Ilusões mambembes

Foi em uma viagem à Espanha, diante da obra A Família dos Saltimbancos (1905), de Pablo Picasso, que o dramaturgo Alcione Araújo (morto em novembro do ano passado) teve o insight de escrever A Caravana das Ilusões, espetáculo que o grupo Povo de Rua apresenta neste fim de semana em João Pessoa.

Inspirado na obra que marca a fase rosa do artista espanhol, em músicas do cancioneiro popular e em elementos da commedia dell'arte, o cortejo que já passou pelas ruas e ladeiras de Recife e Olinda, em Pernambuco, percorre hoje a Praça do Coqueiral, no bairro de Mangabeira, e amanhã a Praça da Paz, nos Bancários. As apresentações são gratuitas e sempre às 17h.

Segundo a atriz Alessandra Carvalho, A Caravana das Ilusões é o primeiro dos cinco espetáculos de repertório do Povo da Rua cuja dramaturgia surgiu de fora do grupo que estreou nas calçadas gaúchas em 1999, com Os 7 Pecados do Capital.

O texto de Alcione Araújo, porém, conseguiu captar uma atmosfera bem íntima ao grupo que, em 2009, comemorou 20 anos de estrada: a crise artística que assola a arte contemporânea.

"O texto coincidiu com uma crise interna do grupo e nos instigou a montar justamente porque faz uma analogia entre esta companhia mambembe, que está em uma encruzilhada, e o artista contemporâneo, que não sabe para onde ir e que caminho seguir para se estabelecer e solidificar a sua carreira artística", diz Alessandra Carvalho, que é produtora e idealizadora do projeto de circulação aprovado pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), do Ministério da Cultura (MinC).

A atriz interpreta Bela, personagem que agrega um valor simbólico à história que se passa durante a guerra civil espanhola (1936-1939): ao engravidar de um dos membros da trupe, ela personifica a continuidade da arte mambembe.

"A guerra também é uma analogia ao contexto de violência, ganância e morte que vivemos em nosso cotidiano", explica Alessandra, que de João Pessoa viaja para Natal (RN), onde o Povo da Rua encerra uma turnê que, em suas palavras, teve como diferencial a "energia" do público nordestino em espetáculos ao ar livre.