O complicado Simples Nacional

Advogada comenta problemas do regime fiscal diferenciado.

A Constituição Federal, no capítulo que trata sobre a ordem econômica, especialmente, em seu art. 170, inciso IV, traz previsão expressa a determinar seja conferido tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte. O artigo 174, por sua vez, torna claro que esse tratamento deve se traduzir em simplificação das obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias da empresa, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Em que pese a Constituição ter sido promulgada em 1988, apenas no ano de  1996 é que se introduziu um regime fiscal diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte, veiculado pela Lei 9.317, que criou o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições – o Simples – a abranger apenas os tributos federais. 

Em junho de 2007, a Lei Complementar 123/2006 instituiu o Simples Nacional que, além de unificar o pagamento de todos os tributos federais em guia única, inseriu também tributo estadual e municipal, a saber, ICMS e ISS, respectivamente. 

A ideia de um regime de tributação simplificado se centraliza na redução da carga tributária, da burocracia e complexidade próprias do sistema tributário brasileiro e redução da informalidade. Ao longo dos anos, contudo, verifica-se que o simples, por nunca ter sido realmente simples, guarda uma série de incompatibilidades com a previsão Constitucional. 

Afora a configuração inicial, que já nasceu problemática, as diversas alterações na lei instituidora e o sem número de coordenadas do Comitê Gestor – órgão criado para administrar e regulamentar o regime – também reforçaram o que parece ser endêmico quando se trata de tributação em nosso país: a incoerência, complexidade e pouco respeito à capacidade contributiva.

Para começar, o art. 13 da Lei Complementar 123/2006, ao passo em que dispõe que o recolhimento será feito mensalmente, mediante documento único de arrecadação de IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISS e contribuição previdenciária, comporta em seu §1º exceções bem superiores à regra. O contribuinte sujeito ao pagamento do ICMS, por exemplo, além do tributo consignado no DAS – documento de arrecadação simplificada – em muitos casos, precisa adimplir, em guia separada, o ICMS antecipado. 

Mas não é só. As vedações ao ingresso e permanência também demonstram pouca harmonia entre os ditames constitucionais e a legislação. Já se percebe alguma inconsistência quando da utilização, como critério para a opção, do nicho de atividade econômica, quando o requisito geral é o faturamento. Tanto é verdade que, ao longo do tempo, segmentos antes excluídos terminaram por ser incorporados, como escritórios de advocacia, por exemplo. É urgente seja repensa de forma mais criteriosa essa formatação. 

De duas, e talvez a mais forte, é a impossibilidade de ingressar ou se manter no Simples, caso a empresa conte com débitos cuja exigibilidade não esteja suspensa. É que tal previsão importa exclusão do regime, aumento da carga tributária para empresa que, claramente, não poderá arcar com aquele quantitativo, além de coloca-la em situação concorrencial mais complicada em face de outras do mesmo setor e tamanho. Assim, é também outro ponto que precisa ser rediscutido, de modo a preservar, à evidência, a arrecadação, sem que isso importe no encerramento da empresa. 

Por fim, mas, claro, sem nem de longe esgotar os exemplos de incongruências na forma de regência do Simples, fato é que, em muitas situações, optar por este regime não significa carga tributária menor, dado que as diversas faixas, estabelecidas conforme o ramo de atividade econômica, podem tornar a tributação mais onerosa do que a que se pagaria caso a empresa escolhesse estar inserida no lucro presumido ou real. 

No final do ano, fala-se muito sobre planejamento tributário, cujo ponto fulcral é a escolha do regime de tributação, que pode ser alterado quando da mudança de exercício. Daí, é imprescindível que as empresas optantes pelo Simples Nacional atentem para o fato de que o seu sedutor nome, assim como a atraente ideia de pagamento por meio de guia única, sem, em tese, mais complicações, pensem mais amiúde e façam a prova dos nove, a fim de se certificar se a promessa de desburocratização e de carga menor está, de fato, a valer a pena. 

*Myriam Pires Benevides Gadelha é advogada, especialista em direito tributário pelo IBET, membro do IPF