Não fosse o golpe de 64, nossos presidentes seriam JK, Lacerda, Brizola, Tancredo e – pasmem! – Lamarca

Não fosse o golpe de 64, nossos presidentes seriam JK, Lacerda, Brizola, Tancredo e - pasmem! - Lamarca

Nesta quarta-feira (31), faz 57 anos do golpe que derrubou o presidente João Goulart e deu início a uma ditadura militar que se estendeu por longos 21 anos.

Quem teriam sido os presidentes brasileiros naquele período, caso não tivesse ocorrido a deposição de Jango?

Em 2014, nos 50 anos do golpe, o jornalista e escritor campinense Astier Basílio respondeu à pergunta num texto de ficção. Um conto, como ele classifica.

Astier está morando na Rússia.

Posso, então, chamá-lo de nosso homem em Moscou.

Nesta terça-feira (30), a coluna é dele e da sua deliciosa ficção política.

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“QUE PODIA TER SIDO E NÃO FOI”

Astier Basílio

Não fosse o golpe de 64, nossos presidentes seriam JK, Lacerda, Brizola, Tancredo e - pasmem! - Lamarca

(1965)

Apesar do cenário adverso, com uma turbulência acentuada do ponto de vista institucional, o presidente João Goulart, além de conter a indisciplina nos quartéis, fazendo alterações em postos chave e após ser convencido de que se tentasse esticar a corda na disputa contra o Congresso poderia ser derrubado, sacramentou a aliança PTB/ PSD, pavimentando o retorno de Juscelino kubitschek ao Planalto, indicando-lhe o vice, Doutel de Andrade, que fora seu líder na Câmara.

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(1969 )

Em todas as pesquisas de opinião, até 1968, o candidato do PTB, Leonel Brizola, despontava como favorito. No ano da eleição, os reflexos do desenvolvimentismo, materializados no aumento da inflação, desgastaram não só JK, como envenenaram a reedição da aliança vitoriosa em três mandatos. Carlos Lacerda soube aproveitar bem a tibieza do adversário em não se assumir como representante da continuidade e cravou-lhe com o slogan “O cunhado também é culpado”, a pecha de encarnação de um projeto que trazia inflação, inibidores de crescimento e desemprego.

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(1973)

Seria taxado como louco algum colunista político que, no comecinho dos anos 1970, previsse que Leonel Brizola voltaria a ser um dos nomes mais expressivos para a disputa presidencial. O príncipe dos cronistas políticos, Carlos Castelo Branco, foi quem melhor interpretou a reinvenção do caudilho. “Precedente semelhante ao do segundo Vargas, habitando as solidões dos pampas e reintegrado ao poder pelo voto, com o apoio do afilhado Goulart, mas afeito a um regime que não lhe punha peias nem bridas, teve dificuldade de agir num regime democrático e acabou preferindo a história ao vexame de uma deposição. No caso de Brizola, porém, o figurino da tragédia lhe passou ao largo porque a sua reinvenção passou por um rompimento público com Goulart ( e a fundação do PDT ), a quem passou a criticar a tibieza e timidez, e, sobretudo, o discurso legalista contra a sanha antidemocrática do presidente Lacerda, que naufragou na tentativa de aprovar a emenda de reeleição. Jogada ambiciosa que lhe custou todos os dividendos no parlamento e inviabilizou o seu projeto de sucessão, já contaminado”.

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(1977 )

Embora se assumisse como o candidato da renovação, Tancredo Neves estivera na vida pública desde Getúlio, quando atuou como Ministro da Justiça. Talvez nunca se consiga uma contradição como esta: vender-se como novo sendo, de fato, useiro e vezeiro nas câmaras do poder republicano. O que garantiu sua vitória foi o discurso de que o Brasil não poderia ficar refém de dois cordões partidários, como a UDN e o PTB, e que o PSD, grande fiador institucional de todas as gestões, era a solução menos traumática para a retomada do crescimento e para o controle da inflação, que regressara aos patamares antipáticos dos tempos de Goulart.

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(1981)

A instauração do parlamentarismo, antes do final do governo Tancredo, fez destas eleições as mais atípicas. A assunção do premier Ulysses Guimarães e a jogada regimental para que se aprovasse a emenda da reeleição foram episódios confusos. Carlos Castelo Branco, em sua coluna, foi o mais preciso. “O que ocorreu foi um truque de prestidigitação. Ao acenar com o apreço ao aperfeiçoamento democrático, abrindo mão do poder quase imperial que o regime presidencialista garante, Tancredo, a velha raposa, distraiu a todos com as novidades do regime, seu funcionamento, de modo que passou quase como um favor, e de modo despercebido, a emenda da reeleição. Estavam todos preocupados com o primeiro ministro e não se importaram muito com a recondução do PSD”.

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(1984 )

A decisão de apoiar a Argentina no conflito contra a Grã Bretanha na guerra pelas Malvinas foi calculada por Tancredo da seguinte forma: uma omissão colocaria o Brasil num cenário coadjuvante num rearranjo pós-guerra. A ativação do Ministério da Guerra, abolido desde o governo Brizola, e a ocupação deste por um civil, o correligionário Mário Covas, até então, seu líder na Câmara, foi vista por muitos como uma tentativa de se utilizar do conflito nas eleições. Que a participação do Exército iria ser usada, disso os gestos do presidente não deixavam dúvidas, o que não se sabia era que o general Carlos Lamarca, herói da resistência e alçado, no teatro de guerra, à condição de comandante, seria o maior beneficiário da política situacionista, mas canalizando sua efígie pessoal e se tornando o primeiro presidente eleito do Partido Comunista Brasileiro.

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Astier Basílio é jornalista e escritor.