Por que ‘samba do crioulo doido’ é um termo racista

Uso do termo “samba do crioulo doido” gerou debate sobre racismo.

Bárbara e Douglas, samba do crioulo doido

Após uma dinâmica do Jogo da Discórdia no Big Brother Brasil 22, a participante Bárbara quase usou o termo “samba do crioulo doido” para se referir a um comportamento do ator Douglas Silva. 

Durante uma conversa com a colega de reality Laís e a digital influencer Jade Picon, a modelo gaúcha disse a seguinte frase: “Ele fez o samba do crioulo [doido]”. Percebendo o que tinha dito, ela interrompeu sua fala rapidamente. Em seguida, ela se corrige e diz “Ai, que feio, eu ia falar uma expressão muito velha, horrorosa. Meu Deus, eu quase falei uma expressão muito racista, você viu o que eu ia falar?”, perguntou a gaúcha para Laís.

“Eu vi o que você ia falar”, respondeu a médica, rindo. “Deus me perdoe”, continuou Bárbara. “Ia ser péssimo”, disse Jade. “Mas eu quase falei, mas foi por força do hábito”, justificou a modelo. 

O caso chamou atenção nas redes sociais. Os internautas alertaram que, independentemente de sobre quem o termo “samba do crioulo doido” se referisse, ele seria racista. Mas o fato de ter sido direcionado a um homem negro, como o ator Douglas Silva, é um agravante. 

Música é origem do termo ‘samba do crioulo doido’

Samba do crioulo doido é o nome de uma música do compositor Silvio Porto, que satirizava o fato das escolas de samba terem que agregar o ensino de História do Brasil durante o período da ditadura militar. Na canção, o ‘crioulo’ ficaria confuso ao ter que explicar os diferentes momentos históricos em samba. 

“Este é o samba do crioulo doido.

A história de um compositor que durante muitos anos obedeceu o regulamento,

E só fez samba sobre a história do brasil.

E tome de inconfidência, abolição, proclamação, chica da silva, e o coitado

Do crioulo tendo que aprender tudo isso para o enredo da escola.”

Significado da expressão

A expressão “samba do crioulo doido” seguiu sendo usada para se referir a situações confusas e bagunçadas, mas carrega um forte marcador racista, reafirmando preconceitos sobre as pessoas de cor no Brasil.

Acreditar que homens negros estão associados à indisciplina reafirma uma das muitas ferramentas utilizadas para manter o racismo estrutural e institucional, como explica a historiadora Celda Rejane:

“A expressão ‘samba do crioulo doido’, utilizada para pressupor desordem, bagunça, confusão, uma vez popularizada e incorporada ao vocabulário popular torna-se racista por reforçar a ideia que negros seriam desordeiros, bagunceiros e promotores de confusão. A expressão nos minimiza, reproduzindo mais um estereótipo negativo ao qual estamos constantemente vinculados”, afirma. 

O que há de errado no “samba do crioulo doido”?

Para além do termo trazido à tona pela música composta no período do regime militar, se referir às pessoas negras como ‘crioulos e crioulas’ é, por si só, racista. A expressão, bem como a palavra mulata, é uma forma desrespeitosa de se referir a comunidade negra, através de um processo de inferiorização do grupo. Pessoas negras frutos de uma relação interracial, isto é, de uma pessoa negra com uma pessoa branca, eram chamadas de ‘crioulas’ para que fossem identificadas como inferior às brancas. 

“Tem a ver com a ideologia de branqueamento, que foi uma política de estado aqui no Brasil do período escravocrata até meados da década de 1940. Palavras como ‘mulato’ e ‘crioulo’ foram utilizadas como forma de hierarquizar os descendentes de africanos”, explicou a historiadora Celda Rejane.

A especialista explica que o termo ‘crioulo’ coloca o negro numa espécie de “limbo” racial. “Uma tentativa de afirmar que não somos negros, mas também estamos longe de ser brancos. Era uma forma de separação. Na época crioulo era tido como um escravizado com uma péssima índole (desordeira). Por trás do termo há toda uma construção do racismo estrutural”, diz a pesquisadora. 

A expressão carrega, ainda, diferentes conotações a depender dos países das américas. O contexto aqui explicado cabe na realidade brasileira, que foi forjada pelos quase quatro séculos de período escravocrata. A historiadora Celda conta que, no início, ‘crioulo’ era o negro nascido no Brasil, em contraposição ao originário de países africanos. 

Nos Estados Unidos, a tradução da expressão é extremamente ofensiva, sendo considerado um termo inominável, sendo o racismo contido nele considerado inquestionável no país.