Estudiosos dizem que música de carnaval morreu. Será?

Como minucioso mapeamento da música popular que os brasileiros produziram entre 1901 e 1985, os dois volumes de A Canção no Tempo, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, permitem que a gente acompanhe, ano a ano, a trajetória da música de carnaval. Aliás, o primeiro volume começa logo com Ó Abre Alas, marcha-rancho que Chiquinha Gonzaga compôs em 1899 e que foi sucesso entre 1901 e 1910. Mas a fixação do gênero só se daria a partir de 1917 com a gravação do primeiro samba, Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida. E a partir do final dos anos 1920 é que surgem, em grande quantidade, as músicas de carnaval que conseguiram resistir ao tempo e são lembradas até hoje.

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Na extensa lista, entre 1929 e 1940, estão Jura, Tai, Com que Roupa, O Teu Cabelo Não Nega, Linda Morena, Cidade Maravilhosa, Mamãe Eu Quero, Pastorinhas, Touradas em Madri, Yes, Nós Temos Banana e A Jardineira. Consolidam-se os nomes de Lamartine Babo, Braguinha e Noel Rosa, que morreu sem ver o sucesso da marcha Pastorinhas. Entre 1941 e 1950, temos Alá-Lá-Ô, Aurora, Ai que Saudades de Amélia, Nega do Cabelo DuroAtire a Primeira Pedra, Pirata da Perna de Pau, É Com Esse que Eu Vou, Chiquita Bacana e General da Banda. Nos anos 1950, de Lata d’Água, Maria Candelária e Sassaricando, vemos os primeiros sinais de que a música de carnaval está mudando.

O primeiro volume de A Canção no Tempo termina em 1957, ano em que um frevo pernambucano, e não uma marcha ou um samba do Rio de Janeiro, foi o grande sucesso carnavalesco. É Evocação, “em que Nelson Ferreira recorda velhos carnavais recifenses, citando nominalmente agremiações e personagens lendários da história do frevo”. Mas o livro de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello não trata do frevo, uma das grandes expressões do carnaval brasileiro, porque ele é essencialmente instrumental. Apesar dos formatos de frevo-canção e frevo de bloco, nos quais há letra, os maiores clássicos do gênero (Vassourinhas, Último Dia, Duda no Frevo) são mesmo peças para orquestra.

De 1958 a 1970, A Canção no Tempo destaca Madureira Chorou, Índio Quer Apito, Bigorrilho, Cabeleira do Zezé, Os Cinco Bailes da História do Rio, Tristeza, Máscara Negra e Bandeira Branca. Na década de 1960, em meio à Bossa Nova, à Jovem Guarda e os festivais da canção, a música de carnaval, em seu modelo clássico, entrou em declínio, apesar do jovem Chico Buarque ter produzido um sucesso como a marchinha Noite dos Mascarados. Na avaliação de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, a era da canção carnavalesca começa em 1917 com o samba Pelo Telefone e termina em 1970 com a marcha-rancho Bandeira Branca, que foi também o último sucesso de Dalva de Oliveira.

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Um ano antes do êxito de Bandeira Branca, Caetano Veloso lançara Atrás do Trio Elétrico, chamando a atenção do Brasil para a invenção de Dodô & Osmar – um caminhão em cima do qual os músicos tocavam frevos com guitarras elétricas. Os primeiros trios surgiram no início da década de 1950, mas só se tornaram nacionalmente conhecidos através dos versos de Caetano. A partir dali, a música produzida para a festa de Momo percorreria novos caminhos e nunca mais seria a mesma. O tempo, porém, haverá de mostrar que, no fim da era da canção carnavalesca (como ela é classificada no livro A Canção no Tempo), não foi necessariamente decretada a morte da música de carnaval.