Rimando Brasil com África, Emicida lança novo disco e se apresenta em JP

‘Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa’  é inspirado na música e cultura do continente; show em João Pessoa acontece dia 29.

Foi conversando com um grupo de senhoras idosas na cidade de Praia (Cabo Verde) que Emicida jogou fora tudo que sabia sobre a África. “Ali, eu percebi que as pessoas valiam mais do que tudo que eu tinha lido”, comenta o rapper paulista, que desembarca em João Pessoa no próximo dia 29. Foi numa imersão de 20 dias na música e na cultura africana que Emicida extraiu a essência de seu segundo disco, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (Laboratório Fantasma / Sony Music), que acaba de chegar às plataformas digitais (o CD está a caminho).

A paixão de Leandro Roque de Oliveira pela África vem da adolescência. Mas naquela época, de acordo com o MC que acaba de fazer 30 anos, a informação era muita escassa. “O hip-hop foi me conectando com o Brasil e o Brasil me conectando com a África”, afirma, por telefone.

Com patrocínio do Natura Musical, o rapper viajou a dois países de língua africana, Angola e Cabo Verde, na companhia produtor Xuxa Levy, o irmão e parceiro Evandro Fióti e o diretor Ênio César, que registrou a passagem da comitiva por Praia e Luanda (Angola) – o documentário está sendo negociado para ser exibido na TV.

Um curioso sobre a África, Emicida vem, há anos, pesquisando sobre o continente através de livros e filmes. Com essa bagagem e uns rascunhos de música nas mãos, ele embarcou em março disposto a encontrar material para seu novo disco.

"Minha cabeça mudou quando eu cheguei lá", pondera."Eu tinha uma visão sobre a África através do olhar de várias pessoas. Esse foi o momento em que eu pude observá-la em primeira pessoa, convivendo com as pessoas e vendo os africanos falarem da África. Isso, para mim, foi mágico, foi tão fascinante que eu joguei tudo que eu sabia sobre a África, fora".

Para Emicida, as pessoas com quem conviveu deram verdadeiras aulas. “Eles sentavam, começavam a contar um pouco de si, a falar sobre o instrumento que tocava, do lugar de onde veio e a gente se via muito dentro daquelas histórias”.

E qual foi a surpresa do rapper brasileiro ao encontrar as senhoras do Batucadeiras do Terrero dos Órgãos, de Cabo Verde, cantando ‘País do futebol’ (funk de MC Guime com participação de Emicida). “Eu fiquei maluco!”, exclama.

Emicida não conhecia o grupo, mas conhecia o ritmo, o ‘batuco’, através de vídeos do Youtube. “Sabia que queria achar alguém que tocasse aquilo e conheci as senhoras do Batucadeiras. Entrei pela madrugada bebendo com elas e saí cantando todas as músicas de Cabo Verde”, recorda, aos risos. Elas acabaram gravando ‘Chapa’, uma das 14 faixas do novo álbum.

“Trabalhar com os músicos da África foi uma delícia. Os caras é igual a brasileiro, tudo irmão! No final das contas, era uma negrada fazendo um som. Música e preto é que nem bluetooth, né mano: os caras chegam e já se conectam”. 

‘FORÇA’ É O TEMA DO ÁLBUM
Para Emicida, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa é o caminho que ele encontrou para fazer a conexão com o Brasil ancestral. “No final das contas, não é um disco estereotipado, não é um disco clichê. É um disco de estrada”, garante. O repertório começa em casa, com a família, e decola para os braços da mãe-África. ‘Mãe’, faixa que narra o nascimento de Leandro, é a declaração de amor à dona Jacira, que retribui o carinho do filho declamando um texto escrito de próprio punho.

Para Emicida, ‘Mãe’ abre o repertório para que o ouvinte “mergulhe no disco de alma limpa” e com a “guarda baixa, para se conectar com a história do disco”. “Começa partindo de casa, mostrando a visão de alguém que acabou de nascer, porque a primeira faixa é um nascimento”, explica. “Isso contribui para a gente falar do tema central do disco, que é força!”

Sobre Crianças… segue a pista dos álbuns anteriores. Como a faixa de abertura, as demais contem boas doses de tintas autobiográficas, aqui e ali mescladas com referências a cultura pop, como filmes, música e quadrinhos. O mergulho nas águas africanas, no entanto, ampliou a sonoridade das rimas.
Em ‘Passarinho’, por exemplo, Emicida conta com Vanessa da Mata para trocar as rimas duras e afiadas por la-ia-ias em uma canção bem ensolarada, mas que não deixa a força do discurso enfraquecer.

Transbordando percussão, ele celebra a Bahia com um baiano ilustre nos vocais: Caetano Veloso. “O Seu Wilson das Neves (sambista carioca) costuma de dizer que não é um cantor, é um contador de histórias. Eu sou a mesma coisa: quando eu acabo de escrever uma historia, eu fico pensando em quem poderia me ajudar a contá-la para o mundo”, responde, sobre a escolha dos convidados.
Manos menos conhecidos completam o time de convidados, como J. Ghetto, dono do vocal grave de ‘Boa Esperança’. “Como eu tenho essa possibilidade de ser um artista livre, eu posso sugerir que as pessoas ouçam pessoas novas”, diz. “São oportunidades que eu não tive e sei que se eu tivesse tido, eu poderia ter começado antes a realizar meu sonho, que era a vida de músico”.

Depois da África (Emicida foi ao continente pela primeira vez no ano passado, à passeio, e quer voltar lá este ano), o rapper quer se voltar ao Brasil dos índios. “Tenho uma pegada de ouvir música indígena agora”, revela. “A questão indigena me encanta muito. Talvez esse seja o ponto para aonde eu vá agora”.