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CULTURA

Acordes do manguebit

Celebrando 20 anos do lançamento do seu álbum de estreia, Munfo Livre S/A sobe ao palco do Festival Rec Beat neste domingo (2).

Publicado em 01/03/2014 às 6:00 | Atualizado em 07/07/2023 às 12:39

No mesmo dia que Samba Esquema Noise chegava às lojas, era lançado, em todo o mundo, Bedtime Stories, da cantora Madonna. Um esquema global foi montado pela multinacional para que o disco da popstar brilhasse nas capas de caderno de cultura de todo o planeta naquele dia. Mas, surpresa geral, era o novato Mundo Livre S/A quem estampava a primeira página do Ilustrada, no jornal Folha de São Paulo de 25 de outubro de 1994, com direito a crítica que prenunciava: “Geração 90 já tem seu grande disco; Samba Noise”.

Essa história dá a dimensão da importância do álbum de estreia do Mundo Livre S/A, um disco que celebra 20 anos em 2014 e que começa a ser comemorado neste Carnaval, em Recife, quando Fred Zero - quatro e seus companheiros de banda - que não são mais os mesmos que gravaram o disco - sobem ao palco do festival Rec Beat (no Centro de Recife), amanhã, por volta da meia-noite, para refazer todo o repertório de 13 faixas do álbum, na íntegra.

“Mas não na ordem que elas aparecem no CD”, ressalta o próprio Zeroquatro, por telefone. “A gente alterou um pouco a ordem, porque no show a linguagem é outra. ‘Manguebeat’ (que abre o CD) foi mais para o meio do repertório, porque agora ela tem uma outra função, na segunda fase do show”, explica o vocalista, fazendo segredo sobre a ordem das demais faixas do disco.

Os arranjos também são diferentes, diz ele. Super elaborado no famoso estúdio Be Bop, em São Paulo, pelos produtores Carlos Eduardo Miranda e Chales Gavin (que ainda estava nos Titãs), Zeroquatro diz que se sentiu frustrado por não conseguir reproduzir na época, no palco, a riqueza de texturas do disco.

“Hoje a gente pode usar sampler”, afirma o pernambucano. “Na turnê de lançamento (do disco) a gente não tinha condições de usar nem a metade do que usou no estúdio. A gente usou muitos metais, muitos filtros eletrônicos, muitos samplers... depois isso trouxe um certo trauma pra gente, afinal a gente tinha um disco premiadíssimo que não podia mostrar ao vivo”.

O nível de sofisticação era tamanho que nesses primeiros shows eles deixavam de tocar algumas músicas do CD por pura limitação técnica. É o caso de ‘Sob o calçamento’, que foi gravada quando praticamente a banda inteira (com exceção do vocalista) já havia voltado para Recife e o orçamento de R$ 40 mil já havia triplicado.

“Mostrei um rascunho de ‘Sob o calçamento’ e Miranda e Gavin disseram que a gente tinha que gravar. Mas todo mundo já tinha voltado para Recife, então eles chamaram Nando Reis, que gravou o baixo, 15 percussionistas para fazer uma roda de batuque, (o produtor) Apollo e uma porrada de gente. Então ficou impossível fazer aquilo ao vivo”, comenta o pernambucano.

BANGUELA

A jornada de Samba Esquema Noise começou no festival Abril Pro Rock de 1993. Foi lá que Miranda conheceu a banda. Dali a alguns meses, o jornalista e futuro produtor musical se associaria aos músicos dos Titãs para criar o selo Banguela que, atrelado a Warner Music, lançaria o disco de estreia do Mundo Livre S/A, assim como os CDs dos Raimundos e do Graforréia Xilarmônica, entre outros.

Mas quase que o Banguela perdia o Mundo Livre para a Sony Music.

“A Sony mandou umas passagens para eu e Chico (Science) participarmos de uma reunião, no Rio. Ofereceram a Chico um contrato para gravar um disco pelo selo Chaos! (distribuído pela multinacional) e, para o Mundo Livre, uma coletânea com bandas de Recife. Daí como o Miranda havia possibilidade com o Banguela, então eu não assinei com a Sony”, lembra o vocalista.

Chico Science, por sua vez, assinou com a Sony e, junto com a Nação Zumbi, lançou Da Lama ao Caos, que chegaria às lojas poucos meses antes de Samba Esquema Noise.

DISCO DE ROCK COM SAMBA

A Mundo Livre já tinha 10 anos de estrada - ou melhor, de “garagem”, como frisa Zeroquatro - quando entrou no estúdio com Miranda e Gavin para produzir o disco.

Os integrantes vinham de bandas punk e o vocalista, que era programador em uma rádio local, gostava do samba de Jorge Ben Jor (de onde tirou o título do álbum, inspirado em Samba Esquema Novo) tanto quanto da pluralidade estética do The Clash. Mas como Fred reconhece, a banda ainda era muito amadora naquela época.

“Apesar de a gente ter dez anos de garagem, a gente era uma bagunça! Os arranjos não tinham nenhum sentido de objetividade”, admite Fred, comentando que o repertório do disco saiu desses dez anos. “A gente chegou no estúdio com os rascunhos dessas músicas. Numas, faltava um pedaço dos arranjos, noutras, os metais. A gente teve que fazer isso no estúdio”.

Foram necessárias pouco mais de 660 horas de estúdio para afinar os arranjos e do disco que deu ao mundo pérolas como 'Livre iniciativa', 'Musa da Ilha Grande' e 'Rios (Smart drugs), Pontes & Overdrives' em um grande caldeirão sonoro, que partia do samba para visitar o funk, psicodelia, reggae e rock.

Boa parte desse tempo foi gasto com a pré-produção do álbum, que acabou contando com uma tonelada de participações especiais. De Malu Mader (atriz casada com Tony Belloto), a Naná Vasconcelos, passando por Nasi (do Ira!), pelos conterrâneos da Nação Zumbi e pela guitarrista Syoung (da banda P.U.S.), além de quase todos os outros Titãs, todo o mundo e mais alguns tocaram em Samba Esquema Noise.

“A primeira dificuldade era que eu tinha uma extensão vocal muito curta. E eu nunca tinha me ouvido descentemente. Então eu tive que aprender a maneira certa de empostar a voz.”, narra Fred Zeroquatro. “Segundo, a gente pegou instrumentos que eu nunca tinha tocado. A gente teve que tocar com modelos de guitarras, tipos de braços que nunca tinha usado. A gente usou um monte de guitarra emprestada de Marcelo Frommer, Tony Belotto (ambos dos Titãs) do tipo que nunca tínhamos usado”.

Mas o esforço valeu a pena. Junto com Da Lama ao Caos de Chico Science & Nação Zumbi, Samba Esquema Noise ajudou a conceituar o manguebit, o efervescente movimento cultural que despontou em Recife a partir desses dois discos, ambos lançados em 1994.

Vinte anos depois, Fred reflete sobre a importância do disco de sua banda: “O Da Lama ao Caos trazia uma coisa surpreendente da região, que vinha de uma urbanidade muito forte, mas era uma sonoridade muito padrão, enquanto o Samba Esquema Noise trazia uma amplitude muito maior", compara, para arrematar: "Eu acho que essa cena de Recife acabou sendo emblemática de uma tendência que foi se consolidando posteriormente, em termos de se procurar um pop com sotaque brasileiro”.

CELEBRANDO 20 ANOS

O show que o Mundo Livre s/a fará amanhã, no Rec Beat, se seguirá a uma turnê comemorativa. Zeroquatro informa que já tem uma série de 10 a 12 shows agendados pelo Sesc-SP e ainda datas em Goiania e Brasília e espera rodar com o show pelo resto do país.

Em paralelo, Samba Esquema Noise, relançado em CD em 2001 e na caixa Bit, em 2004, vai ganhar uma nova edição em vinil, que sairá por um selo pernambucano mesmo, o Assustado Discos.

Quando lançado originalmente em 1994, Samba Esquema Noise saiu em CD e teve uma pequena tiragem em vinil (algo em torno de 400 LPs). “Até hoje, sobretudo quando vou a São Paulo, aparece alguém com o vinil na mão. Virou uma raridade esse LP”, conclui o vocalista.

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Jornal da Paraíba

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