CULTURA
'Precisamos tomar atitudes', diz maestro
Confira na íntegra a entrevista que foi concedida ao JORNAL DA PARAÍBA pelo novo maestro da Orquestra Sinfônica Alex Klein.
Publicado em 06/01/2012 às 6:30
Encerrando a série de matérias sobre as mudanças na Orquestra Sinfônica da Paraíba (OSPB), o JORNAL DA PARAÍBA publica entrevista exclusiva com o maestro Alex Klein, anunciado esta semana pela Secretaria de Cultura como novo regente da orquestra.
A seguir, você lê a entrevista, na íntegra, concedida pelo maestro Alex Klein ao repórter Tiago Germano, por e-mail. Trechos desta entrevistas foram publicados na edição desta sexta-feira (06/01) do JORNAL DA PARAÍBA. Alex Klein foi anunciado esta semana, pela Secretaria de Cultura do Estado, o novo regente da Orquestra Sinfônica da Paraíba. Ele ocupa o lugar do músico João Linhares, que esteve à frente da OSPB entre fevereiro e dezembro de 2011.
JP - Em entrevista recente, o maestro João Linhares fez um balanço de sua passagem pela OSPB, marcada, segundo ele, pela indisciplina do músicos e pela falta de recursos para a orquestra. Como o senhor pretende driblar tais dificuldades, visando ao aumento da carga horária dos músicos e do número de apresentações?
ALEX KLEIN - O maestro João Linhares é um grande músico, compositor e arranjador, e com toda a certeza teve as melhores intenções com a OSPB, mas a “química” do momento não funcionou, e talvez porque, como ele notou, as condições de trabalho da orquestra inibiam uma atitude profissional. O piso salarial da orquestra, hoje em cerca de R$ 740,00, convida à desistência completa e, de fato, muitos músicos paraibanos já arrumaram as malas e partiram. Uma de minhas principais tarefas iniciais é chamá-los pessoalmente e insistir para que dêem à Paraíba mais uma chance. O êxodo neste último ano foi de especial atenção, causando uma busca de instrumentistas na orquestra jovem, que por sua fez ficou desfalcada e perdeu seu próprio ritmo de trabalho. É preciso colocar isso em perspectiva. O custo de um oboé profissional de médio preço, por exemplo, é de R$ 15 mil. E o oboé tem um custo médio entre instrumentos orquestrais. Harpas e instrumentos de cordas custam bem mais. E além disso, estes instrumentos precisam ser mantidos, a um custo de centenas de reais por ano. Cordas de violinos deveriam ser trocadas três ou quatro vezes ao ano, especialmente em um clima de maresia, e a crina do arco deve também ser trocada quatro ou cinco vezes por ano. Mas na OSPB, as cordas são deixadas estourar, e as crinas são trocadas uma vez ao ano, ou menos, pois os músicos não podem arcar com esta despesa. Tente deixar uma charrete nas mãos de um taxista, ou um jumento para o motoboy trabalhar, e entenderás como é difícil a vida destes músicos. A atual situação da OSPB incapacita os músicos de produzirem um trabalho profissional, o que os frustra e impede a existência de um trabalho progressivo. Eis portanto o dilema do ano 2011 com João Linhares. Não o culpo, mas também não culpo os músicos, nem a administração, ou o governo. As coisas chegaram aonde chegaram, e precisamos tomar atitudes para resolver isso. Como fazer? Em primeiro lugar, os músicos da OSPB precisam de compreensão, um bom “abraço contratual”, melhores condições de trabalho, e um diálogo aberto, que já está ocorrendo. Precisam também de garantias de que seus empregos, por pior que esteja a situação, não serão violados. Não haverá, portanto, audições internas, e todos os músicos estão convidados e estimulados a voltar e manter-se na OSPB. Em seguida, precisamos elevar este salário, e já estamos trabalhando nesta questão como prioridade nº 1 na administração. A dificuldade é que mesmo se o piso salarial fosse triplicado, ainda seria o pior salário orquestral do nordeste. Este problema requer uma estratégia de trabalho bem específica, e contará sim com a contínua paciência dos músicos, à medida que o salário subirá. Uma parte importante desta estratégia é o apoio à “dignidade” dos músicos, como o trabalho organizado, repertório inteligente, bons solistas e maestros convidados que, junto comigo, possam trazer o prazer da música de volta a eles, e outros elementos pequenos, mas que em sua totalidade deixam claro aos músicos como somos privilegiados de tê-los conosco. Por exemplo, o repertório de um concerto não pode mais ser alterado dentro de três semanas do primeiro ensaio sem a expressa autorização do Conselho de Músicos, os ensaios a partir de agora terão um cronograma, por onde o músico pode saber quando sua obra será ensaiada, e mesmo as viagens ao interior serão organizadas de modo a salvaguardar a qualidade dos concertos e o orgulho que os músicos sentem em tocá-lo.
JP - O senhor poderia resumir para os nossos leitores as principais diretrizes do Prima (Programa de Interação Música e Arte)?
ALEX KLEIN - O Programa de Interação Música e Arte visa unificar as diversas manifestações pedagógico-musicais em todo o estado da Paraíba, apoiando cada uma delas em sua individualidade, caráter, ambição e metodologia, ao mesmo tempo em que unimos estes esforços dentro de um currículo mínimo. Pense em um “denominador comum”, algo que une estas entidades em uma linha de pensamento. Com isso, fomentaremos o crescimento de todas, na direção de orquestras jovens, assim como bandas, fanfarras e corais, que por sua vez ensinam “elementos de cidadania” por intermédio da música. Veja bem, uma orquestra sinfônica, para funcionar bem, requer certas atitudes não necessariamente musicais: disciplina, trabalho em equipe, respeito ao próximo, estética, bom gosto, alcance de metas em comum, saber como apoiar um colega em um momento difícil ou de glória e vice-versa, assim como os benefícios pessoais de tudo isso: saber que o sucesso individual geralmente depende de um sucesso em grupo, que não há nada melhor que celebrar este sucesso com amigos, e que as grandes verdades da vida às vezes são as mais simples. Assim funciona uma boa orquestra sinfônica. A ideia do Prima é levar esta experiência de cidadania para as comunidades, por intermédio da participação em orquestras, bandas, fanfarras e corais. É inevitável que a cada ano o Prima irá despertar uma quantidade estatisticamente razoável de talentos musicais paraibanos até agora ocultos. Mas o objetivo real do Prima não é o fomento de músicos profissionais, e sim o desenvolvimento destas características acima em indivíduos que crescerão para exercer uma grande variedade de profissões, levando consigo estes parâmetros orquestrais.
JP - Aparentemente, o senhor tem ambições que vão além da orquestra, e já se situam no âmbito de modificar o sistema de ensino de música na Paraíba. O senhor concorda com o fato de as escolas de músicas estarem todas atreladas à Secretaria de Educação? Acha que isso pode de alguma forma prejudicar a outra ponta do projeto, a orquestra?
ALEX KLEIN - Não concordo nem discordo. E “modificar” o sistema de ensino de música na Paraíba soa como um decreto superior no qual eu não acredito nem recomendo. Acredito que a Secretaria de Educação tem um mandato de proteger a igualdade básica de ofertas educacionais em todo o estado, de um modo que entidades privadas dificilmente poderiam cobrir. Precisamos muito de uma Secretaria de Educação. Mas é importante também termos a variedade de opiniões e pontos de vista no ensino da música, e por isso vejo como muito positiva a diversidade de modos operacionais escolares no estado. Nos poucos dias que já estive na Paraíba estudando este assunto, pude perceber como comunidades encontram as mais diversas fontes de ensino, dependendo de seus princípios individuais. Isso é muito bonito e louvável. Sobre a orquestra, a OSPB, o Prima só vai fortalecê-la. E quanto melhor for esta orquestra, e quanto mais reconhecimento internacional ela adquirir, melhor será a situação do Prima. É uma relação simbiótica, onde as duas ganham com o sucesso mútuo.
JP - Em quanto tempo o senhor acha que tais projetos podem apresentar resultados concretos e que resultados seriam estes?
ALEX KLEIN - Difícil dizer até que os projetos comecem a despontar. Normalmente o efeito positivo de um sistema destes se dá dentro de um ano ou dois. Acredito que até o final de 2013, você verá uma nítida mudança na movimentação musical no estado.
JP - Como surgiu o seu interesse pela obra do maestro José Siqueira e como o senhor pretende empreender a gravação de suas composições junto com a OSPB?
ALEX KLEIN - Cada comunidade deve responsabilizar-se por seus herois. Uma sociedade sem herois é uma que reinventa a roda a cada geração. José Siqueira é um heroi musical da Paraíba. O fato dele sempre beirar o esquecimento e nem sempre figurar entre os nomes principais entre os “grandes compositores brasileiros do século XX” deveria ser um motivo de incômodo para a cultura musical paraibana. É verdade que seria maravilhoso se outra orquestra brasileira tomasse este assunto em pauta e decidisse gravar toda esta obra, mas de certo modo eu penso que cabe à OSPB tomar as rédeas de um projeto destes, e orquestrar as parcerias necessárias para levá-lo até o fim. Não se trata somente de gravar todas as obras de José Siqueira, mas fazer um levantamento de sua vida, seus desafios, e o que levou ele a ser um grande educador além de compositor. Quais eram suas posições políticas e comunistas que tanto preocuparam o regime militar? Há ramificações deste pensamento em sua música? Estas e muitas outras perguntas precisam ser clarificadas à medida que retornamos o nome de José Siqueira ao seu devido pedestal, para que possamos continuar o trabalho que ele começou. E que irônico saber que aqui está o Prima agindo como um ambicioso projeto estadual de ensino da música e cidadania, onde a poucas décadas atrás José Siqueira andava perguntando-se como a música poderia ser um contribuinte forte para uma sociedade igualitária?
JP - Qual será exatamente a relação entre o 'compositor residente' da OSPB, o maestro e os músicos da orquestra?
ALEX KLEIN - O Prof. Liduíno Pitombeira é a imagem da música nova na programação da OSPB. A função – honorária, neste caso – de “Compositor Residente” é como uma voz na consciência do Diretor Artístico (eu) alertando sobre a necessidade da OSPB tomar um caminho mais equilibrado entre uma orquestra sinfônica tradicional e uma que serve, de fato, aos interesses musicais paraibanos. A OSPB irá apresentar uma estreia mundial em cada uma das duas temporadas em que o Prof. Pitombeira estiver neste posto, e estas também irão delinear o caminho musical da orquestra. Por um lado, o Compositor Residente é um assessor ao Diretor Artístico, mas por outro ele tem uma certa independência em decidir por si próprio como a orquestra irá assumir uma postura mais abrangente, e como fazê-lo.
JP - O senhor poderia nos antecipar os nomes de alguns dos convidados que pretende trazer à Paraíba e do repertório futuro que pensa ensaiar com a orquestra?
ALEX KLEIN - É complicado mencionar nomes antes que sejam devidamente contratados, até por respeito ao próprio convidado. Mas eu posso adiantar que os seguintes artistas indicaram com muito entusiasmo sua possível participação nesta temporada 2012: o violoncelista nordestino Antonio Meneses, o pianista Arnaldo Cohen, o violista Richard Young (Vermeer Quartet), os violinistas Charles Stegeman (Pittsburgh Opera) e Andrés Cárdenes (spalla, Pittsburgh Symphony), o violinista Daniel Guedes (que iniciaria o processo das gravações de José Siqueira com seu 3. Concerto para Violino), o pianista baiano Ricardo Castro, o violinista norueguês Ole Bohn, o maestro assistente do Metropolitan Opera de Nova York, David Jackson, o grande violoncelista paraibano Raiff Dantas Barreto, o percussonista Nana Vasconcelos, o clarinetista e maestro assitente do Teatro Bolshoi em Moscou, Alexey Bogorad, e o premiado oboísta/maestro inglês Nicholas Daniel. Todos estes solistas e maestros tem algo muito importante entre si: são educadores, e muitos deles carismáticos neste assunto. Entre os maestros, em sua maioria são também músicos de orquestra. A intenção aqui é óbvia: o ressurgimento da OSPB deve ocorrer por intermédio do estímulo à auto-estima dos músicos, proveniente de colegas que os entendem muito bem, como irmãos, como colegas. A OSPB precisa ser fortalecida de dentro para fora, e não por imposição externa.
JP - Como o senhor avalia, hoje, sua saída do Teatro Municipal de São Paulo e a repercussão da notícia na mídia?
ALEX KLEIN - Talvez minha saída tenha sido motivo de surpresa para muitos, mas eu não sou novato em deixar de lado um projeto no qual eu não mais acredito. Eu sou “workaholic”, e sempre me dediquei muito ao que eu faço. Não me importa se o trabalho é de alto nível, ou se é algo amador, mas ele precisa progredir, precisamos alcançar metas, e estabelecer uma linha de futuro razoável. No caso do Teatro Municipal de São Paulo, após 4 meses eu cheguei à conclusão de que as metas não estavam sendo alcançadas, e que os princípios que me guiam não estavam encontrando luz. Eu via a situação como tendo duas opções: ou eu renuncio, ou eu me acomodo em um ritmo de trabalho que não combina com meus ideais. Decidi pela primeira opção. A repercussão desta decisão pode variar muito, depende de quem opina. Tenho recebido fortes elogios e apoio de muitos músicos no Brasil e exterior pela coragem de tomar esta posição, e de não me curvar a um padrão menor do que minhas expectativas. E esta não foi a primeira vez que eu fiz uma guinada nos meus planos. Eu estou constantemente tentando idéias novas e desistindo daquelas que não oferecem futuro. É preciso tentar, sempre, um caminho novo e ousado, mas nem sempre há o sucesso esperado, e então mudamos de caminho. No FEMUSC – Festival de Música de Santa Catarina, que eu lidero já a 7 anos, já foram muitas as mudanças de direção, à medida que experimentamos com bolsas-trabalho para alunos, ou inscrições plurianuais, transportes diretos trazendo alunos de ônibus de várias capitais até Jaraguá do Sul, e todos estes, por mais que fossem excelentes idéias, capitularam por uma razão ou outra. Mas outros projetos funcionam muito bem, incluindo a informatização do festival, que com 1300 inscrições de 28 países e 200 concertos apresentados em 2 semanas precisa de não mais do que 2 ou 3 pessoas para ser completamente organizado. É um grande trunfo. Mas eu cheguei a formar o FEMUSC após chegar à conclusão de que estes princípios não poderiam ser desenvolvidos progressivamente no posto que eu tinha anteriormente, com a Oficina de Música de Curitiba, e tive a mesma conclusão quando fui estudar no renomado Curtis Institute of Music em Philadelphia, nos EUA. Eu esperava algo mais na psicologia de ensino, e por isso, cancelei minha matrícula e fui para uma escola mais liberal, Oberlin College, onde pude desenvolver meu modo de pensar e ensinar música como o vejo hoje. E nem sempre uma renúncia é causada por motivos alheios. Às vezes o entrave é comigo mesmo. Eu a 8 anos renunciei minha posição de Primeiro Oboé com a Chicago Symphony, após vencer 5 Grammys com eles, por me considerar inadequado ao nível de trabalho que eu gosto de ver naquela orquestra fenomenal. Eu adquiri a Distonia Focal, uma doença neurológica que afeta dois de meus dedos, complicando minha carreira de oboísta. Eu poderia ter continuado na Chicago Symphony, mas estaria exposto à possibilidade de uma incapacidade digital que afetava minha maneria de tocar. Eu me senti como um mau colega, incapaz de apoiar os outros músicos da orquestra, e preferi renunciar do que ver meus princípios musicais violados. Sendo assim, essencialmente comecei minha carreira musical do zero, por volta de 2003-2004, indo na direção da regência e da administração artística. Foi justamente este tipo de pensamento que me fez deixar o Municipal. Eu não quero fazer um trabalho abaixo de minhas expectativas.
JP - Após conhecer o teor de sua carta aberta a Robert Minczuk, John Neschling o acusou de "deselegante" e de jamais ter feito nada próximo ao que ele fez no Brasil. O senhor relaciona sua vinda à Paraíba e seus projetos aqui com este episódio, de alguma maneira?
ALEX KLEIN - Não. Eu continuo com a mesma opinião de que a carreira internacional de Roberto Minczuk foi (é?) estelar. E com todo o respeito ao maestro John Neschling, não estou de acordo que as duas carreiras possam ser comparadas. Roberto Minczuk foi maestro assistente de uma das mais importantes orquestras do mundo, a Filarmônica de Nova York, trabalhando junto com Kurt Masur e Lorin Maazel, e regeu regularmente muitas outras grandes orquestras, se não me engano Boston, Philadelphia e muitas outras na Europa, EUA e em volta do mundo. Ele mantém um cargo de Diretor Artístico na Orquestra Filarmônica de Calgary, Canadá. O maestro John Neschling tem um bom currículo também, mas eu não encontrei paralelos a este nível de orquestras. A carreira de Minczuk, a meu ver, é a maior carreira internacional de um maestro brasileiro desde Isaac Karabtchevsky e Eleazar de Carvalho. É compreensível que o Maestro Neschling deseja opinar em defesa de sua opinião contrária, mas o objetivo da minha comparação não foi minimizar as contribuições de Neschling, e sim exaltar tudo aquilo que Minczuk tinha conquistado, e que estava prestes a ser desafiado devido à triste decisão de impor uma audição interna com dúbias pretenções na Orquestra Sinfônica Brasileira, no que acabou se transformando em um dos mais tristes episódios sinfônicos brasileiros na memória recente.
JP - Há algo ainda que o senhor gostaria de acrescentar a respeito desta polêmica?
ALEX KLEIN - Não vejo como polêmica, na verdade. Dei minha opinião, de todo o coração, e com as melhores intenções de preservar não só o árduo e merecido emprego conquistado pelos músicos da OSB, mas também de preservar o que Minczuk representava para o mercado musical brasileiro. Estamos em um país livre, de liberdade de expressão, e todos tem o direito de opinar, contra-opinar, e de defender a credibilidade de seu argumento. Agradeço a Neschling, de fato, por clarificar o ponto que eu estava fazendo. Foi um bom diálogo.
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