The Post não é um grande Spielberg, mas como é necessário!

Na redação, há uns bons dez anos, a editora me confessou que nunca tinha ouvido falar em Richard Nixon nem no escândalo de Watergate.

Fiquei surpreso e, com algum humor, fiz o seguinte comentário:

Se não houvesse nenhum outro motivo, haveria pelo menos o fato de que Nixon foi um presidente americano derrubado do cargo por dois “coleguinhas” nossos.

Toda vez que lembro dessa conversa, penso em filmes que os jornalistas deveriam conhecer.

Cidadão Kane, claro!, mas também A Montanha dos Sete Abutres, Rede de Intrigas, Todos os Homens do Presidente e alguns outros.

Agora mesmo, há no mercado brasileiro um box de DVDs da Versátil com filmes agrupados sob o tema Jornalismo no Cinema.

The Post, o novo filme de Steven Spielberg, junta-se a essa lista.

The Post não é um grande Spielberg, mas como é necessário!

Eu tinha uns 14, 15 anos, quando fui ver, no lançamento, o primeiro filme de um jovem cineasta americano.

O filme, Encurralado.

O diretor, Steven Spielberg.

Lembro disso só para dizer que vi o Spielberg de Encurralado e de Louca Escapada antes que o sucesso de Tubarão jogasse um monte de interrogações sobre ele e o seu cinema.

O tempo passou. Uns 45 anos. Mas as interrogações permanecem.

Muitos ainda acham que o seu cinema é excessivamente comercial. É pouco sério. Peca por excesso de sentimentalismo.

Não concordo. Vejo Steven Spielberg como um mestre absoluto do seu ofício.

O problema é que ele faz parte de um grupo de cineastas que filmam muito e, por isso, erram mais.

Como John Ford e Alfred Hitchcock. Ao contrário de Stanley Kubrick ou Quentin Tarantino.

A obra, então, é um vastíssimo conjunto de grandes acertos e pequenos erros.

The Post é um Spielberg muito bom, mesmo que não se compare àquela meia dúzia de obras-primas que realizou.

Oportuno e necessário como contraponto às notícias falsas que abundam nas redes sociais.

Curioso. Vi The Post no mesmo dia em que, num vídeo, o compositor Chico César defendeu a falência das emissoras de televisão e dos jornais brasileiros.

Discordar da linha ideológica de um veículo é uma coisa. Desejar o seu fechamento é outra muito diferente. Pior ainda é ignorar a importância da imprensa que nós temos, do jeito que ela é, com todos os seus defeitos, no nosso tão frágil processo civilizatório.

Há alguns anos, em O Terminal, Spielberg construiu dentro de um aeroporto uma metáfora sobre os medos da América pós 11 de setembro. Fez parecido quando atualizou a ficção de H.G. Wells em A Guerra dos Mundos.

Agora, em The Post, contando uma história do início dos anos 1970 (a publicação de documentos secretos do governo americano), conversa sobre o presente ao exaltar conquistas da grande imprensa que estão ameaçadas tanto pelo terremoto digital quanto pela chegada ao poder de gente como Trump.

A liberdade de imprensa que o mundo conhece não é possível nos regimes autoritários. Só nas democracias (sólidas ou não) do ocidente.

O filme de Spielberg faz uma defesa explícita desse modelo.

Os jornais que ele toma como parâmetros (o Washington Post e o New York Times) são representantes da elite americana tanto quanto são, da elite brasileira, O Globo, o Estadão ou a Folha.

O tema do feminismo, que tantos enxergam, é tratado a partir da herdeira de um grande jornal e não de uma militante de esquerda. Katharine Graham e o editor Ben Bradlee são os personagens centrais da trama.

Robert McNamara é outro personagem importante do filme. O documentário Sob a Névoa da Guerra, de 2003, apresenta McNamara aos que ainda não o conhecem.

Para muitos da minha geração, há algo de melancólico em The Post: um certo romantismo no fazer jornalístico que, por ser anacrônico, devolve o filme à época em que a história se passa.

No final, fica a sugestão: vamos ver (ou rever) Todos os Homens do Presidente?

Vai ser prazeroso juntar Steven Spielberg com Alan Pakula!