Operação Bleeder: fraudes nas obras hídricas da Paraíba colocam a população em risco

Uso de material de baixa qualidade, em quantidade menor, com especificações alteradas “alimentava” o superfaturamento. “Irregularidades têm o potencial de causar eventos catastróficos no futuro”, diz MPF. 

Operação Bleeder: fraudes nas obras hídricas da Paraíba colocam a população em risco
Construção de Açude Dutra, Pedra Branca-PB. Foto: Reprodução/ Rede Social

O esquema de desvio de recursos públicos federais para construção de mais de 50 açudes e barragens, na Paraíba, identificado pelo Ministério Publico Federal e Controladoria Geral da União, não só revelou um superfaturamento de mais de R$ 8 milhões. Neste momento, a população das cidades beneficiadas pela obras corre riscos.

Isso porque para sangrar os cofres públicos, os acusados de integrar a organização criminosa usavam materiais em desacordo com o especificado para obra, em dimensões e qualidade do serviço;  houve recebimento de serviços sem a comprovação da execução; foram identificadas falhas construtivas e uso de material de baixa qualidade.

“Tudo isso era possível pois a fiscalização da obra, quando não era feita pelo próprio executor, João Feitosa, era realizada por integrantes da própria OCRIM […] Algumas dessas irregularidades têm o potencial de virem a causar eventos catastróficos no futuro, em caso de falha em uma das barragens”, a diz despacho do MPF.

Segundo investigação, nos municípios de Emas-PB, Pedra Branca-PB, Gado Bravo-PB, Ingá-PB e Riachão do Bacamarte-PB quando foi analisada a documentação disponibilizada pelas prefeituras, constatou-se que a Prefeitura não dispõe de documentos que comprovem o atendimento das exigências previstas na Lei nº 12.334/2010 (Política Nacional de Segurança de Barragens).

“Quando da inspeção física da Barragem Riacho do Boi, no município do Emas/PB, foram constatadas diversas falhas construtivas que podem vir a comprometer a segurança da barragem: falhas de compactação e proteção do material utilizado, sistema de calhas drenantes mal executado, falhas na proteção (guias de meio-fio) no coroamento e maciço com presença de vegetação, indicando a utilização de solos com matéria orgânica para a execução
do talude”, exemplificou o documento do MPF.

Os recursos usados foram de convênios do Ministério do Desenvolvimento Regional com as prefeituras.

Algumas inspeções

De acordo com documento, nas inspeções físicas às obras, realizadas pela equipe de fiscalização da CGU, foi constatado que os muros de proteção dos sangradouros dos açudes de Ingá-PB, Gado Bravo- PB e Riachão do Bacamarte-PB não obedeceram aos projeto executivos, haja vista que foram executados com dimensões inferiores às especificadas, tanto em relação a altura, largura e profundidade das escavações.

“Por meio de levantamento “in loco” das alturas, da profundidade e dos comprimentos dos muros construídos para o sangradouro dos açudes de Ingá-PB, Gado Bravo-PB e Riachão do Bacamarte-PB tendo sido constatado um atesto a maior pelos serviços executados no montante de R$ 229.945,05, R$ 61.985,88 e R$ 86.819,15, respectivamente”, detalha.

Em Riachão do Bacamarte

Segundo MPF e CGU, na inspeção realizada em Riachão do Bacamarte-PB, constatou-se que a saída da tomada d’água foi projetada para ser executada após o rock-fill (enrocamento), nas proximidades da cota 284,00m e do centro do leito natural do curso d’água.

Entretanto, segundo auditoria, durante a inspeção física às obras, verificou-se que a saída do tubo da tomada d’água foi posicionada numa cota bem acima da prevista no projeto executivo e antes do rock-fill (enrocamento).

“A alteração tem como consequência o despejo da água sobre o corpo do maciço, caso haja a necessidade de abertura dos registros para a distribuição de água à população situada à jusante do açude. Tal fato não é recomendável, pois a grande vazão na saída do tubo de 300 mm da tomada d’água sobre o açude tende a provocar erosões e causar danos, comprometendo a segurança da estrutura”, alerta os auditores.

Só em três obras: Ingá, Gado Bravo e Riachão do Bacamarte foi identificado um superfaturamento de R$ 2 milhões.

Em resumo: o uso de material de baixa qualidade, em quantidade menor, com especificações alteradas “alimentava” o o desvio e a segurança das obras é colocada em xeque.

O esquema

Toda a movimentação do grupo foi alvo de delação premiada de Ednaldo Medeiros Nunes, preso e condenado no âmbito da Operação Recidiva. Segundo ele, depois do projeto de João Feitosa ser aprovado no Ministério da Integração Nacional, e os recursos da União empenhados para o município, os empresários que emprestariam a fachada da empresa tinham que depositar 10% na conta corrente indicada por ele.

Com a liberação do primeiro repasse federal para o município (normalmente 50% do valor do convênio), mais 10% eram depositados por esses empresários na conta-corrente indicada por João Feitosa.

Ainda segundo o delator, também havia fraude na licitação para beneficiar a empresa que havia depositado as duas parcelas de 10%, inclusive com pagamento de “acordo” (normalmente, 3%) para outros empresários que quisessem concorrer na licitação.

Por ocasião de cada medição, os administradores das “empresas de fachada” recebiam o equivalente a 15% a 20% pelo uso de sua estrutura documental por João Feitosa e para adimplirem os encargos sociais da obra.

Obras e investigados 

O suposto esquema criminoso investigado na Operação Bleeder, deflagrada na manhã desta quinta-feira (18), apura fraude na execução em 53 obras para construção de barragens em 11 municípios paraibanos. Além dessas, outras seis estariam em elaboração de relatório, segundo fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU), e seriam objeto da fraude que envolveria indícios de sobrepreço no volume de R$ 13,3 milhões, dentro desse montante um valor já pago, considerado o superfaturamento, de R$ 8,2 milhões.

O esquema era operacionalizado pelo engenheiro aposentado da Suplan, João Feitosa, apontando pela CGU como projetista, fiscal ou executor dessas obras, no período entre 2013 a 2019. Ele faleceu em abril deste ano, vítima da Covid-19, ficando em seu lugar o filho, segundo o MPF, José Feitosa Filho, e Maxwell Brian, que passaram a disputar espaço com outros três sócios: Ednaldo Medeiros, vulgo “Naldinho”; José Medeiros, vulgo “Caetano”; e Madson Lustosa.

A Justiça proibiu o acesso de investigados por fraudes a 12 prefeituras da Paraíba, mas indeferiu prisões. 

Veja tabela com a lista de obras alvos de investigação

Conversa Política ainda não conseguiu contato com a defesa dos citados. O espaço está aberto para explicações e contra argumentação às acusações do MPF e CGU.