Sem descanso no Réveillon

Profissionais contam experiência de trabalhar na noite do dia 31 de dezembro e ficar longe da família durante a festa do ano novo.

Quando os fogos de artifícios estiverem estourando no céu, anunciando a chegada de 2013, a médica Nicole Debaudt vai estar dentro de uma ambulância, mesmo local em que passou a maioria dos dias de 2012. Socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) há 8 anos, ela está entre os profissionais que irão trabalhar, enquanto a maioria da população se divertirá, amanhã à noite. Com experiência de quem há 15 anos se dedica à função de salvar vidas, independentemente do dia do ano, a especialista afirma que não descansa mesmo em períodos festivos.

“Eu sei da importância do trabalho que realizamos aqui. O nosso trabalho está acima de tudo. E, em alguns casos, até mesmo da família. Quando estou de serviço durante o Réveillon, ligo para meus filhos. Mas se houver uma ocorrência, primeiro socorro a vítima e, depois, é que vou pensar na minha família. Faz 15 anos que sou médica e oito que trabalho no Samu. São sete Réveillons que eu passei atendendo ocorrências”, conta.

Além de Nicole, outros trabalhadores, como motoristas, cobradores, fiscais e funcionários de empresas de ônibus, irão vestir o uniforme e iniciar o Ano-Novo no local de trabalho, ao lado de colegas de profissão. São pessoas convocadas para garantir que a população tenha o direito à locomoção, independentemente das mudanças ditadas pelo calendário.

Enquanto as famílias estarão em casa, nas praias, bares e nos mais diversos locais brindando a chegada de 2013, os operadores do transporte público permanecerão a postos, fazendo circular nas ruas as rodas de um serviço que não pode parar.

Além de ônibus e dos veículos do Samu, as avenidas pessoenses também vão testemunhar a movimentação acelerada de pneus de outros tipos de veículos. São as viaturas de bombeiros e das polícias Civil e Militar. A bordo de um desses carros estará o major Jerônimo Bisneto, atual comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), uma unidade da Polícia Militar.

Com mais de 20 anos de carreira na corporação e pai de dois filhos com menos de cinco anos, o oficial já perdeu a conta das noites de 31 de dezembro que passou, acordado, usando farda.

“A nossa vida de policial é cercada de sacrifícios. É uma coisa que a gente tem que se acostumar, caso contrário não permanece na área”, diz.

“Quando a gente trabalha durante a virada do ano, a comemoração com a família fica para o dia seguinte. Mas em algumas ocasiões nem isso foi possível. Quando chegava em casa, após uma noite de trabalho, fui convocado novamente para uma ocorrência. Coloquei a farda novamente e saí. A família precisa se acostumar e entender”, completa.

O tenente-coronel Lívio Delgado, comandante do 5º Batalhão da Polícia Militar, conhece bem essa realidade. Com 23 anos de oficial, ele explica que a compreensão da família é fundamental.

“Enquanto a população se diverte, é preciso que outras pessoas garantam a segurança. É aí que entra o trabalho da polícia. Nosso descanso e diversão vêm em segundo plano. Em primeiro lugar está o dever. Por isso, é preciso enxergar a profissão como sacerdócio e gostar muito do que faz”, observa.

O que os profissionais chamam de sacrifício, a sociologia classifica como uma característica do capitalismo. É o que explica o sociólogo e professor doutor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Adriano Leon. Ele observa que trabalhar enquanto muitos se divertem é um preço que precisa ser pago para garantir a convivência em sociedade.

“A sociologia não chama de sacrifício o fato de alguns profissionais precisarem trabalhar, garantindo a saúde e a segurança, por exemplo, enquanto a maior parte da população se diverte. Mas, considera que isso faça parte da exploração do trabalho, que está vinculado ao capitalismo. É necessário trabalhar para garantir viva a manutenção de um sistema ainda maior”, analisa.

Mesmo reconhecendo a imposição do capitalismo, alguns profissionais afirmam que a dedicação ao trabalho vai além das relações contratuais. "É uma questão mesmo de amor ao que a gente faz. Sem isso, nada vale a pena. Não há satisfação maior do que ajudar a salvar a vida de uma pessoa”, ressalta a médica Nicole Debaudt.