“O sertão é, mais que meu lar, uma espécie de lugar, real ou imaginário, mapeado ou inventado…”

"O sertão é, mais que meu lar, uma espécie de lugar, real ou imaginário, mapeado ou inventado..."

Esse texto surgiu a partir de uma pergunta que fiz a Luísa Gadelha.

Nesta terça-feira (16), portanto, a coluna é dela.

GRANDE SERTÃO: VEREDAS, o maior romance em língua portuguesa do século XX

Luísa Gadelha

Quando Sílvio Osias me perguntou, em meados do final do ano passado, qual romance brasileiro eu considerava o maior do século XX, não titubeei em responder: Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Escrever sobre ele, contudo, relutantemente, se tornou uma tarefa que levou meses para ser executada. Explico: o livro é tão pleno de significados, tão complexo em forma e conteúdo, que eu receava sempre não estar à altura de sua imensidão.

Para mim, é muito difícil escrever sobre Grande Sertão de forma não confessional – aliás, que texto não carrega, ainda que de forma velada, traços dos seu autor, afinal? Mas esse sequer pretende disfarçar. Considero impossível discorrer sobre Grande Sertão com distanciamento – e com proximidade tampouco. Dada a infinitude do romance, é impraticável abarcá-lo em sua totalidade.

Decidi explorá-lo com mais cuidado e, entre releituras e descobertas, revisitar Grande Sertão só confirmou o que eu já desconfiava: seu universo é interminável. A linguagem de Guimarães Rosa se assemelha às inacabáveis veredas pelas quais Riobaldo deambula: é longa, elástica, passível de rodeios, repleta de idas e vindas labirínticas.

Assim, me sinto perdida se tento destacar o ponto que mais me atrai na obra: seria a linguagem, tão peculiar e cheia de entremeios, semelhante ao nosso sertão? Seria o imaginário mítico onde jagunços se confrontam não só entre si e com a natureza, mas também mergulham profundamente em seus universos interiores? Seriam os conflitos existenciais que tanto atormentam Riobaldo? Ou, ainda, o amor de Riobaldo e Diadorim, um sentimento que ultrapassa qualquer definição de afeto e companheirismo?

Italo Calvino afirma que toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira; e, estranhamente, no entanto, toda primeira leitura de um clássico é, também, uma releitura. Com isso, Calvino diz duas coisas: que um clássico é inesgotável e que é possível se reconhecer nele, não importando quando, onde nem em que circunstâncias foi escrito.

Grande Sertão Veredas possui esses dois atributos. Nele, me redescubro e me reconheço. Mais que isso: sinto que o sertão é, mais que meu lar, uma espécie de lugar, real ou imaginário, mapeado ou inventado, onde posso sentir uma boa dose de acalanto, um langoroso aconchego, pois, como diz Riobaldo, “o sertão está em toda parte” e, ainda, “sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”.

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Luísa Gadelha é graduada em Letras, mestra em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba e doutoranda em Estudos Literários e Feministas pela Universidade do Porto. Servidora da UFPB, também escreve sobre literatura e é editora do site de poesia Zona da palavra. Tem poemas publicados em revistas brasileiras e portuguesas.