Monstros sem um passaporte

Em ‘Sete Monstros Brasileiros’, Braulio Tavares mostra que o folclore nacional também pode meter medo nos leitores.

No Facebook, o anúncio do livro Sete Monstros Brasileiros (Casa da Palavra, 104 páginas, R$ 34,90), compartilhado por um amigo do autor, vem precedido por uma interessante provocação. "Braulio Tavares, um escritor que tem um grande defeito (ao menos literário): publica pouco."

"Várias pessoas dizem que eu perco meu tempo com coletâneas de ensaios e antologias enquanto deveria estar publicando contos e romances", justifica Braulio, também um profuso tradutor, poeta e compositor, que mantém uma coluna diária no JORNAL DA PARAÍBA. "Se for contar os folhetos e antologias de cordel que eu já publiquei, certamente já passo dos 20 livros."

As narrativas breves de Sete Monstros Brasileiros quebram o esporádico jejum na ficção de um contista que se move como ninguém pelo universo da fantasia. Um gênero crescente como filão no Brasil, depois do boom editorial de obras como O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien (1892-1973).

"Talvez ainda exista no leitor mais jovem uma fascinação pelos monstros estrangeiros, pela força com que eles entram no mercado da gente", reflete, remetendo-se aos orcs transpostos para as telas do cinema pela mente pirotécnica do diretor Peter Jackson.

Na contramão de Hollywood, Braulio Tavares seguiu o exemplo de colegas como Felipe Castilho (Prata, Terra & Lua Cheia) e Simone Saueressig (A Noite da Grande Magia Branca) e recorreu ao folclore nacional para mostrar que é possível escrever fantasia no Brasil sem estar necessariamente preso à tradição estrangeira.

"Eu estava há algum tempo querendo fazer um livro assim, fininho, que fosse ligado à ‘realidade’ brasileira", diz ele. "Tenho vários amigos que têm explorado esse filão de histórias de terror baseadas no folclore e cada um faz a sua releitura do Saci, do Lobisomem, da Iara…"

‘GEOGRAFIA DOS MITOS’
Para a composição das sete criaturas que dão mote às histórias, Braulio inspirou-se em obras como Geografia dos Mitos Brasileiros (1947), de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). No estudo, o antropólogo potiguar enumera mitos de origem indígena como o Curupira e o Boitatá, e europeus com variantes tupiniquins, como o Lobisomem, a Mula-Sem-Cabeça e a Mãe-D’Água.

"É um livro fundamental, que eu leio há muitos anos", conta o autor, que também consultou como bibliografia outros clássicos de sua biblioteca: Incrível! Fantástico! Extraordinário!, série compilatória dos relatos que iam ao ar no programa homônimo do radialista Almirante (1908-1980).

"O Senhor dos Anéis tem, para a geração de hoje, o mesmo peso que o programa do Almirante tinha para a minha geração", brinca o antigo ouvinte da Rádio Nacional. "O programa começou nos anos 1940 e os ouvintes mandavam cartas do Brasil inteiro com histórias de assombração que depois viraram livro", explica.

Apesar das obras de referência e das histórias ‘de botija’ que recorda da infância na companhia da irmã Clotilde Tavares ("Ela tem um livro inteiro dedicado a elas", revela), Braulio não se considera mais um grande fã do gênero de terror, como leitor: "Eu li muito na adolescência, mas atualmente eu prefiro mais a fantasia e a ficção científica. O terror foi se tornando muito mórbido e doentio, menos uma coisa de ameaça sobrenatural e mais de brutalidade física. Acho isso de mau gosto."

PRÓXIMOS PROJETOS
Já disponível para venda nas livrarias, Sete Monstros Brasileiros não terá lançamento em João Pessoa. "Salvo se a editora me obrigar", afirma Braulio Tavares, em tom meio irônico. "Noite de autógrafos é um saco. A gente se mobiliza e no final só aparecem dez ou doze gatos pingados".

Fiel ao compromisso de publicar pelo menos um livro por ano, o escritor diz que já está concentrado no próximo projeto. "Tenho essa preocupação de todo ano publicar alguma coisa", ressalta. "Desde que comecei, nunca fiquei um ano sem publicar nada, e se isso aconteceu recentemente foi por uma mudança de cronograma por parte da editora. O livro ficou pronto em um ano mas só foi lançado no ano seguinte. Resultado: passei 2009 batido."

Segundo Braulio, um dos projetos que estão na pauta é um compilado de seus artigos sobre criação literária, publicados no JORNAL DA PARAÍBA e reproduzidos em seu blog ‘Mundo Fantasmo’ (www.mundofantasmo.blogspot.com). "Lá no blog, percebo que esses artigos sobre criação e tradução estão sempre entre os mais acessados. Já recebi uma proposta dessa natureza de outra editora. Tenho mais de 3 mil artigos, então posso fazer diferentes tipos de seleção."

Pela Casa da Palavra, o autor prepara uma antologia batizada provisoriamente de Detetives do Sobrenatural, sobre investigadores policiais que solucionam casos auxiliados por habilidades paranormais.