da paciente.
A pandemia prejudicou os diagnósticos de câncer de mama? Podemos afirmar que devemos viver agora um aumento nos casos por causa disso?
Sem dúvidas, o impacto da pandemia Covid-19 no rastreamento do câncer de mama foi enorme. Estudos mostram que, no Brasil, o comparecimento à mamografia diminuiu 42% na rede pública de saúde. E o número de mamografias realizadas em 2021 ainda não recuperou as taxas pré-pandemia . Além disso, observou-se que em cerca de 30% intervalos superiores a três anos. Outro dado importante é que o número de pacientes com nódulos palpáveis no exame físico aumentou . Segundo o mesmo estudo, as consequências da pandemia no rastreamento ainda são incertas.
Facilitar o atendimento às mulheres com mamografias alteradas ou com algum sinal (por exemplo, nódulos palpáveis) é uma estratégia importante. Um ponto importante neste contexto de pandemia, é a campanha “Outubro Rosa“, através da conscientização sobre câncer de mama e estímulo à realização da mamografia .