Como é que se escreve?, pergunta um jovem leitor da coluna, e tento responder

Como é que se escreve?, pergunta um jovem leitor da coluna, e tento responder

Um jovem leitor da coluna me perguntou como é que se escreve. Pediu que eu falasse sobre o ato de escrever.

Quando eu tinha 20 anos (vou fazer 62), Nathanael Alves, extraordinário cronista, me disse assim: “Mago, leia as agências de notícias. Elas têm o formato perfeito”. Claro que ele se referia muito especificamente ao texto informativo.

Com Antônio Barreto Neto e Gonzaga Rodrigues, aprendi que era preciso ler livros. Jornalista que não lê, não aprende a escrever. Eles não diziam assim, explicitamente. O conceito estava inserido na conversa deles. Preciosas conversas de redação.

Meu sonho era ser crítico de cinema. Depois, de música. Ou as duas coisas. Não consegui. Emito impressões muito subjetivas sobre o mundo dos filmes e o da canção popular, mas longe de ter o rigor de análise que tinha um cara como Barreto.

Em A União do final dos anos 1970, começo dos 80, tentei fazer crítica e, ao mesmo tempo virei copy desk, fui conviver com os tais textos das agências aos quais Nathanael se referia no conselho que me deu.

Quando fui fazer televisão, mudou tudo. Textos enxutos, curtos, diretos, coloquiais. Erialdo Pereira, que passara pelo rádio, me deu grandes lições.

E aí você passa a escrever pensando em quem vai ler, no tom da voz, na interpretação das palavras. Nisso, minha maior parceira foi Edilane Araújo. Longos e longos anos redigindo o noticiário da noite que ela ia apresentar, as informações que iam entrar nas casas de milhares e milhares de pessoas.

Juntando palavras como quem abre a janela e conta uma história ao vizinho – ensinava o velho manual da Globo.

Dedicado somente à TV, identificado como profissional de TV, você pensa que o aprendizado do impresso foi esquecido. Como exercício, tenta, aqui, acolá. Um artigo sobre um filme que viu ou um disco que ouviu. Uma dessas retrospectivas de final de ano. Uma entrevista com um artista. Mas algo se foi. A prática, talvez. A velocidade. A fluidez.

Quando voltei ao impresso, outra vez em A União, posso dizer que fui reaprender. Como quem pega um violão depois de passar 10, 20 anos sem contato algum com o instrumento. Os dedos doem, ficam cheios de calos. chegam a sangrar, se as cordas forem de aço.

Mas houve mudanças que estão do seu lado. No velho jornal de papel, as notícias ficaram mais coloquiais; os parágrafos, menores. Os articulistas – esses que dão opinião, que dizem o que pensam – também se descomplicaram. Sabem dizer com simplicidade o que não é tão simples assim. Até nas editorias mais áridas, como a de economia.

Chega, por fim, a coluna que chamam de blog, no jornalismo online.

Não tem mais textão porque ninguém vai ler. Tem algo da concisão da TV, mas é diferente porque, no meu caso, não é informativo, é opinativo. “Jornalismo de opinião? Isso não é jornalismo” – ouvi de uma editora.

É hora de se reinventar. Sair em busca e tentar um outro jeito de dizer as coisas. Correr riscos, não ter mais medo de dizer o que pensa.

Esqueça. Não é crítica de cinema. Não é crítica de música. É opinião que você dá na primeira pessoa. Às vezes, são textos confessionais, como a letra de uma canção. Outras vezes, é a tentativa de fazer uma crônica.

Dá certo? Dá errado? Quem escreve não sabe. Um dia, gosta. Outro dia, detesta. O leitor é quem sabe.

O bom, nessa conversa toda, é que você está ficando velho. Um jornalista que já passou do limiar da velhice (segundo Gilberto Gil, os 60 anos).

O processo de envelhecimento lhe dá uma liberdade que você não tinha antes. Minha coluna/blog é autoral? Então, vamos lá. Tem a experiência acumulada, tem o conhecimento das coisas, tem o exercício continuado, não tem mais alguns temores. Mas não tem os arroubos da juventude. E eles fazem falta.

Está bom? Está ruim? Tem contemporaneidade? É anacrônico?

O jovem leitor que motivou esse texto deve saber.

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Esse texto é para Laerte Cerqueira, que diz que há acidez quando escrevo sobre política.