Antes de falar mal do funk, é preciso ouvir algumas coisas

“Funk-se quem puder

É imperativo dançar

Sentir o ímpeto

Jogar as nádegas

Na degustação do ritmo”

(Gilberto Gil, Funk-se Quem Puder)

Num desses concursos para escolher fãs que seriam recebidos por Paul McCartney, um dos vencedores foi um rapaz que gravou uma versão totalmente funk de A Hard Day’s Night.

Olhem ele aí, o de camisa branca.

Antes de falar mal do funk, é preciso ouvir algumas coisas

McCartney postou o vídeo nas redes sociais.

Chamou sua atenção?

A minha, não!

O beatle Paul tem muita coisa funkeada nos seus discos.

Exemplos? Coming Up Dress Me Up As a Robber. A primeira, de 1980. A segunda, de 1982. Ele sabe o que é funk.

Não só ele.

O maestro Leonardo Bernstein, grande músico erudito, fã do jazz e dos Beatles, também sabia.

Isto é funkeado!

É o que ele, ao piano, diz às cantoras líricas com quem aparece, num documentário, ensaiando, no seu apartamento no Dakota, em Nova York, para a gravação de West Side Story.

O vídeo é de meados dos anos 1980.

Miles Davis, um dos gênios consumados do jazz, era outro que sabia. Basta ouvir On The Corner, de 1972. 

Vejam a capa.

Antes de falar mal do funk, é preciso ouvir algumas coisas

Foi nesse disco que Gilberto Gil se inspirou para compor Essa É Pra Tocar no Rádio, gravada com Dominguinhos e o baixo estupendo de Rubão Sabino no nordestiníssimo Refazenda.

Antes de falar mal do funk, é preciso ouvir algumas coisas

Tem muito funk em Quincy Jones, Stevie Wonder e Michael Jackson!

Tem também nos Rolling Stones! Black and Blue.

Tem no nosso inigualável Jorge Ben!

No Herbie Hancock de Head Hunters, notável demarcador de territórios.

Antes de falar mal do funk, é preciso ouvir algumas coisas

E no bossanovista João Donato!

A Bad Donato, sua pshycodelicfunkyexperience.

Antes de falar mal do funk, é preciso ouvir algumas coisas

Ah! Tem funk em tanta gente!

Por que, então, depreciamos o povo do Rio de Janeiro que releu o funk e, ao seu modo, fez deste uma das suas legítimas expressões?

Eu não deprecio!

Começo a semana com essas pequenas anotações estimulado pelo gesto de Paul McCartney.

Para ele, por muitos motivos, a versão funk de A Hard Day’s Night feita por aquele rapaz é criativa, inteligente, tem conteúdo social, liberdade – vai muito além dos vídeos (mesmo os melhores) com covers dos Beatles fiéis aos originais.

Paul é um extraordinário músico popular do seu tempo e compreende bem todas essas coisas.

Por que nós, seus ouvintes, não podemos compreender?

Salve o funk!