Lideranças sociais em processo de extinção

Defensora dos direitos humanos, promotor e cientista constatam carência de líderes.

Na última década, a esquerda assumiu o poder e levou muita gente para a linha de frente da gestão pública. Muitas lideranças reconhecidas por denunciar crimes, irregularidades no poder público e desrespeito aos direitos humanos passaram a ocupar cargos na gestão pública, provocando, na opinião de especialistas, um grande vazio nas lutas sociais e sindicais.

Ouvidora de polícia e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDHPB), Valdênia Paulino lembra que nos anos 80, com o fim da ditadura militar, a sociedade precisou se organizar e então vieram os sindicatos e novos partidos políticos.

“Houve uma valorização dos grêmios estudantis e as igrejas estavam mais comprometidas com o social. Hoje, vivemos um período carente. As antigas lideranças estão ocupando cargos públicos e uma vez ocupando o espaço das organizações públicas, esse papel de liderança social acaba ficando de lado, deixando um vazio muito grande”, ressalta.

Após denunciar violência policial em São Paulo, Valdênia recebeu proteção federal e continuou sua atuação como ouvidora de polícia na Paraíba, onde permanece denunciando crimes de corrupção e tortura na polícia. Para a ativista, ainda é tempo de lutar, principalmente pela moralização das instituições públicas.

“Faltam lideranças e temos poucos grupos preparando novas. Se nós tivéssemos lideranças mais politizadas, não estaríamos vivendo um caos em todas as instituições públicas do país e da Paraíba nas três esferas do poder”, disse Valdênia.

A debandada da esquerda e de lideranças combativas rumo ao quartel general da gestão pública fez ecoar novas vozes no Estado, a exemplo da própria Valdênia. É o caso também do promotor Marinho Mendes, membro do COEHPB ao lado da ouvidora de polícia. Promotor há 19 anos, Marinho vem travando uma batalha em favor dos “invisíveis”, como ele chama. “O meu projeto de vida e profissional é a defesa dos invisíveis, dos marginalizados, da população que não se vê e da violência cometida contra esse povo. É pra eles que eu sonho e que eu dedico o meu trabalho”, conta o promotor.

O promotor Marinho Mendes acredita que a Paraíba vive o “escasseamento e aridez de lideranças” e que isso se dá em função da falta de identidade da sociedade. “A falta de lideranças está diretamente ligada à falta de identidade. Hoje a população moderna não tem mais identidade, é pré fabricada, acompanha padrões, modelos, não são mais estimuladas a buscar outros valores e, sim, aqueles que são postos”, afirma.

O recrutamento das lideranças pela gestão pública, segundo Marinho, acaba engessando e muitas vezes anulando essas vozes. “Elas são cooptadas e não se dão conta que são vítimas de um processo de descrença. O governador ou prefeito chama aquela liderança que tem ligação com determinado tema da sociedade, mas ela acaba muitas vezes desacreditada daquele segmento porque vai fazer o jogo do governo e perde a identidade. Ela vai para o governo, mas não pode fazer frutificar suas ideias. Se torna um burocrata e acaba desacreditada dos movimentos sociais”, afirma.

Líderes querem   "tocar"  suas próprias vidas

Para o cientista político e professor da Universidade Federal da Paraíba Jaldes Menezes, o país apresentou mudanças, e aqueles que poderiam se tornar grandes lideranças estão mais preocupados em tocar suas vidas. “Vivemos no Brasil uma situação de pleno emprego, crescimento econômico e inflação controlada. As pessoas estão preocupadas em tocar suas vidas e isso é legítimo”, afirma.

Por outro lado, Jaldes acredita que há um protagonismo hoje dos cidadãos com relação à internet. “Esse movimento em torno da recusa do Feliciano na presidência da Comissão dos Direitos Humanos começou na internet. E cada vez mais esse instrumento terá um papel importante na ação política e na democracia. Os partidos e os parlamentares estão correndo atrás, mas eles não puxam o processo, estão a reboque dele”, disse.