Luta de Margarida Alves permanece atual e inspira gerações após 38 anos

Paraibana foi assassinada com um tiro no rosto, em 12 de agosto de 1983.

Sindicalista Margarida Maria Alves foi assassinada há 38 anos durante a ditadura militar – Foto: divulgação
Margarida Maria Alves
Sindicalista Margarida Maria Alves foi assassinada há 38 anos.

O assassinato de Margarida Maria Alves completa 38 anos nesta quinta-feira (12). A paraibana de Alagoa Grande foi assassinada com um tiro de espingarda no rosto disparado por um matador de aluguel, em 12 de agosto de 1983. Ela lutava por direitos trabalhistas para os trabalhadores do campo.

Margarida Maria Alves foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Durante 12 anos na presidência da entidade, lutou para que os trabalhadores do campo tivessem seus direitos respeitados. As denúncias de abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores nas usinas da região, feitas por Margarida Alves, resultaram no seu assassinato, encomendado por fazendeiros.

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Pelos direitos trabalhistas do campo

A historiadora Ana Paula Romão pesquisa memórias camponesas, educação das relações étnico-raciais e ensino de história. Ela explica que a luta de Margarida Maria Alves era pelos direitos trabalhistas do campo, pela educação e pelas mulheres.

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“Ela lutou muito pelo direito à carteira profissional, à carteira de trabalho, documentos do trabalhador do campo. Ela fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto com Paulo Freire. Ela também fundou o movimento Mulheres do Brejo”.

O legado da paraibana incentiva a luta pelos direitos até hoje. A Marcha das Margaridas, por exemplo, acontece desde 2000 e reúne centenas de mulheres do campo em Brasília.

Marcha das Margaridas Margarida Maria Alves
Marcha das Margaridas reúne mulheres do campo em Brasília.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Maria Soledade, repentista e sindicalista contemporânea de Margarida, afirma que na época os trabalhadores do campo não tinham direitos básicos.  Faltava registro em carteira e até descanso semanal.

“A luta de margarida tinha três objetivos: carteira assinada, 13º salário e o repouso semanal. O trabalhadores não tinham isso. Até os domingos, se quisesse era assim. Semanalmente sem folga. Eram uns verdadeiros escravos, completamente explorados. Margarida era contra tudo isso”.

Trabalhadores do campo ainda enfrentam dificuldades

Para Paulo Germano, procurador do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), as causas pelas quais Margarida lutava continuam necessárias, pois muitos trabalhadores do campo ainda não têm seus direitos respeitados.

“As causas do assassinato de Margarida e dezenas de lideranças dos trabalhadores rurais, nas últimas décadas, continuam atuais na zona rural do país. Margarida quis apenas que a legislação trabalhista fosse cumprida no campo. Hoje, milhões de rurícolas continuam sem carteira assinada e registro, à margem do sistema previdenciário e trabalhando com agrotóxicos sem o uso dos EPIs. Só a organização dos trabalhadores, como lutou Margarida, pode avançar esse processo e superar o atraso nas propriedades rurais, sobretudo no Norte e Nordeste brasileiro”, explicou.

Os municípios do Sertão da Paraíba têm o maior número de pessoas submetidas ao trabalho análogo à escravidão. A maioria dos casos acontece em atividades agropecuárias em outros estados do país. Os dados são do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – SIT.

Tavares, no Sertão da Paraíba, é a terceira cidade do Brasil com maior número de trabalhadores traficados em 2020. A informação é da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP). Somente no ano passado, 11 pessoas de Tavares foram traficadas e submetidas a condições de trabalho análogas à escravidão.

Conforme Vanessa Lima, coordenadora do Núcleo e do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba e da Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo da Paraíba (SEDH), pode haver uma subnotificação de casos.“Sabemos que esses números são subnotificados, pois teríamos que ter mais fiscalização. Ademais, a população, muitas vezes, tem medo de denunciar”.

José de Arimateia filho de Margarida Maria Alves
José de Arimateia – filho único de Margarida Maria Alves – com a esposa Anistela.
Foto: arquivo pessoal

Filho de Margarida Maria Alves conta que ficou traumatizado

No momento em que Margarida foi assassinada, seu filho José de Arimateia, que na época tinha 8 anos, brincava na rua. Ao ouvir os disparos, o menino correu para casa e se deparou com a mãe morta.

“Estava brincando na rua da nossa casa, quando ouvi o estampido do tiro. Corri para casa, quando me deparei com o seu corpo totalmente ensanguentado”.

José de Arimateia conta que por muito tempo só pensava em vingança e acabou desenvolvendo alcoolismo. Ele foi embora para o Rio de Janeiro, onde viveu por alguns anos, mas retornou à Paraíba. Hoje, saudável e livre de vícios, tenta levar adiante o legado da mãe.

“Me tornei um jovem muito traumatizado e que queria vingança. Sonhava com isso todo dia, chegando ao ponto de me enveredar para o alcoolismo. Hoje, graças a Deus, tenho uma família linda, uma esposa maravilhosa e quatro filhos”.