Memória afetiva: a última vez em que vi Sivuca

No post anterior, falei sobre a primeira vez em que vi Sivuca. Agora, falo sobre a última.

sivuca-e-silvio-osias

João Pessoa, novembro de 2006. 32 anos se passaram entre a primeira vez em que vi Sivuca ao vivo e a última em que estive perto dele. Não mais como espectador, sentado na poltrona de um teatro, a alguns metros do palco. Mas na sala do seu apartamento, no bairro de Manaíra, com a missão de entrevistá-lo.

Dias antes, recebi o convite num telefonema que fiz a Glorinha para parabenizar o casal pelo lançamento do DVD “O Poeta do Som”. Na conversa, ela disse que alguém precisava fazer uma longa entrevista com Sivuca. Ele estava no fim (todos sabiam), e Glorinha tinha o desejo de que contasse histórias para a posteridade. De que desse uma extensa entrevista. Certamente, a última.

Cheguei ao apartamento no final da tarde de uma terça-feira, dois dias antes do concerto em que Sivuca se despediria da Orquestra Sinfônica da Paraíba. Levei o jornalista e amigo André Cananéa para fotografar a conversa. O casal nos recebeu, mas Glorinha optou por não acompanhar a entrevista.

Sivuca estava abatido, cansado, quase vencido pela doença que o consumiu durante mais de três décadas. Tinha um fio de voz, perdera muito peso. Vestia calças jeans e uma camisa xadrez, azul e branca. Conversamos durante duas horas sobre temas que levei anotados num papel. Uma conversa com pouca improvisação e, para poupar o entrevistado, menos extensa do que eu desejava.

Já era noite quando a entrevista terminou. Glorinha fez fotos minhas e de André Cananéa ao lado de Sivuca. Ainda conversamos rapidamente sobre a homenagem que ele receberia, dois dias depois, da Orquestra Sinfônica da Paraíba. Seria sua última performance ao vivo, numa breve apresentação no Espaço Cultural José Lins do Rego.

Voltei para casa dividido. Profissionalmente feliz com a sensação de que tinha feito uma boa entrevista. Triste pela confirmação de que Sivuca estava no fim. Esgotavam-se todas as alternativas da luta contra o câncer, iniciada em 1974, quando Glorinha o conheceu, apresentados um ao outro pelo amigo comum José Bezerra Filho. Na época em que, vindo do Zaire, reencontrara seus conterrâneos naquela noite inesquecível, no palco do Teatro Santa Roza.

Três semanas se passaram até que, no dia 15 de dezembro, fui acordado logo cedo por André Cananéa. Ao telefone, ele me contava o que acontecera no final da noite anterior, no Hospital Memorial São Francisco, no bairro da Torre, em João Pessoa:

– Sivuca morreu!