A gente precisa ouvir canções alegres num momento cheio de canções tão tristes

A gente precisa ouvir canções alegres num momento cheio de canções tão tristes

Em alguns dos muitos shows de Roberto Carlos que vi, ele repetia uma fala (deve ser texto, claro) que dizia mais ou menos assim:

Que, em momentos de grande tristeza, ele cantou canções alegres.

E que, em momentos de grande alegria, ele cantou canções tristes.

Venho lembrando disso há alguns dias, enquanto vejo o Brasil desmoronando.

Ora, que bobagem – dirão -, filosofia barata do Rei para traduzir a nossa tragédia.

Nesta segunda-feira (07), voltei a essa fala de Roberto Carlos ao ouvir o relato de uma amiga jornalista que mora em Portugal.

Ela contou de um passeio com um outro brasileiro, que também está morando lá, e um cachorro que acabara de ser adotado.

Um parque, um homem, uma mulher, um cão, um momento sem máscaras. E uma felicidade extrema – ouvi da minha amiga. Embora bem fugaz.

Ao relato dela, somou-se um breve comentário sobre pequenas alegrias. E sobre o quanto estamos precisando delas.

Foi aí que tentei trazer a fala do show de Roberto Carlos para a tragédia – sanitária e política – brasileira e transpor essa história de canções alegres e canções tristes para a nossa realidade.

O que temos, na realidade, é um cenário de profunda tristeza e uma ausência quase total de felicidade.

Precisamos, então, de pequenas alegrias (as canções alegres) para um cenário de imensa tristeza.

Fiquemos, portanto, sem as canções tristes porque o cenário não é de alegria.

Sabe aquele livro que você já tem, já leu, mas comprou de novo só por causa da fortuna crítica da nova edição?

Esse livro é uma canção alegre durante a pandemia.

Sabe aquele papo com uma jovem psicóloga, feminista, muito articulada, sobre o que há de hétero e o que há de homo na dança de Mick Jagger?

Esse papo é uma canção alegre enquanto estamos sob a ameaça da Covid-19.

Escolha suas canções alegres.

Elas podem ser sobre qualquer coisa.

Ou elas podem ser qualquer coisa, menos canções.

E deixe as tristes para um tempo que a gente ainda não sabe quando virá nem como será.

Eu quis falar disso aqui, num texto com jeito de crônica, mas temi que fosse um assunto piegas demais.

Aí, à noite, conversando ao telefone com uma amiga da área de marketing, contei essa história toda pra ela.

E só resolvi escrevê-la quando ela me disse que teve vontade de chorar.