Os ossos de Nelson Rodrigues reviraram no túmulo por causa da ignorância da Câmara Municipal de João Pessoa

Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

Acreditei porque vi. Na Câmara Municipal de João Pessoa, um vereador apresentou um voto de aplausos à Universidade Estadual da Paraíba por causa da realização de mais uma edição do Comunicurtas. Já são quase 20 edições. Uma vereadora questionou o voto porque, no festival, havia um filme que atentava contra os valores tradicionais da família brasileira. O argumento da vereadora falou mais alto, e o voto de aplausos não foi aprovado. 

Isto aconteceu numa sessão da semana passada. Nesta segunda-feira (20), li uma nota de repúdio divulgada por várias entidades. Gente ligada à produção de audiovisual. Num dos pontos da nota, descobri do que se tratava: “A leitura de que o texto da obra Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, destrói a família tradicional brasileira nos causa espécime [sic] ser levada a sério por esta egrégia casa”.   

Para os que não sabem, é necessário dizer que Álbum de Família é uma das peças míticas de Nelson Rodrigues. Na sua dramaturgia, há as tragédias cariocas, as peças psicológicas e as peças míticas. É assim que os textos estão organizados nos dois volumes que reúnem seu teatro completo. Nelson Rodrigues foi muito provavelmente o maior dramaturgo brasileiro, no nível dos maiores dramaturgos que o mundo conheceu no século XX.

Nesta terça-feira, 21 de dezembro, faz, aliás, 41 anos da morte de Nelson Rodrigues, esse brasileiro imenso. Nelson foi grande no jornalismo (era exímio cronista), na literatura e no teatro. A julgar por esse episódio, o que há na Câmara Municipal de João Pessoa é um punhado de gente ignorante – um microcosmo desse Brasil gigante mergulhado na barbárie da ultradireita.

Curioso é que Nelson Rodrigues era um homem de direita. Adorava ser chamado de reacionário. Tem um livro (maravilhoso) chamado O Reacionário. Só que Nelson viveu num tempo em que havia inteligência na direita brasileira. Hoje, pelo que estamos vendo, só há fundamentalismo e burrice.