Síndico setentão da MPB

Tim Maia faz setenta anos e gravadora Luaka Bop, lança coletânea ‘The Existencial Soul Of Tim Maia – Nobody Can Live Forever’.

Imaginar alguém como Tim Maia vivo é sempre irresistível: supomos que, depois de abandonar o palco arfando, sem conseguir entoar a abertura de ‘Não quero dinheiro’ naquela fatídica noite no Teatro Municipal de Niterói (RJ), no dia 8 de março de 1998, o velho síndico retornasse ao microfone fazendo piada com a plateia antes de seguir com a apresentação.
Seria uma performance inesquecível, um aguardado e merecido sucesso. O show renderia um álbum acústico que hoje, no aniversário de 70 anos de Tim, estaria nas lojas, relançado em um box luxuoso junto com toda sua discografia.

Uma turnê comemorativa seria marcada com passagem por várias capitais brasileiras, a começar pelo Rio, um show na Conde do Bonfim, na Tijuca de sua juventude. Participariam amigos da época, como Erasmo e Jorge Ben Jor. Quem sabe até Roberto apareceria. Na hora ‘h’. estariam todos lá: menos o próprio homenageado.

"Depois de me tornar avô, fiquei mais responsável; agora chego aos shows só com três horas de atraso", diria ele, sempre bem-humorado, ao chegar no camarim quando ninguém mais o esperava.

É só uma suposição, infelizmente. Viva, para todos os efeitos, sua obra continua um caso à parte na música popular brasileira: a verdadeira alma do soul nacional, Tim Maia marcou gerações pela autenticidade do seu caráter e do seu talento.

Turrão, foi um dos primeiros artistas brasileiros a comprar briga com as grandes gravadoras, aventurando-se com um selo independente na década de 1970. Com a Seroma (acrônimo de sua identidade, onde consta Sebastião Rodrigues Maia) gravou os dois volumes do aclamado Tim Maia Racional (1975/1976), indiscutivelmente um dos discos mais importantes da MPB.

Pagou seu preço: sua biografia é repleta de momentos em que tinha que se equilibrar na corda bamba, entre perrengues financeiros e problemas com as drogas. "Eu não fumo, não bebo e não cheiro. Meu único defeito é que eu minto um pouquinho", falaria advogando em causa própria.

A saúde precária e os efeitos da obesidade eram notáveis em sua voz, que passou por mudanças significativas no decorrer de sua carreira, a ponto de ser difícil reconhecer aquele Tim Maia de timbre rouco e rascante em registros do início de carreira como ‘Primavera (vai chuva)’, um dos primeiros êxitos de uma parceria consistente que conduziu com o paraibano Genival Cassiano.

Os inumeráveis hits ecoam em uma fase próspera na primeira década de sua trajetória (sobretudo nos quatro que inauguram a ‘fase dos homônimos’), são pontuais nos irregulares anos 1980 e explodem na apoteose que foi a década seguinte, coroado com dos álbuns ao vivo em que o Tim Maia que a geração 2000 conheceu em ‘best ofs’ revela-se genial e inteiro.

Novos fãs estarão por vir: o ‘boom’ Tim Maia só começa nos EUA, para onde o então adolescente convergia depois da morte do pai, em 1959, e onde se viu preso e deportado por roubo e posse de drogas.

The Existencial Soul Of Tim Maia – Nobody Can Live Forever, coletânea lançada pela gravadora Luaka Bop, do cantor David Byrne (Talking Heads), chega às lojas americanas na próxima terça-feira com edição em CD e tiragem limitada em vinil duplo.

Por aqui, ainda neste segundo semestre estreia Tim Maia, longa-metragem de Mauro Lima (Meu Nome Não É Johnny) baseado no livro Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia (2007), de Nelson Motta.