Esquerda e direita: o que realmente significam as posições políticas?

Os ânimos se acirram em discussões sobre o tema, principalmente na internet. O Brasil, afinal, possui um governo de esquerda ou direita?

‘Coxinha’ e petralha’. Provavelmente são essas as palavras mais utilizadas durante as discussões que assomam a internet (e o cotidiano) durante a turbulência política que o Brasil vem atravessando nos últimos meses. O vocabulário é claro e separatista: os coxinhas representam pessoas de ‘direita’, reacionárias e conservadoras; já os petralhas, os de ‘esquerda’, liderados pelo Partido dos Trabalhadores, buscam a instauração do comunismo no Brasil e a destruição de valores já cristalizados na sociedade. Até que ponto, entretanto, essas visões da direita e da esquerda política correspondem à realidade?

Esquerda e direita: o que realmente significam as posições políticas?Os termos direita e esquerda, em sua conotação política, apareceram inicialmente durante a Revolução Francesa no século XVIII e, ao longo dos anos, foram adquirindo significados distintos. “A visão tradicional de direita defende uma política econômica liberal, ou seja, com a menor presença possível do Estado. Fundamenta-se na ideia de que o mercado é capaz de alcançar o equilíbrio com suas próprias forças”, explica a professora doutora em Sociologia Rejane Gomes de Carvalho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O Estado, assim, tornaria secundárias ou inexistentes preocupações como uma distribuição mais igualitária de renda; políticas de direita são, assim, comumente associadas com o liberalismo econômico.

Já a visão da esquerda política clássica pressupõe uma maior presença estatal na economia, de acordo com o professor doutor em Ciências Políticas Leon Victor Barbosa, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). “A esquerda tem uma crítica forte ao modelo capitalista, buscando corrigir suas falhas através de intervenções estatais na economia, seja na forma de políticas corretivas, seja na atuação do Estado diretamente na economia através de suas empresas”, esclarece. Há, assim, uma maior preocupação em corrigir, através de políticas públicas, desigualdades sociais e econômicas.

Desta forma, é preciso considerar que, não só no Brasil como na política mundial, visões de esquerda ou direita podem coexistir no interior dos partidos políticos. “É importante reconhecer que não existe um modelo político econômico puro totalmente liberal ou de esquerda. Muitas vezes, a complexidade da política e da economia impede enquadramentos”, afirma Rejane. Isso não significa dizer que não existem partidos claramente de direita ou esquerda – no Brasil, partidos como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido Novo (NOVO) são representantes mais claros das duas visões.

Brasil: esquerda ou direita?

Esquerda e direita: o que realmente significam as posições políticas?

(Foto:  Ichiro Guerra/Fotos Públicas)

No contexto do Brasil, os conceitos de esquerda e direita muitas vezes se confundem. No senso comum, o Partido dos Trabalhadores, que governou o Brasil na última década até o afastamento da presidente Dilma Rousseff, é visto como um partido de esquerda. A realidade, entretanto, é mais intricada.

“No Brasil, o PT surgiu com a identidade de partido de esquerda, mas chegou ao poder com as ferramentas e as práticas dos partidos chamados de direita”, afirma Rejane. “Não considero adequado classificar o governo do PT como esquerda. Os partidos políticos buscam o poder e, para isso, não necessariamente são fiéis aos seus fundamentos”, ressalta a pesquisadora.

Para o professor Leon Victor, a preocupação do governo petista com políticas sociais demonstra um viés de esquerda, mas a situação se torna paradoxal na medida que as classes mais altas da sociedade enriqueceram ainda mais durante os governos de Lula e Dilma. “Com governos de esquerda – pelo menos a esquerda em torno do PT – os mais ricos permaneceram ainda mais ricos. Em compensação, os mais pobres também foram favorecidos com programas sociais e aumentos reais do salário mínimo”, explica ele. Mesmo as conquistas sociais promovidas pelo PT, representadas em programas como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, são objetos de contestação por parte da esquerda. “Há críticas de que as conquistas dos movimentos sociais não avançaram muito em governos do PT”, diz Rejane. 

Outra ideia comumente difundida é que o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) seria um representante – a despeito de seu nome – da direita política. "Não temos um partido totalmente liberal no Brasil", explica Leon Victor. "Temos um liberalismo de conveniência, de ocasião". Segundo o pesquisador, os governos do PT  e PSDB representam uma tendência à social democracia, uma corrente de esquerda que combina intervenção do Estado na economia e livre-mercado.

"PT e PSDB chegaram a praticar a social democracia no país, com os programas sociais embrionários de Fernando Henrique Cardoso, e o PT com a manutenção da política econômica anterior e o aperfeiçoamento e universalização dos programas sociais", conclui o professor.