Dona Lia encontrou nas mulheres da sua vida uma forma de superar dificuldades

Foi através da cozinha ancestral que Lia encontrou uma forma de resistir

Dona Lia encontrou nas mulheres da sua vida uma forma de superar dificuldades
Dona Lia, do Memorial do Cuscuz de Ingá, encontrou na cozinha ancestral uma forma de superar as dificuldades. (Foto: Instagram/@lia_memorial_do_cuscuz)

Maria Auxiliadora Mendes da Silva, a Dona Lia, aprendeu com a mãe e a avó, usar o moinho de pedra e transformar grãos em farinha; milho em cuscuz. No sítio da família, na zona rural de ingá, interior da Paraíba, não tinha muito, mas também se comia a tapioca e o angu, tudo feito manualmente. Foi através da cozinha ancestral que Dona Lia encontrou uma forma de resistir, superar as dificuldades e criar o que hoje é mundialmente conhecido como o Memorial do Cuscuz e Tapioca na Lenha.

Aos 19 anos, Lia abandonou o sítio e se casou. Foi morar em Recife, mas não teve uma vida tão fácil. O marido era agressivo e muitas vezes ela via seus quatro filhos passando fome. Foi nesta falta que ela lembrou do cuscuz que sua mãe e avó faziam: chamava de “cabeça amarrada”.

 “Eu lembrei né que podia sobreviver meus filhos com aquilo ali que eu sabia fazer, tinha visto elas fazer. Eu fiz e botava meu filho para vender nas portas das obras em Recife, lá em Ibirebeira”, relembra.

Dona Lia encontrou nas mulheres da sua vida uma forma de superar dificuldades
No cuscuz moído que aprendeu com sua mãe e avó, Lia encontrou paixão e sobreviência. (Foto: Reprodução/TV Cabo Branco)

A relação com o marido piorou a ponto dela ter que fugir com os filhos para a maré. “Peguei uma cama botei dento da maré e fui viver com os quatro filhos. Cavei um buraco, botei quatro pau de manga ao redor da cama, amarrei, uma colcha e uma pedaço de colchão (…) muito difícil.”

Na mesma época, sua mãe acabou adoecendo em Ingá e Lia decidiu voltar pra cuidar dela e foi assim por 22 anos, quando ficou orfã. Perdeu ambos os pais, o que quase a destruiu por dentro. Foi para o médico, que receitou remédios contra a depressão.

 “Me ajoelhei aqui nesse beco e pedi a deus, que ele me desse uma solução pra eu não tomar aqueles medicamentos (…) Já passei por tanta coisa…”.

Quando quase caía, decidiu um curso do Sebrae que apareceu e ingá. Ao perguntarem o que ela sabia fazer, Lia lembrou da cozinha ancestral e do moedor de grãos, onde nascia o cuscuz. A solução estava nos saberes das avós e nas relíquias de família. Na sua casa, bem simples, montou seu memorial. “Tudo que tinha aqui era daqueles, que já se foram. Aí eu resgatei”, disse.

O angu, o cuscuz cabeça amarrada, a galinha de capoeira e outros pratos regionais ganharam as redes sociais. Dona Lia já recebeu gente de Honduras, dos Estados Unidos e vários outros países. A experiência e emoção resgatadas na casa, através de fotos da família e do aconchego da cozinheira também fazem parte do sucesso.

O Memorial do Cuscuz e Tapioca na Lenha hoje é conhecido mundialmente e até já fez parte do programa Mestre do Sabor, da Rede Globo. Ela recorda. “O Mestre do Sabor foi muito engraçado. era as pessoas me ligando, e era perguntando e perguntavam da minha vida (…) e eu não acreditava”. Dona Lia primeiramente achou que era um golpe, mas depois perguntou como eles acharam ela. Eles responderam que a acharam por conta da sua história.

Apesar do sucesso, veio a pandemia da Covid-19 e em 28 de março, o restaurante recebeu os últimos clientes, ficando apenas as entregas. O faturamento caiu pela metade e la só conseguiu pagar as contas com a aposentadoria. Ainda teve outro prejuízo que tentou derrubar Lia. Um curto circuito seguido de incêndio destruiu alguns eletrodomésticos  e parte das lembranças.Sua relíquia mais importante, uma foto de seu avó e outra de sua mãe e pai, foi levada pelas chamas.

“Essa aí foi a perca maior que eu senti”, explica.

Relíquias de família
Algumas relíquias de família que faziam parte do Memorial do Cuscuz, em Ingá, foram perdidas em um incêndio. Mas as chamas não apagaram o talento e esperança de Dona Lia. (Foto: Reprodução/TV Cabo Branco)

Mas a vida já mostrou pra Lia que a perseverança dela é uma pedra que mói os obstáculos. Lia já é conhecida e o povo sente saudade. O telefone voltou a tocar e a receber mensagens e ela entende que quando se fecha uma porta, se abre uma janela.

Depois de tudo que passou, a cozinheira e empreendedora acredita que tudo é uma experiência. “Vai ser um recomeço”, disse Lia sobre o fogo, que nunca vai apagar sua esperança.