Opinião: O Brasil precisa mesmo de um imposto digital (verdadeiro)?

Esse movimento de ascensão – não há a menor dúvida – avançará fortemente em 2020.

A Economia Digital, que engloba plataformas digitais, inclusive as de comércio eletrônico, aplicativos móveis e serviços de pagamento já supera 20% da Economia Brasileira e vem crescendo no mundo todo, a ponto de suscitar preocupações dos governos com seu poder econômico e consequentemente político.

Esse movimento de ascensão – não há a menor dúvida – avançará fortemente em 2020, por indução do distanciamento social imposto pelas conhecidas razões sanitárias.

Operando na internet, as respectivas empresas não conhecem os limites das fronteiras e prescindem de presença física em boa parte dos mercados nos quais atuam. Por essa razão, são também altamente móveis e propensas a eleger como sedes de seus negócios pelo mundo locais onde podem gozar de tratamento favorecido.

Dadas todas essas circunstâncias, não é de se estranhar que os governos pelo mundo pretendam encontrar meios eficazes para tributá-las.

Foi assim que a França instituiu, em 2019, imposto que exige 3% do faturamento obtido no território francês por gigantes da Economia Digital, embora tenha adiado sua cobrança para o final de 2020. Outros países, a exemplo da Itália, seguiram ou pretendem seguir o exemplo.

Diante de todo o relatado, parece irresistível que o Brasil enverede por esse mesmo caminho.

No Congresso Nacional, já há proposta de uma CIDE (contribuição de intervenção sobre o domínio econômico), claramente inspirada no precedente francês.

Há ainda o chamado imposto digital proposto pelo Ministro da Economia, sob a alegada necessidade de incluir na base tributária empresas da dita “nova economia”, como o Uber e o Netflix.

Essa última proposta, contudo, não pode ser considerada de um verdadeiro imposto digital, pois acabaria alcançando transações econômicas em geral. Assemelha-se muito mais à vetusta CPMF, profundamente criticável, por sua incidência em cascata (privilegiando a verticalização das cadeias produtivas) e por sua falta de transparência (onera os agentes econômicos de maneira disfarçada).

Mas será mesmo que o Brasil deve embarcar nesse movimento mundial, ou será que o país tem peculiaridades que recomendam solução diversa?

Primeiramente, diferentemente de em boa parte do mundo, por diversas razões, tributárias ou não, as empresas, independentemente de sua origem, optam por constituir pessoas jurídicas no próprio Brasil para operar no país. Dentre as motivações, peculiaridades do mercado local, que frequentemente não compra com cartão de crédito, menos ainda quando se trata de compras internacionais, sujeitas à alíquota de 6,38% de IOF. Assim, para conquistar mercado no Brasil, muitas empresas optam por vender localmente, em reais, parceladamente e sem juros (algo tipicamente brasileiro) ou no boleto bancário.

Operando por pessoa jurídica brasileira, sujeitam-se normalmente à tributação local da renda, à alíquota geral de 34% (25% de Imposto de Renda – IRPJ – e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL), considerada elevada para os padrões internacionais.

Não havendo uma pessoa jurídica brasileira, o Brasil impõe a retenção na fonte de 25% do que é pago (do valor bruto, não do lucro da operação) por residentes no nosso país a terceiros no exterior pela prestação de serviços, mesmo na ausência de um estabelecimento permanente localizado no país, o que é uma peculiaridade tributária tupiniquim.

Assim, se em boa parte do mundo, o que motiva a criação de impostos digitais é a dificuldade dos governos de tributar a renda obtida por empresas da Economia Digital nos seus países, que acabam enriquecendo às custas de seus relevantes mercados consumidores sem a devida contrapartida tributária, essa não é a regra no Brasil.

O que poderia dar sentido a um imposto digital no Brasil, por outro lado, é a tributação local do consumo, que, além de não se dar por um imposto único sobre o valor agregado (há contribuições federais – PIS/COFINS, imposto estadual – ICMS e imposto municipal- ISS), como o IVA europeu, tributa de maneira muito mais gravosa a venda de mercadorias em comparação com a venda de serviços.

Se o comércio eletrônico de mercadorias já é pesadamente onerado pela tributação brasileira do consumo, outra parte da Economia Digital efetivamente goza de carga tributária mais branda, seja no âmbito federal, seja no municipal e, em determinados casos, só se sujeita à tributação federal do consumo, mas não à das Edilidades ou dos Estados.

Apesar disso, a nosso ver, a tributação brasileira do consumo não é suficiente para justificar um imposto digital.
Primeiramente, porque o imposto digital é solução única para um setor econômico tributado de maneira não uniforme, como demonstrado.

Em segundo lugar, as discrepâncias na carga tributária incidente sobre o consumo também não são um problema limitado à Economia Digital, pelo que é de se recomendar uma solução geral. A propósito, o IVA único proposto pelo Congresso Nacional (PECs 45 e 110) tributaria todo o consumo, inclusive o do setor em questão, de maneira uniforme.

Por fim, tratando-se de segmento econômico dinâmico, ascendente e cada vez mais essencial, é de se ponderar se sua tributação mais gravosa, que certamente de refletirá imediatamente nos preços, atende aos interesses da sociedade.

Seja como for, é decididamente inadmissível discutir o tema sem atenção às peculiaridades econômicas e tributárias do Brasil, supondo apressadamente que as soluções estrangeiras se adequarão às necessidades locais.

Advogado Tributarista e Procurador do Município de João Pessoa. Mestrando em Direito Tributário na
Faculdade de Direito da USP. Diretor Fundador do Instituto de Pesquisas Fiscais.