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CULTURA

"O anonimato me salvou"

Em 1995, Chico César aparecia para o Brasil oferecendo os braços abertos a quem vivo fosse.

Publicado em 26/01/2014 às 8:00 | Atualizado em 10/01/2024 às 16:12

Em 1995, Chico César aparecia para o Brasil oferecendo os braços abertos a quem vivo fosse. Na primeira capa, a menção aos "sucessos": 'Mamma Africa', 'À primeira vista', 'Mulher eu sei'. São sons de sim, não contudo. Aos 50 anos, se pudesse escolher uma música de punho para embalar as recordações, não seria nenhuma entre elas. Chico se comove mesmo é com 'Beradêro', a primeira faixa crua e certeira que entrou pelos ouvidos de quem se propôs a receber aquele abraço.

"Foi 'Beradêro' a chave que abriu a minha porta", define. "Foi a primeira canção que eu gravei e fiz questão que ela fosse gravada com muita verdade, sem nenhum acompanhamento, só com a minha voz. Foi a primeira coisa que as pessoas ouviram quando conheceram o meu trabalho. Ela diz muito sobre mim e sobre o Nordeste."

Ele próprio um 'beradêro' ("aquele matuto desconfiado, que fica pelas beiras quando chega numa festa"), Chico conta que a inspiração da canção veio da infância, quando a família, que morava a 4 quilômetros de Catolé do Rocha, ficava observando os vizinhos de localidades mais distantes: "Para nós, eles é que eram os verdadeiros 'beradêros'. Eles andavam mais apressados que nós, porque moravam mais longe."

O menino não imaginava que, décadas depois, a noção geográfica mudaria radicalmente: "Houve um tempo que, para quem era de Catolé, a viagem mais distante que se podia fazer era até Pombal, onde a gente se vacinava contra a meningite", sorri. "Depois que me mudei de Catolé do Rocha para João Pessoa, aos 16 anos, e de João Pessoa para São Paulo, aos 21, minha vida se tornou uma eterna diáspora."

O olhar lampeja diante da proposta de resumir os 50 anos em cinco segundos e uma recordação. "Eu prefiro resumir esses 50 anos em cinco continentes", rebate. "Eu já toquei em todos os continentes e considero que a força que me levou para eles não é uma força minha, mas do afeto, da minha família, das escolas que frequentei, da loja de discos em que eu trabalhei em Catolé. Eu sou só a ponta de uma flecha que foi lançada lá atrás. E uma flecha não se lança sem um arco nem sem um arqueiro."

Entre os parceiros inesquecíveis que cita, Chico se reporta a Escurinho como a um irmão com quem fundou o grupo Ferradura ainda na infância, em Catolé, e desbravou João Pessoa na década de 1980, recebendo um bastão passado das mãos de Pedro Osmar e Paulo Ró (do Jaguaribe Carne).

"Me confundem com Escurinho desde aquela época, até hoje.

Nós já temos um pacto de fingir que um é o outro", teatraliza, imitando o jeito 'maluco' do amigo. "Eu acho que, por a gente ter sido criado junto, um sempre carrega o outro para onde quer que vá."

Quando decidiu deixar temporariamente o grupo de amigos conquistado durante quatro anos morando em João Pessoa, em 1985, já conhecido como jornalista e músico promissor, Chico atravessou uma das fases mais complexas do seu passado: "As pessoas aqui já sabiam quem eu era, aquele moleque circunspecto, que só tocava o violão sentado no banquinho, de cenho franzido. Mas eu era muito jovem pra me engessar naquilo. O meu primeiro desafio foi me reinventar em São Paulo, que me desmantelou e me aniquilou na hora. O anonimato foi a melhor coisa que me aconteceu."

Chico voltou a morar na Paraíba já um artista consagrado, depois que surgiu o convite para assumir a gestão da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), em 2009. O primeiro Secretário de Cultura da Paraíba (posto que assumiu em 2011) relata que estranham o seu retorno à terra natal "depois da fama".

"É como se você não tivesse o direito de voltar, como se o caminho fosse só de ida e não uma espiral, como tudo na vida", reflete, acrescentando que sente saudades de se apresentar em João Pessoa e que a última aparição artística na capital, em um show beneficente no Centro Cultural Piollin, ano passado, foi "a melhor da carreira": "Ali eu senti a verdadeira integração artista-público. É diferente o diálogo que você estabelece com a sua família."

Exercitando o olhar para o futuro, para os próximos 50 anos, Chico esboça poucas ambições: "Sempre precisei de muito pouco. Eu não preciso de um Camaro amarelo para ser feliz". E continua, com bom humor: "Tenho o desejo de ter bastante vida pela frente para fazer música."

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Jornal da Paraíba

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