John Lennon estava morto, e eu só chorei ao ouvir Nowhere Man

John Lennon estava morto, e eu só chorei ao ouvir Nowhere Man

Na terça-feira, nove de dezembro de 1980, dia seguinte ao assassinato de John Lennon, passei a tarde trancado no Departamento de Pesquisa de A União, escrevendo o necrológio.

Não havia Internet nem aparelhos de telefonia móvel. Nem ao menos computadores de uso pessoal. Escrevíamos nas máquinas de datilografia. As notícias chegavam através das agências (AP, UPI, AJB) e eram expelidas em rolos de papel por aquelas máquinas barulhentas amontoadas num quartinho no fundo da redação.

Somente três pessoas entraram na sala naquela longa tarde. Luzia, que chefiava a pesquisa, mostrando fotos que poderiam ser utilizadas na edição que preparávamos, o diretor técnico do jornal, nosso mestre Gonzaga Rodrigues, e o compositor Dida Fialho, que estava de passagem e me disse do câncer de Bob Marley.

Quando parei, já era hora do Jornal Nacional. Paramos todos diante do pequeno aparelho de televisão. Nunca vi, ali em A União, uma audiência tão grande para o JN. A Globo errou ao atribuir a John Lennon a autoria de canções do tempo dos Beatles (Yesterday, Let It Be) que foram escritas por Paul McCartney.

Na hora de “descer” o material, o editor, Agnaldo Almeida, optou pela manchete “John Lennon está morto”. Eu queria um título com apelo emocional mais forte, mas o que prevaleceu foi o espírito de concisão dele. O Norte veio com uma manchete inesquecível, de tão ruim: “ESPANTO, RAIVA E PENA NO MUNDO: Assassinado Lennon, dos Beatles”. Nunca descobri o autor.

Fui ao estúdio da Rádio Tabajara para uma conversa ao vivo e voltei para casa a tempo de ver o Jornal da Globo, Eu, meu pai, meu irmão. Eu tinha 21 anos. Meu pai, 44. Meu irmão, 16. Todos chocados e comovidos. Lennon era como se fosse de casa. Querido por todos. O cidadão, com sua postura pública, e o autor de todas aquelas canções. Com nossas distintas percepções, ouvimos seus discos solo intensamente durante toda a década de 1970. John Lennon/Plastic Ono Band, esse aí, em especial.

Nelson Motta e Luiz Carlos Maciel conversaram sobre Lennon. Um grande papo. Nelsinho, gosto muito até hoje. Maciel era um ícone do jornalismo contracultural brasileiro.

Numa das reportagens, uma imagem – não sei o porquê – me tocou bem especialmente: no meio da multidão reunida em frente ao Dakota, o cenário do assassinato, um rapaz carregava no ombro um potente aparelho de som portátil que se usava na época, e a música ouvida era Nowhere Man.

Sim. Nowhere Man. Dos Beatles, do álbum Rubber Soul, de 1965. O “homem de lugar nenhum” da letra desta singelíssima canção de Lennon pode ser como a gente. Não tem um ponto de vista, não sabe para onde está indo.

O rapaz perdido na multidão, o Dakota ao fundo, o aparelho de som no ombro, os sons e os versos de Nowhere Man.

Foi aí que desabei a chorar.