Negacionismo e apologia ao nazismo: como polêmicas afetam as plataformas

Empresas como Spotify e Facebook têm enfrentado quedas de receita por causa de polêmicas, como negacionismo e prejuízo para os usuários.

Polêmicas afetam o rendimento das plataformas. Fotos: Freepik e Flow Podcast

Nos últimos tempos, grandes plataformas como Spotify e Facebook têm enfrentado quedas de rendimento por causa de polêmicas envolvendo o nome das marcas, como o negacionismo e prejuízo aos usuários. Produtoras de conteúdos digitais independentes também têm tido que gerenciar crises. 

Uma vida mediada pelas redes e pelas plataformas digitais é uma realidade comum para bilhões de pessoas ao redor do mundo. O virtual tomou conta de tudo e, com isso, novas dinâmicas surgiram. Entre elas, mudanças no mercado. As empresas de tecnologia se veem, muitas vezes, tendo prejuízos graças à mesma rapidez e facilidade de disseminação de informação que tanto lhes beneficiam. Mas, afinal, como as polêmicas afetam o rendimento desses negócios voltados para tecnologia e informação?

Spotify e o fantasma do negacionismo

Criada em 2006, quando a internet de alta velocidade começava a despontar, o Spotify é uma plataforma de streaming de áudio, desenvolvida por dois suecos. Hospedando, inicialmente, apenas músicas, a plataforma reproduz hoje diversos podcasts para os mais variados nichos, além de contar com produtos originais. 

Com mais de 170 bilhões de assinantes em 2021, o Spotify está enfrentando quedas em seu rendimento devido a uma polêmica envolvendo um de seus podcasts. O produto do humorista estadunidense Joe Rogan foi criticado por negar a pandemia e a eficiência das vacinas contra Covid-19, além de incentivar o uso de medidas não comprovadas pela ciência.

Apesar da polêmica, a empresa decidiu manter o criador de conteúdo e seu contrato milionário. 

Negacionismo e apologia ao nazismo: como polêmicas afetam as plataformas
Spotify tirou mais de 100 episódios de Joe Rogan do ar após polêmicas. Foto: Reprodução Spotify

A empresa divulgou os resultados do último trimestre recentemente, e o número de assinantes e usuários ficou abaixo do esperado pelos investidores. O movimento levou o cantor Neil Young, Joni Mitchell e outros artistas a retirarem suas canções da plataforma. 

A empresa chegou a perder US$ 2,1 bilhões em valor de mercado em apenas três dias, com uma queda de 6% nas ações, após Neil Young iniciar um boicote, exigindo que o serviço de streaming retirasse o conteúdo negacionista. A companhia decidiu anunciar medidas de combate à desinformação sobre a doença para gerenciar a crise. 

Considerando a última semana de janeiro, período das polêmicas, a perda em valor de mercado foi de US$ 4 bilhões, segundo a Bloomberg.

Na contenção dos danos a empresa vai incluir links em todos os podcasts que mencionarem a doença, direcionando seus usuários para informações factuais e cientificamente verificadas, informou seu presidente e fundador, Daniel Ek.

A dinâmica no mercado de tecnologia é nova, onde, além de fatores econômicos relacionados aos mercados interno e externo, discussões sociais que podem surgir na internet são suficientes para enfraquecer um negócio.

O economista Bruno Frascarolli explica que essa relação tem a ver com o chamado mercado de dois lados. Essa modalidade não é recente, mas é o que estrutura o modelo dos negócios de tecnologia. As plataformas têm suas receitas estruturadas, em paralelo, na quantidade de usuários e em como isso se reflete nos anunciantes e investidores. Essas duas partes precisam estar em equilíbrio para que a receita gerada seja sempre crescente. 

Se os usuários se sentirem ameaçados eles vão abandonar a plataforma e buscar outras, o mercado é competitivo. Isso afeta diretamente a percepção diante da empresa, com a queda de ações como consequência. O cuidado com a qualidade do conteúdo é a principal forma de fidelizar usuários”, explica o especialista. 

Há uma ideia repetida com recorrência por integrantes do mercado financeiro e relembrada pelo economista ouvido pelo Jornal da Paraíba: quando se trata de tecnologia, quando o uso de uma ferramenta é feito de forma gratuita ou por um preço baixo, o usuário é o verdadeiro produto aos olhos do mercado. 

Entre crise de privacidade, acusações trabalhistas e prejuízo aos usuários: seria o fim do Facebook?

O Facebook é quase um adulto no mercado de tecnologia. Criada em 2004, a plataforma já virou conglomerado e seus donos gerenciam, hoje, outras duas grandes redes sociais: o Instagram e o Whatsapp. Apesar disso, a rede criada há 17 anos ainda rende ótimos frutos para o fundador Mark Zuckerberg, que, além de especialista em tecnologia, precisou aprimorar, ao longo dos anos, sua capacidade de lidar com as crises de imagem do seu primeiro grande negócio.

O primeiro escândalo de grandes proporções enfrentado pelo Facebook foi nas eleições de 2016 dos Estados Unidos, vindo a público apenas em 2018. Investigações chegaram à conclusão que a consultoria Cambridge Analytica teve acesso a dados de cerca de 50 milhões de usuários da plataforma, sem que nenhum tenha autorizado. As informações pessoais foram utilizadas para fazer propaganda política e disseminar informações falsas, e os indícios levaram autoridades a acreditarem que isso influenciou a eleição do ex-presidente Donald Trump. 

Celular com app do Facebook
App do Facebook. Foto: ijeab/Freepik

A denúncia, feita em 2018 pelos jornais The New York Times e The Guardian, levantou dúvidas sobre a transparência e o compromisso da empresa com a proteção de dados dos usuários. Dois dias depois da explosão da polêmica, o valor do Facebook encolheu US$ 35 bilhões (ou aproximadamente R$ 115,5 bilhões) na bolsa de valores de tecnologia dos EUA.

Em 2021 a plataforma voltou a ter prejuízos, dessa vez por causa de denúncias feitas por ex-funcionários. A empresa foi gravemente afetada pela informação, revelada pelo “Wall Street Journal”, de que os diretores do Facebook sabem que as plataformas da empresa são, muitas vezes, nocivas para os quem a utiliza. 

Uma informante que havia se demitido vazou documentos à imprensa, ela explicou que durante o tempo em que esteve no Facebook se surpreendeu com a falta de vontade por parte da empresa para solucionar problemas que estavam causando danos aos usuários, pois sempre priorizava o lucro empresarial.

Na última análise divulgada, referente ao último trimestre de 2021, a rede social estava em uma queda histórica de usuários por dia, registrando uma redução pela primeira vez desde a sua criação, em 17 anos. O problema recente também está relacionado a uma migração do público jovem para a plataforma TikTok. O fundador, Mark Zuckerberg, informou que fará alterações nas ferramentas para tornar o Facebook atrativo, novamente, para os usuários de todas as idades. 

O economista Bruno Frascaroli afirma que o mercado está sempre buscando interpretar as informações que são publicizadas. O Facebook, como uma empresa de capital aberto, precisa expor com constância informações sobre seus rendimentos, patrimônio e tomada de decisões. Com polêmicas recorrentes muitos questionam se há possibilidades de recuperação e manutenção da plataforma. 

Bruno explica que o que deve ser observado, para além da perda de usuários, é como a receita se movimenta. 

“O número de usuários é sim um instrumento para que os acionistas identifiquem possíveis perdas e danos futuros. Mas isso não significa que haverá uma ameaça definitiva, basta que as empresas provem que a queda de usuários não significa perda de receitas”, pondera o economista. 

Para tristeza dos investidores do Facebook, os riscos são iminentes. As ações da Meta, novo nome do conglomerado de redes de Mark, caíram em 24%, o que significa uma perda no valor de mercado de quase US$ 200 bilhões. 

Apologia ao nazismo: quando a liberdade de expressão encontra um limite e patrocinadores são vistos como ‘aliados’

O formato podcast não é novo. O início dos anos 2000 foi marcado pela nova forma de criar conteúdos em áudio. Mas foi em meados da década passada que o estilo se popularizou no Brasil, em diversos estilos, e chamou atenção por contribuir para tendência on demand. São produtos criados para serem consumidos quando o ouvinte quiser, podendo ser baixado. 

De dois anos para cá, no Brasil, uma nova tendência ganhou espaço: o videocast. Criadores e criadoras de conteúdo que já estavam em outros formatos, como o caso de youtubers, passaram a fazer podcasts ao vivo com o diferencial de gravar imagens da conversa. Graças a popularidade prévia de muitos desses criadores, o formato faz um grande sucesso e chega a se sobrepor a muitos produtos que já vinham lutando por espaço há anos. 

Um desses videocasts de sucesso no Brasil é o Flow, contando agora com cerca de 3,69 milhões de inscritos só no Youtube. O Flow faz parte de uma produtora de podcasts com programas de diversas áreas. Apresentado por Bruno Monteiro Aiub (Monark) e Igor Coelho (Igor 3K), criado em 2018, o Flow se consolidou através de um formato conhecido como mesa cast, em que os apresentadores recebem convidados variados com uma conversa fluída e sem cortes. A falta de organização prévia e a tentativa de tornar um produto de comunicação uma mesa de bar onde os entrevistadores podem estar embriagados, interesse defendido pelos criadores, envolve o programa em polêmicas graves. 

Em 2021 um dos apresentadores, Monark, teve seu nome em destaque por tecer comentários homofóbicos e racistas. Uma das ocasiões mais graves foi em outubro do ano passado, quando o youtuber usou uma rede social para questionar se ter uma opinião racista seria crime. A grande repercussão da polêmica fez o iFood, um dos principais patrocinadores, encerrar a parceria com o “Flow Podcast”.

Após grande incômodo nas redes sociais, essa semana Monark voltou aos destaques como alguém que não respeita os limites da liberdade de expressão. Numa entrevista com a deputada federal Tábata Amaral, o criador de conteúdo defendeu a legalização de um partido nazista no Brasil, e disse que não entende porque não se pode desgostar de judeus. 

Negacionismo e apologia ao nazismo: como polêmicas afetam as plataformas
Apresentador fez apologia ao nazismo em podcast. Foto: Reprodução Flow Podcast

Apologia ao nazismo é crime no Brasil, e o apresentador está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo. Além disso, uma série de empresas encerrou as relações comerciais com o Estúdios Flow, e após as pressões Monark foi desligado da produtora. 

Os patrocinadores foram pressionados por diversas organizações judaicas a cancelarem contratos com o podcast. Isso levantou um debate sobre de que modo as polêmicas e falas criminosas afetam o rendimento não apenas das plataformas, mas de iniciativas independentes da internet. Para a podcaster paraibana Kiara Duarte, apresentadora do ‘Digaí Podcast’ há quase dois anos, esse caso expôs um problema do mercado de anunciantes desses programas. 

“As marcas devem fazer um mapeamento mais rigoroso. Há uma infinidade de criadores de conteúdo que são ótimos, mas que ainda não conseguem viver disso, sequer conseguiram monetizar seus conteúdos ou fechar parcerias comerciais com as marcas. Acho que está na hora das empresas investirem em conteúdos mais segmentados, de qualidade, com certeza terão ótimos resultados com a audiência”, acredita a criadora de conteúdo. 

O diálogo envolve, ainda, os limites do direito à liberdade de expressão. Enquanto jornalista, Kiara Duarte diz não ter dificuldades para analisar o que deve e não deve ser propagado: “Acredito que os limites da criação de conteúdo e os limites da liberdade de expressão devem ser os mesmos. Se fere a identidade, a moral, se é, de alguma forma, agressivo ou ameaçador para uma pessoa ou grupo de pessoas, é inaceitável. Todo criador tem que ter responsabilidade sobre seu conteúdo. Não dá pra pensar que a internet é uma terra sem lei”, defende Kiara. 

De olho nas mudanças do mercado e como ele tem sido guiado por discussões de cunho social, os profissionais de marketing têm tido ainda mais cuidado e responsabilidade diante da imagem de seus clientes. O consultor Iverson Iório acredita que as empresas vem tentando se blindar para não atrelarem a imagem a posicionamentos problemáticos, principlamente de influenciadores ou projetos que desejam patrocinar para impulsionar a marca. 

“O impacto de um posicionamento problemático é quase catastrófico para as empresas, muito por causa das redes sociais. Essa cultura de prevenção está se fortalecendo, as marcas estudam antes de investir em projetos que podem causar prejuízos por associações. É comum, ainda, que empresas que tenham investido em projetos que se submetem em polêmicas, além de cancelar contratos reafirmem seus valores diante da sociedade”, relata o profissional de marketing.

O marketing de influência é uma alternativa muito utilizada atualmente, e se relaciona à atenção que as empresas conquistam diante de consumidores orgânicos de projetos ou influenciadores digitais. Apesar dos números de seguidores ou inscritos dessas iniciativas serem interessantes para as empresas, o especialista Iverson Iório acredita que eles não devem bastar para a decisão por um patrocínio.

“É preciso estar atento a fatores mais importantes, como propósito, posicionamento e valores. Existe polêmica por trás desse influenciador ou projeto? Tudo isso tem que estar alinhado para que ambas as partes tenham uma parceria de sucesso”, explica.