Conversa Política
30 de novembro de 2021
19:30

Ventos regulares e constantes transformam o Sertão paraibano em potência eólica

Investimentos geram emprego, renda e incentivam capacitação profissional de sertanejos. No Litoral Norte, primeiros parques eólicos da Paraíba completam 14 anos com terras de pequenos agricultores e usineiros arrendadas.

Matéria por Laerte Cerqueira e Angélica Nunes

Um problema no coração tirou seu Pedro Inácio, de 63 anos, do trabalho duro no campo. “Quando era no tempo do milho verde, aqui, era uma tranquilidade. Vinha com meu filho pegar milho, feijão”, relembra. Foram mais de três décadas plantando e colhendo, na zona rural de Mataraca, Litoral Norte da Paraíba. Há pelo menos 14 anos, a renda principal do agricultor não vem mais da terra.

Parte da propriedade dele e da família foi arrendada para a instalação de torres de energia eólica, que têm altura de um prédio de 25 andares. Segundo ele, não há impedimentos rigorosos para a plantação e para pecuária.

Se você quiser criar 10, 20 vacas aqui você pode criar. Eles não empatam. Só não quer que bote fogo. Eles falaram que não pode fazer casa mode a fiação que tem, interna, embaixo”, explicou.

Seu Pedro Inácio, de 63 anos, arrendou parte da terra em Mataraca para implantação de torres de geração de energia eólica. Foto: Reprodução TV Cabo Branco/Imagem: Jardel Nunes

Na região, pequenos agricultores e usineiros se beneficiam com uma renda mensal, que vai de R$ 1 mil a R$ 20 mil, dependendo da data em que foi feito o contrato, a quantidade de aerogeradores e de equipamentos nas terras. “Hoje a gente pode comprar um carro, pode pagar, pode comprar fiado, pode fazer qualquer coisa. E todo mundo vende, né? Sabe que vai receber, sabe que vai pagar”, comemora.

Em Mataraca, a principal empresa tem parques com 73 torres. Cada torre tem 17 segmentos de concreto e três de aço. Os cataventos gigantes produzem uma média 62 megawatts (MW), no pico, o suficiente, segundo os técnicos da empresa, para abastecer mais de 100 mil residências.

Cada pá tem 24 metros e, segundo Leandro Alves, diretor de Operações Renováveis da Spic Brasil, empresa que atua em Mataraca, o vento, ao atingi-la, provoca uma ação aerodinâmica que faz com que ela gire. “Essa força mecânica girante, conectada ao eixo de um gerador elétrico, faz a transformação de energia mecânica para energia elétrica. Toda essa energia elétrica produzida no gerador é distribuída, primeiramente, dentro do parque por meio de cabos subterrâneos. Se conectam a uma subestação dentro dos próprios parques. Ali eles são transformados em uma voltagem mais alta e aí são transmitidos para rede”, explicou.

 Parque eólico na zona rural de Mataraca, Litoral Norte da Paraíba. Foto: Reprodução TV Cabo Branco/Imagem Jardel Nunes 

Vento no Sertão

O potencial do vento à beira mar era conhecido. Mas difícil era imaginar que em um local com vegetação seca e sol escaldante, em pleno Sertão, onde de tempos em tempos muitos eram obrigados a deixar suas casas para procurar emprego, renda, depois de perder plantações inteiras, o vento daria outro rumo ao destino de muitos sertanejos.

Seu Luiz Cardoso foi um deles. Ano após ano perdia parte do que plantava por causa da falta de chuva. As dívidas com o banco se acumularam e os mais de 100 hectares iriam para leilão. Mas um pouco antes ele recebeu a proposta: vender o vento que passava pela propriedade.

Em 2008, umas cinco e meia da tarde, quase seis horas, aí Cid (então representante da empresa) chegou. Parou o carro na frente do curral ali, aí ele disse: ‘rapaz eu estou aqui atrás de comprar vento’. Disse: moço eu acho estranho vender vento. Ele disse: – aqui tem vento? Tem. A gente sente ele, mas não vê ele”, explicou.

E continua: “eu nunca pensei em vender. Eu nunca tinha ouvido falar em vender vento, né? Se não fosse esses aerogeradores ninguém morava mais aqui não. É uma região seca. Uma seca braba. Para começar quando cheguei aqui nem água tinha”, desabafou.

Seu Luiz Cardoso estava para perder a terra quando arrendou parte da terra para geração de energia eólica. Foto: Laerte Cerqueira

A renda certa dos cataventos gigantes também ajudou seu Paulo Olegário a se fixar no local. Ele sofria com a “seca de alimentos” que sempre chegava com a estiagem. A chuva, quando vinha, nem sempre garantia boa produção. “A gente ‘tava’ passando por um período muito difícil. A gente ‘tava’ com a terra, mas não tinha como tirar o sustento da terra. Quando veio realmente o contrato, aí todo mundo passou a ganhar seu dinheirinho e já melhorou”, relatou.

Seu Paulo em entrevista a Laerte Cerqueira, em Santa Luzia. Foto: Neguinho Marques

Para o especialista em energia eólica, Cid César, as energias renováveis vieram para ficar, para ajudar as pessoas a terem um complemento seguro na renda. “Não só os arrendantes, mas, sobretudo, cidades circunvizinhas, que puderam ter com a geração de energia, um implemento em melhoria de vida para essas pessoas. Um implemento no comércio e toda a cadeia. Eu costumo chamar cadeia do bem. Você começa desde o processo de regularização fundiária e você entra nas prefeituras com pagamento de tributos e fazendo o que eu chamo de cadeia do bem. Porque você tem toda uma cadeia que vem de uma ponta a outra”, fala empolgado.

Os parques eólicos do Sertão mudaram a paisagem e a economia das cidades de Santa Luzia, São José do Sabugi, Junco do Seridó e Areia de Baraúnas, cidades identificadas como sede de parques, no sistema da Aneel. Só na região, são 10 em operação, de acordo com dados da Agência, em consulta feita dia 04 de novembro. No total, em todo o estado, são 22 parques prontos, em pleno funcionamento. Outros 22, estão sendo construídos. Os dados são do início do mês de novembro.

Na Serra de Santa Luzia passa o que é chamado corredor de vento, identificado no atlas eólico elaborado para medir o potencial de cada região da Paraíba.

No Sertão, já foram investidos, desde 2016, por empresas privadas, cerca de R$ 2,8 bilhões, segundo o governo do estado, incluindo a construção de uma subestação entre Santa Luzia e São Mamede, fundamental para viabilizar os projetos e distribuir a energia.

 Parque eólico entre Santa Luzia e Junco do Seridó. Foto: Reprodução TV Cabo Branco. Imagem: Beto Silva  

Incremento da renda

O comércio sentiu bem a força do vento, que antes só servia para amenizar o calor. A empresária Graciele Batista estava prestes a fechar o depósito de material de construção, em 2016. Já havia pedido para o contador dar baixa, quando recebeu a visita de um investidor. Queria comprar material para iniciar a instalação de equipamentos. “A gente ‘tava’ que pastorando o comércio. A gente ‘tava’ aqui só enganando e lutando para ver se a gente não tirava aqueles dois funcionários e ainda duas famílias que dependia da gente. Parque eólico quando chega na cidade é tudo. Aí foi quando chegou mais clientes”, registrou com orgulho.

Ela lembra que, como não tinha dinheiro circulando, ninguém comprava, os clientes haviam sumido. “Aí começou a construção das pessoas que vivem de alugueis, lanchonete começou a acontecer, restaurante começou a acontecer, o supermercado começou acontecer. Dinheiro quando vai se gerando, tudo vai acontecendo”, explicou.

Para o presidente da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep), Romulo Polari Filho, é a distribuição da riqueza. “E isso para uma cidade como essa que a gente está falando é muito representativo. Se você olhar a matriz de receita é muito impactante”, afirmou. A informalidade e a dependência do poder público perderam espaço. Os empregos com carteira assinada se multiplicaram. De acordo com as empresas, são pelo menos 1.500 na fase de construção dos parques.

O taxista Edilson Alexandre até brinca. Com muitos amigos empregados, sobrou clientes para ele. “Praticamente não tem desemprego aqui. Quem quiser trabalhar de verdade as empresas têm contratado muito. Como tem emprego circula dinheiro. Para quem quer trabalhar aqui eu considero que tá bom”, afirmou.

Empregos perto da família

O vento regular e constante da serra de Santa Luzia trouxe a oportunidade que o administrador Jean Dantas precisava para voltar para casa. Estava desempregado em São Paulo. “Eu estou perto dos meus pais, que voltaram e pra mim era importante voltar. Eu voltei eu casei. Trabalhando aqui, estou prosperando. Só coisa boa […] se não fosse, eu teria voltado de novo para São Paulo“, afirma.

O vento regular e constante da serra de Santa Luzia trouxe a oportunidade que o administrador Jean Dantas precisava para voltar para casa. Foto: Reprodução TV Cabo Branco/Imagem: Jardel Nunes

Muitos, de volta para casa, precisaram se capacitar. O conhecimento usado, imediatamente, também é preparação para o futuro. Iarley Dantas, técnico em segurança do trabalho, está aproveitando. Ele é de Catolé do Rocha e saiu procurando emprego em várias capitais do país. Voltou para região, quando soube que poderia se empregar em uma das empresas que se instalaram na região.

Eu estou aqui na minha região há cinco meses. Pretendo ficar. Área boa, bem valorizada. A gente tem bastante obra para acontecer. Já estão com algumas obras acontecendo, previsão é de dois três anos de obra“, comenta.

Iarley Dantas, técnico em segurança do trabalho, voltou para o sertão quando soube que poderia se empregar em uma das empresas que se instalaram na região. Foto: Reprodução/TV Cabo Branco

A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Elbia Gannoum, destaca que o que se viu historicamente no semiárido foram os filhos saindo de casa, indo para as cidades para buscar emprego. “A chegada dos parques oferece emprego para as famílias e dá condições também às famílias de colocar os seus filhos na escola, porque eles podem então obter esse benefício da renda. Esse é o aspecto familiar. Além disso, a chegada do parque pelo fato de contratar a mão de obra local oferece treinamento, formação que tem ali os seus empregos na região?”, destacou.

Próximas reportagens

Nas próximas reportagens, você vai conhecer mais sobre as usinas solares da Paraíba, os sistemas de energias solar distribuída: vantagens e desvantagens.

E mais, os impactos negativos para o meio ambiente, fauna e flora, impactos sociais e falhas na legislação que podem não garantir um desenvolvimento sustentável das cidades e criar, no campo, os os “filhos dos ventos”. Vai saber ainda o que algumas empresas estão fazendo para diminuir os impactos.

*Em consulta feita em 30.11 e Aneel já registra 25 parques em operação na Paraíba