VIDA URBANA
Profissionais de saúde da PB relatam o dia a dia com os filhos na pandemia
Combate à Covid-19 impede que mães vejam filhos e impõe sacrifícios para que elas consigam salvar outras vidas.
Publicado em 10/05/2020 às 17:00 | Atualizado em 11/05/2020 às 7:57
A luta contra a Covid-19 é necessária, e deve passar por todos os setores da sociedade, como a segurança, que evita aglomerações de pessoas e possíveis contágios, e os meios de comunicação, que informam sobre os rumos que a pandemia tem tomado. No entanto, é impossível negar que essa luta pertence ainda mais aos profissionais de saúde, que têm arriscado a vida para garantir a continuidade das vidas de outras pessoas.
Todos esses profissionais possuem vidas, famílias e outras obrigações foram dos hospitais, mas ainda assim preferem dar lugar ao que manda o ofício, e encarar com responsabilidade as obrigações da medicina em um cenário de emergência em saúde. Se pensarmos nas mães que integram o setor da saúde, o reconhecimento fica ainda mais válido, principalmente, neste domingo (10), quando milhares delas abriram mão de comemorar o Dia das Mães com seus filhos, em prol do enfrentamento à pandemia.
Essas mulheres têm várias faces, histórias e ocupam diferentes funções, que em conjunto formam o que há de mais precioso atualmente: a rede de saúde. Cada uma delas deixa medos, anseios e preocupações do lado de fora dos hospitais, e se mostram decisivas quando o assunto é salvar vidas, mesmo que estejam longe fisicamente do que representa vida para elas: os filhos.
Em Campina Grande, na Paraíba, os mais de 80casos confirmados de Covid-19 dividem a população entre o medo e a esperança em dias melhores, e para Jéssica, que é mãe solo de um menino de oito anos de idade, e atua - literalmente - na porta de entrada para atendimento de pacientes com a doença, a luta ganha ainda mais significado quando o legado que está sendo deixado para o filho vem à mente.
A jovem de 28 anos trabalha como recepcionista na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro do Alto Branco, que é referência para encaminhamento de pacientes com sintomas de Covid-19. Desde o início da pandemia ela toma cuidados de higiene, e já consegue perceber que o filho sente o impacto da pandemia, e questiona a mãe sobre o porquê da distância que ela insiste em manter.
“Mesmo tendo pouca idade, ele sente uma certa mudança de algo. Eu acho de extrema importância passar para ele a questão da empatia, de valorizar as coisas simples e se importar com a dor do outro. Eu já tentava passar isso para ele, e agora tento mais ainda”, comentou.
Para Jéssica, apesar da angústia intrínseca ao momento, o Dia das Mães vai ser um dia para refletir muito sobre nosso dia a dia, e sobre o que realmente importa.
“Mantenho todo o cuidado de mãe, e acho que esse momento é o momento de refletir sobre o que estamos passando, sobre as pessoas mais importantes na nossa vida. Minha preocupação é grande, mas não pensei em desistir”, explica.
Entre a recepção e os cuidados técnicos, as profissionais da enfermaria continuam cuidando dos pacientes com um amor maternal, ainda que sem poder demonstrar afeto físico. A enfermeira Sedna Asmir Santos, de 38 anos, que atua no Hospital da Criança e do Adolescente, referência no tratamento de crianças com Covid-19 em Campina Grande, tem vivido isso na prática.
Mãe de um adolescente de 14 anos de idade, a enfermeira conta que aos 25 anos, quando seu filho nasceu, ela soube que a vida havia ganhado um novo sentido. Apesar da correria do dia a dia de uma profissional de saúde e dos momentos difíceis, a convivência com o filho sempre foi de muito amor, e isso sempre deu forças para ela continuar.
“Meu filho desde pequeno sempre teve entendimento que minha missão de vida também era cuidar da saúde das pessoas e que muitas vezes teria que deixá-lo para cuidar de outras crianças”, explicou.
Apesar de todos os percalços da profissão, Sedna reconhece que nunca enfrentou uma realidade tão difícil como a da pandemia do novo coronavírus. Para ela, lidar com a fadiga, o medo e a insegurança faz parte do ofício, mas não faz com que a luta para salvar vidas fique de lado.
“Mesmo diante de um dia a dia bem corrido dentro da minha profissão onde lidamos com vários sentimentos como: cansaço, agilidade, fadiga, amor, tristeza, morte, perdas, felicidade, reconhecimento... Mas ao mesmo tempo o sangue que corre nas veias revelam o desejo de lutar e de ajudar a combater aquilo que conhecemos apenas pelo que vimos e estudamos, mas não sabemos como é e nem de onde vem.”, disse.
Com o avanço da pandemia, a primeira atitude a ser tomada foi o isolamento social, e consequentemente, o afastamento da família. Mas, o pedido do filho para que estivesse junto da mãe neste momento falou mais alto, e fez com que ela decidisse permanecer junto a ele, tomando todos os cuidados de higiene, e sendo acalentada ao oferecer o colo de mãe.
Este Dia das Mães, para Sedna, reflete o desejo de ter um relacionamento ainda melhor entre mãe e filho, e quando a pandemia passar, ela espera que o sentimento maternal esteja ainda mais forte.
“Estar perto do meu filho e poder olhar para ele e saber que estamos juntos, não existe presente maior. Acredito que são nestes momentos que aprendemos os verdadeiros valores que a vida, as pessoas e os sentimentos têm”, conclui.
Longe do filho e mãe da própria mãe
Ao chegar na ala médica, os pacientes se deparam novamente com rostos cobertos por máscaras. A médica pediatra Lúcia Cassio Donato, que atua no Hospital de Emergência e Trauma e em uma UPA de Campina Grande, e é mãe de um garoto de 9 anos de idade, tem deixado a própria aflição de lado para cuidar de muitas pessoas.
No início da pandemia, a pediatra foi tomada pelo desespero e pensou em não atuar no enfrentamento à doença, mas a força veio de sua mãe, que a lembrou do dom genuíno da medicina, e orientou a filha a seguir com fé, tomando os cuidados pessoais e salvando vidas. Um dos primeiros cuidados foi se isolar do filho.
“Minha vida mudou radicalmente. Eu tinha menos tempo, mas tinha mais tempo que do que agora. Não posso acompanhar meu filho nas atividades dele, não posso beijá-lo ou abraçá-lo, mas esses também são gestos de amor”, comentou.
A médica conta que apesar de estar longe, mantém o contato com o filho através das redes sociais, e passou a assumir um papel diferente, se tornou mais mãe da própria mãe, que é idosa e está no grupo de risco para Covid-19.
“Faço a feira dela, compro os medicamentos, se precisar sacar algum dinheiro, eu vou. Não tenho contato físico, eles ficam longe, deixo tudo no terraço e vou embora com o coração muito pequeno, morrendo de saudade, mas fazendo tudo por amor. Então além da vida de médica, assumi um novo papel.”, disse.
Para encerrar, a médica conclui falando sobre a ressignificação que este Dia das Mães está ganhando, onde o oposto do cuidado físico é o ideal para a saúde dos filhos, principalmente os que têm mães lutando diretamente contra o novo coronavírus. O que eles estão sentindo, ainda mais, é orgulho. E para ela, esse é o melhor presente.
“Vamos refletir sobre o que uma mãe é capaz de fazer pelo filho. Estar afastada dele, por amor, me faz pensar ainda mais sobre como ele é a razão da minha vida. Quando essa pandemia passar tudo vai dar certo, vou poder abraçá-lo e fazer o que sinto falta. Quero que ele aprenda a valorizar o que as pessoas têm de melhor dentro do interior”, concluiu.
Sob supervisão de Jhonathan Oliveira*
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