OPINIÃO: ‘Um filme de ficção sobre Bolsonaro?!?! Corta…!’

Jamarrí Nogueira lembra que ‘o cinema brasileiro não costuma evidenciar seus presidentes em produções ficcionais’.

O cinema brasileiro não costuma evidenciar seus presidentes em produções ficcionais (como é comum no cinema americano). É raro, muito raro, que um diretor se debruce sobre vida e trajetória de nossas autoridades presidenciais. Natural. Afinal, vivenciamos um outro contexto político, com uma democracia pouco madura e um passado ditatorial ainda muito recente… Aos políticos, de maneira geral, associa-se o papel da vilania…

Dois exemplos de presidentes da República como protagonistas de filmes brasileiros são ‘Bela noite para voar’ e ‘Lula, o filho do Brasil’, ambos produzidos em 2009. O primeiro teve direção de Zelito Viana, baseado no livro de Pedro Rogério Moreira sobre o presidente Juscelino Kubitschek. O segundo, dirigido por Fábio Barreto e Marcelo Santiago, é – claro! – sobre Luiz Inácio Lula da Silva.

Interessante o fato de que o ator que interpreta Juscelino Kubitschek em ‘Bela noite para voar’ – José de Abreu – tenha, na vida real, se autoproclamado presidente da República (em protesto contra a posse do atual presidente Jair Messias Bolsonaro). O longa de Zelito, que conta um dia na vida de JK, não decolou, todavia, junto ao público. Muito pelo desconhecimento histórico de maior parte da população e também pela superficialidade da obra. Não dá nem para encaixar como forte cinebiografia.

Já ‘Lula, o filho do Brasil’ foi escolhido por unanimidade pela Comissão de Seleção para concorrer a uma indicação ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. O longa conta a trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva desde sua infância no interior de Pernambuco até os tempos de militância sindical no ABC paulista nos anos 80. Roteiro inclui sua prisão durante a ditadura militar, aos 35 anos. O filme é ‘funcional’ como cinebiografia.

Não esqueçamos de ‘Getúlio’, de João Jardim, bem mais recente que os dois longas acima citados. Com Tony Ramos no papel principal, descreve os dias finais do segundo governo de Getúlio Vargas, quando, prestes a ser derrubado por um golpe, o presidente se suicida no Palácio do Catete, em 24 de agosto de 1954. Assim como ‘Lula, o filho do Brasil’, essa ficção sobre Getúlio é funcional. Detalhe: foi filmado no Catete (atual Museu da República).

Na área de documentários, os cineastas brasileiros têm muito mais ânimo para destacar os nossos ex-presidentes. Somente Silvio Tendler fez ‘Anos JK’ (1980) e ‘Jango’ (1984), sobre Juscelino Kubitschek e João Goulart, respectivamente. São dois documentários sobre anos turbulentos de nosso país. Detalhe importante: foram lançados ainda durante a ditadura militar… Tem também ‘Jânio a 24 Quadros’, documentário de 1981, dirigido por Luís Alberto Pereira. Em 2011, Tendler ainda dirigiu ‘Tancredo – A travessia’, sobre o ex-presidente Tancredo Neves.

Importante deixar claro que há uma grande série de filmes – de ficção e documentários – que aludem a gestões federais e ex-presidentes. Mas, aqui estamos falando sobre obras que coloquem esses gestores como protagonistas (relatando vida e obra dessas autoridades políticas). O documentário mais recente a fazer alusão a ocupante da Presidência da República é ‘O processo’ (2018), documentário de Maria Augusta Ramos, que tem como tema a condução do impeachment (ou golpe) da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Nos filmes de ficção acima citados, senhoras e senhores, Juscelino Kubitschek é focado como homem mulherengo e também político a serviço do desenvolvimento. Lula é destacado como homem que venceu os obstáculos mais áridos em nome da sobrevivência e também como liderança contra a ditadura militar e em prol dos trabalhadores. Getúlio é, no filme, uma grande liderança que foi vítima de golpistas. O homem que ‘saiu da vida para entrar para a história’.

Sem papel

Nenhum dos presidentes do período da ditadura militar (iniciada com o golpe de 1964) ganhou protagonismo em ficções ou documentários. Também não há longas-metragens sobre presidentes de nossa recente democracia, como Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Para esses todos, por enquanto, o cinema teve apenas desprezo.

Não que alguns desses nomes não tenham uma história a ser contada, mas a conjuntura política e a relação direta de muitos deles à corrupção, à opressão social e mesmo à tortura fazem com que não sejam personagens interessantes de ‘vender’ na tela grande dos cinemas. Basta lembrar que o longa-metragem sobre Lula (a maior liderança popular que o Brasil já teve) não foi sucesso de bilheteria… Independente disso, valem como documento histórico.

Dito isso, façamos uma divagação… Em algum momento de nossa história, o cinema brasileiro se dará ao trabalho de fazer um filme (ficção ou documentário) sobre o atual presidente Jair Messias Bolsonaro? O documentário sobre a ‘farsa da facada’ não conta! Imaginemos que ele seja tema de um filme. Que papel lhe caberia? Herói ou vilão? Mito??? Inimigo da cultura? Armamentista? Esperemos… A peso de hoje, não tem chance de ganhar uma imagem positiva na tela grande. Um filme sobre Bolsonaro?!?! Corta…!!! Aliás, de corte (de direitos e de verbas públicas) essa personagem entende…

* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte, cultura e comportamento no Jornal da Paraíba aos domingos