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ECONOMIA

Opinião: Marchinhas do “Carnaval tributário”

Advogada comenta as diferentes propostas de reforma tributária que estão tramitando.

Publicado em 26/09/2020 às 7:00 | Atualizado em 26/09/2020 às 13:41


                                        
                                            Opinião: Marchinhas do “Carnaval tributário”

				
					Opinião: Marchinhas do “Carnaval tributário”

A ideia de um imposto único sobre o consumo não é nova – desde os anos 1980, estuda-se a implantação deste modelo de tributação no Brasil, já adotado em diversos países. Tradicionalmente, desde a Constituição de 1946, tem-se o IVA tripartido, a prever o IVC – Imposto sobre Vendas e Consignações, o Imposto sobre Consumo e Imposto sobre indústrias e profissões, precursores, respectivamente, do ICMS, IPI e ISSQN. Sedimentou-se uma forte tributação sobre o consumo, o que se intensificou com a Constituição Federal de 1988, por meio da fixação de diversas contribuições, a se destacar, aqui, o PIS e a COFINS.

O IBS proposto pela PEC 45/2019, em trâmite na Câmara dos Deputados, traz a junção de cinco tributos – ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI - com o objetivo de criar um imposto geral sobre o consumo que deve ser apenas arrecadado para financiar a despesa governamental, sendo o mais simples possível, devendo os objetivos de políticas públicas serem alcançados de forma mais eficiente, por meio de outros instrumentos.

A PEC 110/2019, que tramita no Senado, vai mais além, a extinguir nove tributos, para formação do IBS: IPI, PIS, Pasep, COFINS, ICMS, ISS, IOF, Salário educação, CIDE-combustível. Ainda, incorpora a CSLL ao Imposto de Renda e confere à União a competência para instituir o ITCMD – Imposto Sobre Transferência Causa Mortis e doações (o que, conforme se pontuará mais adiante, também implica redução da autonomia dos Municípios e Estados).

Por outro lado, o Governo encaminhou proposta de CBS – Contribuição Sobre Operações com Bens e Serviços, via Projeto de Lei de nº 3887/2020, que se propõe a unificar o PIS e a COFINS, duas contribuições de legislação sabidamente caótica. Com efeito, o projeto inicia de forma a simplificar a base de cálculo do tributo, ao remetê-la à equação fácil e mais objetiva da noção de receita, a trata-la como produto das atividades da empresa, seja de prestação de serviços ou de venda de mercadorias, na forma do art. 12 do Decreto-lei 1598/77

As três propostas buscam simplificar o sistema tributário brasileiro, largamente conhecido por sua grande quantidade de normas, que se multiplicam dentro dos regimes de tributação adotados e das especificidades dos variados seguimentos econômicos. O que, aparentemente, poderia tornar o sistema mais justo, por se aproximar, em tese, de situações economicamente mais concretas e corrigir desigualdades, termina por acentuá-las.

Em meados dos anos 1990, Alfredo Becker cunhou a expressão “carnaval tributário”, para designar a (des)organização do sistema. A racionalização e simplificação se tornaram o solo de uma terra prometida, ao ponto de, agora, fazerem-se as notas mais importantes da reforma idealizada e condensada na ideia de uma contribuição ou imposto único, supostamente neutro, objetivo, transparente, a ignorar as ideias de progressividade e justiça fiscal.

Claramente, pela vasta quantidade de leis, o contribuinte é, diuturnamente, instado a se certificar se está a pagar o tributo certo e da maneira certa, o que lhe gera custo, engessamento e não permite que sua atividade econômica flua no melhor ritmo. De conclusão se saca que a quantidade de tributos e, pior, de fatos geradores em cada um deles, causa violenta insegurança jurídica, além de atentar contra o postulado da estrita legalidade.

As referidas tensões não são recentes e surgiram com a própria ideia do IVA tripartido, já na Constituição de 1946, repetido na Emenda Constitucional 18/65 e com a competência alargada para os Municípios, na Constituição Federal de 1988, que lhes conferiu o atributo de entes federados. Diversos são os precedentes do STF no sentido de esmaecer os conflitos de competência entre as exações incidentes sobre o consumo e, mesmo ante circunstância pacificada, as colisões se repetem.

O novo tributo exsurge nesse cenário antigo de conflito federativo, desencadeado pela existência de bases similares e que acabam por se sobrepor, mas, igualmente, sem se propor a resolvê-lo – ao contrário, há vasta discussão se as propostas não o aumentarão. Essa é uma das maiores críticas que se faz ao imposto único: conquanto tenha por finalidade findar tais intrigas, traz imensa concentração de poder nas mãos da União. De um lado, pode-se dizer pela impossibilidade de sua instituição, vez que, num primeiro olhar, atenta contra cláusula pétrea, constante do art. 60, §4º, I, da CF/88, que afasta a possibilidade emenda à Constituição cujo objeto tenda a abolir a forma federativa de Estado.

Já existe uma distorção federativa no sentido de concentração de receitas e competências nas mãos da União – com o imposto único, esta circunstância será acentuada, a não ser que as regras de repasse garantam que as necessidades dos entes federativos sejam efetivadas, a promover o cumprimento das obrigações constitucionalmente previstas para cada um (situação pouco confiável, dado o conhecido histórico de restrição de autonomia para com Estados e Municípios).

A proposta desburocratizante peca por não corrigir o problema da desigualdade causada por uma tributação regressiva. E é a justiça fiscal que sempre se buscou quando das diversas propostas de reformas, desde o governo FHC, até hoje (o que se verificou, nesta época, foi, justamente, o que agora se teme: concentração ampla do produto da arrecadação das mãos da União). A ressureição da(s) reforma(s) é absolutamente omissa, como as demais, no tocante ao essencial, que é tornar o sistema progressivo, com, por exemplo, tributação sobre ganho de capital, mais forte sobre patrimônio e renda. A não resolução desses problemas e – pior – o incremento de privilégios para instituições financeiras (como se vê na proposta da CBS) e outros seguimentos de mercado mais privilegiados está em posição diametralmente oposta à ideia de justiça fiscal.

Os conflitos contínuos entre Fisco e contribuinte, a insegurança jurídica, multiplicidade de normas, a gerar tensões e confusões sobre as materialidades postas, pouca transparência e grave complexidade do sistema são apenas algumas notas do “carnaval tributário” traçado por Becker. Por isso, a ideia de descomplexificar se tornou tão sedutora, ao ponto de se tornar a própria bandeira desta reforma. Mas, como diz o brocardo, para todo problema complexo, há uma solução simples e errada.

A pretensão de solucionar a complexidade não pode esquecer outras dificuldades. Em suma, a tributação permanecerá regressiva, de modo que, em linhas gerais, pode-se dizer que o imposto único já nasce eivado de inconstitucionalidades, pois, na ânsia por simplificar, acaba por trazer um desenho complexo, retalhado, lento, duvidoso e nada justo, a agravar a regressividade e, por conseguinte, a desigualdade, que há tanto tempo e mais que nunca, precisa ser observada, discutida e combatida. É possível que, por isso, a reforma que de agora tanto se fala, talvez nunca saia dos três papeis. E com toda razão.

* Myriam Pires Benevides Gadelha é advogada tributarista e diretora fundadora do Instituto de Pesquisas Fiscais

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Jhonathan Oliveira

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