Crise leva a classe média paraibana de volta à escola pública

Cerca de 20% dos estudantes de João Pessoa saíram de escolas privadas para as públicas; Em Campina Grande o número chega a 50% das novas matrículas

Depois de criar dois filhos, uma menina e um menino, hoje com 23 e 18 anos, estudando integralmente em escolas da rede privada de ensino, o podólogo Laércio Fernandes decidiu que o futuro da sua filha mais nova será diferente. Com apenas oito anos, a pequena Liahona passará a estudar em uma escola pública municipal, em João Pessoa.

O principal motivo: a crise econômica, que está afetando a vida da maioria das famílias brasileiras. Mas, além disso, o pai revela acreditar que as escolas públicas sofreram mudanças ao longo dos anos e hoje ele sente confiança de que lá sua filha receberá uma educação de qualidade.

Assim como a pequena Liahona, aproximadamente 600 crianças, o equivalente a 20% das novas matrículas, saíram de escolas privadas e passaram a estudar em escolas públicas da rede municipal de João Pessoa em 2016. Em Campina Grande, também na rede municipal, esse número chega a 50% das novas matrículas registradas. A Secretaria de Estado da Educação (SEE) ainda não contabilizou os dados das matrículas de 2016 da rede estadual.

Os pais de Lihaona a matricularam este ano na Escola Municipal de Ensino Fundamental Lions Tambaú, que fica no bairro dos Bancários, onde ela cursará o 4º ano. Segundo Laércio, a escolha pela escola é fruto de muita pesquisa, que o permitiu ter confiança e certeza de que sua filha continuará tendo uma boa educação.

“Existiam várias escolas próximas à minha casa, que fica em Mangabeira, mas eu decidi pesquisar. Aquela que mais se aproximou à ideologia daquilo que eu penso foi a que escolhi para matricular minha filha. Eu visitei a escola, recebi recomendações, busquei referências, gostei da estrutura. Então achei uma boa oportunidade”, comentou o pai.

Desde o maternal, Lihaona só conhecia instalações de escolas privadas, mas não foi difícil se habituar na nova escola e com os novos colegas. “Ela não resistiu à mudança”, concluiu Laércio.

De acordo com a diretora geral da Escola Lions Tambaú, Maria da Luz de Albuquerque, na escola aproximadamente 30% das novas vagas ofertadas foram preenchidas por alunos vindos da rede privada – 15 das 50 vagas. Para ela, esse resultado foi uma surpresa. “E isso porque não abrimos muitas vagas. Do 6º ao 9º ano, praticamente não abrimos para novos alunos”, disse.

Conforme a diretora, hoje há uma lista de espera por uma vaga na escola, que também possui postulantes vindos de escolas privadas. A diretora reconheceu que a crise econômica é a principal motivação para tal mudança.

Além da Lions Tambaú, a Escola Municipal José Novais, situada no bairro dos Novais, também recebeu diversos alunos da rede privada. Lá, a procura foi ainda maior, chegando a preencher 57% das vagas abertas – de 49 vagas ofertadas, 28 foram preenchidas por alunos vindos de escolas particulares. De acordo com Valéria Albuquerque, uma das diretoras adjuntas da escola, também foi um dos fatores para o aumento na procura, conforme relatos dos pais, a queda na renda familiar devido à crise financeira.

Qualidade de ensino é levada em conta

A migração das crianças e adolescentes para a rede pública de ensino não teria sido motivada apenas pela crise econômica. No caso de Laércio Fernandes, pai de Liahona, a qualidade no ensino foi um diferencial sem o qual ele não teria tomado tal decisão. Diretoras de escolas também revelam que as referências das escolas fazem com que listas de espera sejam formadas ano a ano à espera de uma vaga na rede pública de ensino.

Na Lions Tambaú, onde Laércio decidiu matricular sua filha, a diretora geral Maria da Luz de Albuquerque comentou que a escola possui diferenciais que atraem os pais. "Temos apenas sete salas de aula, o que nos permite ter maior controle dos alunos. Temos um trabalho com a família, inserindo-a no ambiente escolar. Em reuniões de pais, chegamos a ter, em média, 150 participantes. Além disso, temos trabalhos junto às comunidades. Esses diferenciais fazem com que outros pais indiquem a escola e acabemos sendo bem procurados”, comentou.

Já na José Novais, segundo Valéria Albuquerque, há pais que dormem na porta da escola em busca de uma vaga, por reconhecerem a qualidade do ensino ofertado. “Daqui as crianças saem preparadas. Temos ex-alunos formados em Direito, Administração, Enfermagem, e eles voltam aqui agradecidos pelos resultados. Temos um corpo docente comprometido. Os pais também estão percebendo que é uma falsa ilusão pensar que o privado é bom e o público não oferece ensino de qualidade. Isso está sendo desconstruído”.

O diretor de gestão curricular da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Seduc) de João Pessoa, Gilberto Cruz, destacou que os resultados apresentados pelas escolas públicas de toda a capital têm elevado a procura pela rede pública. “Nós temos investido nas nossas escolas de ensino infantil e fundamental. Nesses últimos quatro anos, temos mais escolas climatizadas, 16 escolas sendo reformadas, com projetos novos, ampliação das escolas de tempo integral. Temos escolas com aulas de robótica, de xadrez. Isso tem feito a diferença, além dos resultados dessas escolas, que também têm atraído as pessoas”, complementou.

Procura aumenta a cada ano

A procura de alunos vindos da rede privada para a rede pública é um fenômeno crescente ano após ano, de acordo com o diretor de gestão curricular da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Seduc) de João Pessoa, Gilberto Cruz.

Neste ano letivo de 2016 na capital, foram abertas três mil novas vagas para alunos do Ensino Fundamental 1 e 2, das quais 20%  (600) foram preenchidas por alunos vindos de escolas da rede privada de ensino.

No ano passado, foram abertas duas mil novas vagas e pouco mais de 200 foram preenchidas por alunos oriundos da rede privada. Para Cruz, isso é reflexo das ações de governo, que deverão continuar durante este ano letivo.

“Atualmente, nós temos 16 escolas de tempo integral e cinco novas escolas em construção, que também funcionarão em tempo integral. Ainda acontecerá, nos próximos dias, uma licitação para reforma e ampliação de mais dez escolas”, adiantou.

Ele ainda destacou os investimentos que deverão ser feitos nas escolas básicas. “Também este ano, pelo menos 11 Centros de Referência em Educação Infantil (Creis) passarão por reformas e ampliações”, completou.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do Estado (Sinepe-PB), Odésio Medeiros, apesar dos números crescentes com a migração dos alunos das escolas particulares para a pública ano a ano, este impacto não vem sendo sentido por diretores de escolas particulares. “Eu acredito que isso ocorra porque, da mesma forma que saem, chegam sempre muitos alunos”, disse. 

Para ele, a procura intensa pela rede privada se deve à qualidade da estrutura e do ensino. “Evidente que a escola pública é boa, mas nunca vai se comparar com uma escola privada pelo fato de ter decisões imediatas, como o poder de demitir e admitir profissionais que não atendam ao que seja esperado. O que não ocorre nas públicas por conta de suas limitações. A rede privada de ensino continua na vanguarda do ensino no país”, concluiu.

Índice de 50% em Campina Grande

Em Campina Grande, segundo informações da Secretaria de Educação do município, os alunos vindos da rede privada foram responsáveis pelo preenchimento de 50% das novas vagas feitas na rede pública municipal.

Ao todo, quatro mil novas vagas foram abertas este ano para a educação infantil, nos Centros de Referência em Educação Infantil (Creis) e nas escolas de ensino fundamental. Destas, duas mil foram preenchidas, sendo mil por alunos oriundos de escolas privadas.

Conforme a secretária de educação do município, Iolanda Barbosa, também houve incremento com relação ao ano passado. De cerca de mil vagas preenchidas, 400 foram por alunos vindos de escolas particulares. Segundo ela, 70% das matrículas ocorreram na educação básica. Ao todo, a cidade conta com 32 mil alunos inseridos nas 120 escolas de Ensino Fundamental 1 e 2, e 35 creches.

A secretária de educação do município não credita o acréscimo no número de matrículas à crise financeira vivenciada pelo país. Para ela, é fruto de melhorias de infraestrutura e na qualidade da educação feitas ao longo dos últimos anos. “Investimos nesses últimos anos na imagem da rede. Passamos a investir em infraestrutura, na formação continuada dos docentes, e aumentamos a oferta de pré-escolas dentro de todas as escolas da rede municipal. Tudo isso junto ao trabalho de credibilidade e melhorias nos indicadores têm resultado em uma maior confiança no trabalho desenvolvido na rede pública municipal de ensino de Campina Grande”, finalizou.