Um sertão exuberante. Com a vida brotando em vários tons de verde. Um cenário bem diferente daquele Sertão seco e rachado. Um novo Sertão que orgulha seu Edvan Miguel, morador da zona rural de São José de Piranhas, a 508 km de João Pessoa, capital da Paraíba. O agricultor lembra que o semiárido com aquela “personalidade” viva tem relação direta com as chuvas do chamado inverno sertanejo, entre dezembro e fevereiro.
“Eu plantei milho, feijão e capim e graças a Deus vai uma lavoura boa. Tendo chuva, o Sertão é outro”, ressalta. Quando nos primeiros meses do ano chove, é garantia de um período duplamente iluminado. No campo, com fartura, e na vila produtiva: com mais geração de energia e mais economia.
É que os raios solares, mesmo no chamado inverno sertanejo, onde mais nuvens marcam o céu, nunca desapontam. A prova está nas placas instaladas entre as casas dos agricultores, onde a irradiação é a fonte de energia elétrica.
Elas foram instaladas na Vila Irapuá I, em 2019, uma doação do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido, que tinha convênio com uma Ong da Alemanha. Foram apenas 10 placas, o suficiente para semear a consciência de que, o então inimigo, o sol, é melhor aliado. É com a forcinha dele, que toda a água consumida pelos moradores da vila produtiva chega as três caixas que ocupam um lugar de destaque.
O sol bate nas placas e traz água a 1.400 km de distância daqui. É daquela bomba palito. Ela é acionada lá remotamente e ela manda água. Aí, aqui, (na vila) tem um moto que bombeia a 25 metros de altura”, comemora Francisco de Assis, vice-presidente da Associação Vila Produtiva Irapuá I.
O sistema contribuiu para que a conhecida imagem da dona de casa com a lata d’água na cabeça, da criancinha carregando água sumiu da região. “Até o jumento aposentaram”, brinca. Francisco faz questão de lembrar que não estão falando de futuro, mas de realidade, de presente. Para ele, o modelo de energia solar para o campo significa desenvolvimento.
"Riqueza, dinheiro no bolso. Se o campo tivesse desenvolvimento, as pessoas deixavam o sítio. A minha casa no sítio para ir morar na cidade? Quando? Nunca.”, desabafa Francisco.
Conscientes dos benefícios das placas solares, agricultores, agora, querem mais equipamentos. “Quanto mais sol, mais quente, mais gera energia”, destaca seu Miguel de Assis, líder comunitário e morador da Vila I.
A associação está a procura de ampliar o sistema, busca novos editais. “Algumas empresas lançam, algumas Ongs lançam. Estamos procurando os parceiros para tentar ampliar e a comunidade já demonstrou interesse em financiar. E o meio ambiente também agradece porque é uma fonte de energia limpa. O sol tá aqui, para gente, e temos que aproveitar da melhor forma possível", comemora.
Água salgada
Na Vila Irapuá I, 33 famílias são beneficiadas pelo sistema. São, no total, 120 pessoas. Uma delas é Cícera Miguel. Segundo ela, está gastando, em média, R$ 50 para levar água para as torneiras das casas. “Se não tivesse essas placas, a gente estava gastando muito mais. Porque o custo de energia seria maior. Aí, ia aumentar”, afirma.
Mas, apesar do alívio no bolso, era espera mais. É que a água que é trazida do poço ainda é um pouco salgada e Cícera e os vizinhos querem um sistema de dessalinização. Para isso, precisam ampliar o número de placas fotovoltaicas. Com mais geração de energia, também seria possível puxar água, menos salgada, do açude mais próximo para as torneiras.
Para beber é péssima, mas não tem outra”, lamenta.
O açude mais próximo, na barragem de Boa vista, fica a 4 km da Vila Produtiva. Em 2017, ele estava totalmente seco. À época, eram quase sete anos de seca. Todos esperavam as águas da Transposição do Rio São Francisco, que chegaria pelos canais do Eixo Norte. A água do Velho Chico só chegou em 2021 e, agora, os moradores da Vila sonham com placas solares puxando água do Rio, sendo tratada e distribuída para a população.
A produção de energia solar
A produção de energia solar é feita por dois modelos: o centralizado e de energia distribuída. No primeiro modelo, a geração é a das grandes usinas. As empresas investem milhões, bilhões em placas e a energia vai para o Sistema Nacional e volta para o consumidor por meio das concessionárias distribuidoras, mas sem benefício direto ao consumidor.
O modelo distribuído, os consumidores são os produtores da energia. As placas são instaladas nos telhados das casas, prédios ou terrenos. A energia produzida é lançada no sistema da concessionária e o consumidor recebe créditos referentes ao que gerou e diminui o valor da conta. “A energia produzida fica na própria região onde está sendo produzida. Ou seja, dentro da área de concessão (da distribuidora)”, explicou o engenheiro eletricista Eduardo Braz.
No Brasil, mais de 2 milhões de casas, estabelecimentos comerciais e indústrias recebem a energia gerada em 1,6 mil mini ou microusinas de energia solar. Na Paraíba são 37 mil beneficiados. A energia vem de quase 21 mil pequenas usinas. Elas estão em 219 municípios do estado. Os dados são da Aneel, referente à primeira quinzena de janeiro.
O sistema distribuído é a aposta do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido da Paraíba porque beneficia diretamente o consumidor e evita muitos impactos ambientais.
“A gente entende que a energia é bem da vida. Não é uma mercadoria. E se faz necessário que esse bem da vida esteja próximo da população. Esteja próximo ao seu usuário, de forma participativa, democrática e economicamente mais barata”, destaca César Nóbrega presidente do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido.
Mais qualidade em Malta
No assentamento Padre Acácio, na zona rural de Malta, a 340 km de João Pessoa, o potencial das cisternas foi somado ao das placas solares. Os reservatórios continuam guardando água para beber. O sol gera energia que puxa água de um poço que é consumida de maneira geral. A soma dessas forças gerou um cenário de mais qualidade de vida.
Marcelo Gualberto, agente de saúde, acompanhou a mudança de porta em porta. A energia solar, segundo ele, ainda não abastece as casas, mas já geram economia no consumi da água. Ele acredita que, futuramente, será possível usar a energia do sol para todos os ambientes da comunidade.
“Na luta, vamos conseguir para abastecer as casas e melhorar mais ainda. Esse é o caminho. Inclusive apoiando outras comunidades que estão precisando também”, prevê.
As placas ficam em um lugar de destaque da comunidade e não deixam ninguém esquecer do novo tipo de aliança que o sertanejo tem estabelecido com a luz do sol.
“A gente já sabia que era bom, mas não sabíamos que era tão satisfatório para o bolso da gente”. – Então foi uma surpresa? “Grande, grande, mesmo”, comemora a dona de casa Giliane Garcia.
“O sol que castigava a gente na roça, hoje, ele tá trazendo benefício via as placas solares”, registra emocionado Francisco de Assis, da Vila Irapuá, em São José de Piranhas.
Financiamento bancário
Na Paraíba, um dos bancos públicos que financiam projetos é o Banco do Nordeste. Ao Conversa Política, o superintendente do BNB na Paraíba, João Nilton Castro Martins, afirmou que, desde que passou a operar em 2016 para financiar sistemas de micro e minigeração distribuída de energia através de fontes renováveis, a adesão de empresas de todos os portes tem sido uma crescente em toda a área de atuação do Banco do Nordeste.
Segundo ele, o FNE SOL é a primeira linha de financiamento do BNB criada com essa finalidade e que também passou a operar para as residências particulares.
"Para se ter uma ideia, apenas em 2023 estão previstos R$ 186 milhões para financiamentos de projetos residenciais, o que representa um crescimento de 28% em relação ao orçado para 2022. A Paraíba reservou R$ 12 milhões para projetos nessa modalidade. Para empresas no geral, do pequeno projeto ao sistema de grande porte, financiamos R$ 650 milhões com os agentes produtivos, somente em 2022”, detalhou.
Segunda reportagem
Na segunda reportagem, a gente mostra como as placas solares tem fortalecido pequenas agroindústrias, no Sertão da Paraíba.