FUI VETADO, SIM! EDITORES DE CULTURA JOGAM PRA PLATEIA, MAS SÃO UNS TOLOS ARROGANTES

FUI VETADO, SIM! EDITORES DE CULTURA JOGAM PRA PLATEIA, MAS SÃO UNS TOLOS ARROGANTES

“Eu preparo uma canção

que faça acordar os homens

e adormecer as crianças”

Drummond 

“Quem não envelhece, morre”. Creio que quem falava assim era Dona Canô, a mãe de Caetano Veloso.

No início dos anos 1980, numa publicação de A União que reunia textos de vários jornalistas, o título de um deles chamou minha atenção. Jornalista, morte aos 40, era algo assim, e levava a assinatura de Bosco Gaspar.

Eu, que mal passara dos 20, estaria, portanto, na metade do caminho.

Jânio de Freitas tem 88 anos. Lê-lo na Folha, com suas análises do cenário político, é um dos meus prazeres dominicais.

Fernando Gabeira tem 80 anos. Elio Gaspari, 77. Ruy Castro, 73.

Aqui, Gonzaga Rodrigues tem 87.

Falamos um pouco disso no debate da Funesc sobre jornalismo cultural, mediado por Jamarri Nogueira (foto) na noite da terça-feira (01).

Há algum tempo, eu conversava com um amigo sobre Terra em Transe, o mais importante (e atualíssimo) filme político brasileiro. Sugeri que reuníssemos um grupo para ver o filme de Glauber Rocha, que esse meu amigo, brincando, chama de documentário. Eis que, no meio da conversa, chegou a jovem e lindíssima jornalista de cultura – ressalto sempre a beleza porque, nela, esta se sobrepõe ao talento -, e eu perguntei se ela tinha interesse em ver Terra em Transe. Respondeu com uma pergunta: “O que é Terra em Transe?”. Num artigo que li nesta quarta-feira (02), ela, num constrangedor autoelogio, exibiu seu currículo. Ou melhor, disse o quê e o quanto faz pela cena cultural.

No debate da Funesc, falamos também sobre a presença numericamente pouco expressiva das mulheres na crítica de cinema. Eu não teria entrado nesse tema. Não tínhamos lugar de fala. Dei um exemplo que pareceu machista. Não era. As jovens feministas de hoje, numa luta que tanto respeito, não sabem que a luta das mulheres entrou na minha agenda quando em tinha 13 anos, em 1972, e tive conhecimento da existência da grande Angela Davis através de duas canções, Angela (John Lennon e Yoko Ono) e Sweet Black Angel (Rolling Stones).

A territorialização das editorias de cultura. Também conversamos sobre esse assunto. “Eu sou fodástico porque edito o caderno de cultura do jornal” – agem como se pensassem assim. Quando a gente já não é mais tão jovem, dá pena de ver. A empáfia, a arrogância, a ausência da leveza, das conversas permanentes, das loucuras de redações que tinham gente como Gonzaga Rodrigues, Agnaldo Almeida, Carlos Aranha, Martinho Moreira Franco, Jurandy Moura, Walter Galvão (ainda quase tão jovem quanto eu). E tinha Barretinho, o gigante Antônio Barreto Neto, com seu prefixo diário: “Uma pergunta de fundamental e transcendental importância…”.

Fui vetado nas páginas de cultura por amigos. Um amigo muito querido, a quem dei emprego quando, paupérrimo que era, não tinha um centavo no bolso. Fui convencer o editor do jornal de que se tratava de um garoto com muito talento e muita chance de crescer. O outro era muito mais. Um dos meus amores. Sim. Os amigos se amam. Um amigo/irmão/amado – defini assim no debate. À sugestão da editora do jornal (“Por que Sílvio não escreve sobre essas histórias que ele conta pra gente?”), a resposta foi seca, diante dos nossos olhos e ouvidos (os meus e os dela): “Não tenho espaço”. Mentia como quem desconhecia que, além de todo o afeto que parecia nos unir, estava no cargo por indicação (ao menos parcial) minha.

São uns tolos arrogantes. Não sabem que nada daquilo pertence a eles. E não têm a consciência de que o jornal circula hoje e deixa de circular amanhã. Fazem um discurso bonito nas rodas e, sobretudo, quando diante de jovens meninos e meninas que estão na universidade, sonhando com a vida nas redações. Tristes redações onde garotos e garotas vivem em silêncio diante de suas telas. Quase não conversam e perdem a oportunidade de, logo cedo, dividir experiências e adquirir conhecimento.

Alguns gostaram. Alguns não gostaram. Outros detestaram. Mas achei importante falar dessa territorialização tanto quanto acho importante dizer que vamos todos ficar velhos – como eu, que já vou fazer 62 anos. Fico triste ao saber que, aos 55 anos, a jornalista Ivani Leitão está desempregada, com o talento, a experiência e o caráter que tem. A garota da cultura, mais bela do que talentosa, um dia terá 55 anos e estará fazendo jornalismo cultural (espero que não) num mundo que não se sabe direito como será. Harari nos dá boas pistas nos seus livros.

Um amigo me disse que estraguei o debate sobre jornalismo cultural com minhas teses e, principalmente, com desabafos de ordem pessoal. Não penso assim. Fiz uma espécie de exorcismo (pessoal, sim) que necessitava fazer em público, mas falei de temas que não são pessoais, coisa nenhuma. E são mascarados por gente que, com conversa bonita, deu calado por resposta quando perguntei como, num conteúdo que editou, transformou o tão conhecido Canção Amiga em Na Barriga da Mulher, poema que jamais Carlos Drummond de Andrade escreveu.