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SAÚDE

Luta pela Saúde da Mulher: paraibanas relatam dificuldade para conseguir laqueadura

Publicado em: 28/05/2022 às 14:20 Atualizada em 02/03/2023 às 11:16

Quando precisou pedir autorização de seu marido para fazer uma laqueadura, Joana Darck da Silva se sentiu violada. Esse não foi o primeiro desrespeito que sentiu ao tentar conseguir o procedimento na rede pública de João Pessoa. No Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher, celebrado neste sábado (28), a falta de acesso a direitos reprodutivos garantidos por lei ainda é um desafio para muitas brasileiras.

Eu sou feminista né? E meu marido é um um companheiro bem compreensivo… mas foi bastante invasivo né? Eu me sentia invadida”, disse Joana sobre ter que necessitar da autorização do marido, desabafa

A mulher de 40 anos é mãe de três filhos e conseguiu realizar a laqueadura em novembro de 2020, no Hospital da Polícia Militar General Edson Ramalho, na capital paraibana.

Ela relata muitas dificuldades ao tentar conseguir o procedimento. Era o parto do seu terceiro filho e ela só queria realizar a laqueadura caso não tivesse chances de obter um parto natural.

A autorização precisou ser feita aos sete meses de gestação e foram muitas idas até o hospital, além de horas de espera, até o procedimento ser aceito e depois disso, ainda foram muitas violações sofridas.

Ela já chegou na maternidade em trabalho de parto e desejava ter um filho de forma natural. Porém, com a autorização da laqueadura, os médicos realizaram uma cesariana nela.

Como eu estava em trabalho de parto, eu já estava com a bolsa estourada e também estava com dilatação… daria pra ter esperado um pouco mais pra eu poder ter parto natural. No entanto, como tinha o procedimento (laqueadura) já agendado… não sei se eles ganham mais ou menos por isso; pra poder realizar essa cirurgia. Eles acabaram e eu não aguardei nem meia hora. Eles me mandaram logo (para o centro cirúrgico) porque podia ser que me visse de forma natural”, conta.

Joana relata que depois, não recebeu nenhum tipo de suporte ou apoio emocional. Ela afirma que se arrepende de ter feito o procedimento, por conta de como foi tratada, e não recomenda a nenhuma mulher o mesmo: “Não foi tranquilo, a equipe foi péssima, só o anestesista foi respeitoso. Poderia (dizer) que sofri violência obstétrica. É muito evasivo”.

Conforme a Women’s Global Network for Reproductive Rights, instituição que luta por direitos reprodutivos, reconhecer a saúde e os direitos sexuais é essencial na recuperação pós-pandemia.

Por isso, é necessário comprometer-se com a implementação de políticas que facilitem o acesso a serviços e informações de saúde sexual e reprodutiva, incluindo aborto seguro e e revogação de políticas que criminalizam mulheres e gêneros por fazerem escolhas sobre seus corpos, saúde e vidas.

Um direito muitas vezes negado

Prevista pela Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata sobre planejamento familiar, homens e mulheres maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos podem realizar o ato cirúrgico.

Para mulheres casadas, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges. Já as mulheres solteiras precisam apresentar uma carta assinada por uma testemunha e reconhecida em cartório.

Atualmente, aguarda análise do Senado Federal o projeto de lei 7364/2014, aprovado em março pela Câmara dos Deputados, que revoga a necessidade de autorização do cônjuge para a esterilização voluntária da mulher e baixa para 21 anos a idade mínima para a realização da cirurgia.

O projeto considera que, apesar juridicamente homens e mulheres serem iguais, mulheres não são totalmente livres e independentes para tomar determinadas decisões. “No caso da esterilização, as mulheres continuam atreladas a algum tipo de licença ou anuência do cônjuge, ou outro parente autorizado”, escreveu a autora do PL, a deputada Carmen Zanotto.

O advogado especialista em direito médico, Igor Mascarenhas, explica que apesar da Lei de Planejamento Familiar garantir a esterilização, a própria legislação afirma que o paciente deve ser informado por uma equipe multidisciplinar sobre as consequências do seu ato e além disso, deve ser desencorajado a realizar o ato de esterilização voluntária.

Mulheres, na maior parte das vezes, quando são violentadas em relação ao seu direito por seus maridos que não consentem com o procedimento, são coagidas de forma antiética pela equipe médica, de acordo com Igor.

O advogado ressalta que nesses casos, ao invés da equipe médica fornecer informação, há um processo de transformação da autonomia e da vontade com base no medo.

Essa foi a experiência de Danubia Santos, de 28 anos. Mãe de um filho de um ano, ela afirma que quando tentou fazer o procedimento foi impedida mesmo pela rede particular, por conta da sua idade. Na época com 27 anos, ela teve seu filho na rede pública. “Que também não fez a laqueadura por causa da idade e por só ter um filho”, relata.

Segundo Danubia, até o DIU a equipe se recusou a colocar depois do parto do seu filho. Depois disso, após esperar 90 dias, ela tentou novamente na rede pública, no Instituto Cândida Vargas (ICV) e no Hospital da Polícia Militar General Edson Ramalho em João Pessoa.

Apesar disso, afirma que a burocracia, demora nas consultas e atrasos nos exames também a desestimularam.

Não me deram escolha, desisti. (...) Sinto que minha vontade em relação ao meu corpo, não é realmente minha. Depende de outra pessoa; um sistema que escolhe quem e quando vai ser realizado o procedimento”, desabafa.

				
					Luta pela Saúde da Mulher: paraibanas relatam dificuldade para conseguir laqueadura
Hospital da Polícia Militar General Edson Ramalho, em João Pessoa, onde Joana conseguiu fazer uma laqueadura depois de muita dificuldade. (Foto: Divulgação/Edson Ramalho).

Antes do PL 7364/2014, já havia sido abordado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 5.911/2018, as exigências da Lei do Planejamento Familiar.

De acordo com a ADI, a lei transgride o direito à liberdade, à autonomia do indivíduo e ao planejamento reprodutivo visto que toda mulher deve exercer o direito ao planejamento reprodutivo de forma consciente e livre de qualquer interferência, tanto do Estado como de qualquer outro indivíduo. A ação iria ser julgada em dezembro de 2021, mas ainda aguarda no Supremo Tribunal Federal.

A advogada Barbara Freitas, vê uma uma parcialidade no direito à laqueadura, já que a própria legislação prevê que exista uma equipe para desencorajar o procedimento. O Estado sempre inflige no direito da mulher de diversas formas, através do controle do corpo, conforme ela.

A restrição de direitos, não é só a laqueadura, mas também a dificuldade no acesso de outros métodos contraceptivos; falta de educação sexual e coerção de meninas e mulheres para a reprodução — empecilhos estes atrelados à um conjunto de ideais a respeito do papel da mulher na sociedade, sempre relacionados ao casamento, procriação e vida doméstica —, explica a advogada.

"Existem papéis sociais que são pré-definidos e são definidos pelo conjunto de instituições: pelo Estado, pela Igreja, escola, religião, família (...) então, como é que esse Estado que quer que essa mulher tenha filhos e procrie, vai permitir que ela seja autônoma?", disse.

Conflito ético

Conforme a Secretaria de Estado da Saúde (SES), nos últimos cinco anos a Paraíba realizou 4.916 laqueaduras. Além disso, foram 6.119 partos cesarianos com laqueadura tubária totalizando 11.035 procedimentos de esterilização voluntária em mulheres.

A SES ressalta que dados sobre raça e classe social dessa mulheres não podem ser disponibilizados.


				
					Luta pela Saúde da Mulher: paraibanas relatam dificuldade para conseguir laqueadura

De acordo com a Diretora Técnica do Instituto Cândida Vargas (ICV), Céres Bandeira, no Brasil há um conflito inclusive ético quanto a laqueadura. Segundo ela, a grande maioria das mulheres que ainda fazem esse procedimento são de baixa renda, baixa escolaridade e muitas vezes recorrem a laqueadura por falta de informação a respeito de outros métodos.

"Temos que garantir o direito a laqueadura, mas ao mesmo tempo ofertar a gama de contraceptivos disponíveis para que laqueadura não seja a única, nem a primeira opção", afirma.

O ICV é referência na oferta do serviço de planejamento familiar na capital. A diretora explica que o Instituto tem se modernizado e procura diminuir as barreiras para outros métodos porque, no ponto de vista médico, a laqueadura implica em muitos gastos para a rede pública — já que se trata de uma cirurgia e tem que ter internação hospitalar; uso do bloco cirúrgico e requer o preparo de toda uma equipe médica.


				
					Luta pela Saúde da Mulher: paraibanas relatam dificuldade para conseguir laqueadura

Ela explica: "é um custo muito alto, né? E um DIU é muito mais barato, você faz no ambulatório, não precisa de sedação, não precisa de anestesia, nada disso. É imediato". Por esse motivo, a diretora enxerga da idade mínima para fazer o procedimento — de 25, para 21 anos — como algo que seria positivo: "quanto menor a idade, menor a escolaridade, a renda… a maturidade emocional pra uma decisão dessas", escreve.

Porém, pontua que a queda na autorização do cônjuge é um passo importante na garantia de direitos reprodutivos para mulheres e autonomia feminina.

"Porque inclusive esse termo, planejamento familiar é atrasado, né? Quem tem que decidir a a concepção é a mulher, né? Não é um planejamento familiar, é um planejamento de anticoncepção", disse a diretora.

Formas de acesso

Igor Mascarenhas afirma que apesar da lei prever que a laqueadura seja desencorajada, mulheres não devem ser impedidas de acessar o procedimento.

"Se o profissional (médico) se coloca contra a realização do ato, ele tem o dever de encaminhar esse paciente para um outro médico que não tem essa objeção de consciência ao procedimento", disse.

Apesar disso, ressalta que entre o momento em que o paciente manifesta o interesse e a realização o procedimento através da lei, é necessário o transcurso de sessenta dias. Por isso, seria pouco provável ou pelo menos demonstraria um alto grau de descontrole administrativo que o médico fosse surpreendido com uma cirurgia dessa natureza.

"Esse direito a objeção de consciência em tese ele não é compatível com o lapso temporal previsto na Lei de Planejamento Familiar", conclui.

A Diretora Técnica do ICV diz que a mulher que tem o desejo de realizar o controle da natalidade seja por laqueadura ou por outros métodos contraceptivos, o instituto é uma porta aberta. Ela ressalta que as pacientes não precisam vir por via da regulação estadual ou municipal, podem ir direto no ambulatório da maternidade, sem precisar de agendamento.

No caso da laqueadura, ela explica que a mulher passa por várias etapas: acompanhamento com psicólogo, consulta com a assistência social, exames de obstetrícia e por último, é dado à paciente um laudo para ela preencher com os requisitos legais previstos na Lei de Planejamento Familiar para o procedimento.

Camisinhas, anticoncepcional oral, anticoncepcional injetável mensal ou trimestral e DIU também são ofertados na unidade.

O instituto fica na Avenida Coremas, 865, no bairro de Jaguaribe, em João Pessoa. A apresentação de documentos como RG, CPF, Cartão SUS e Comprovante de Residência são necessários para o atendimento.

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Lara Brito

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