ECONOMIA
Opinião: Reforma tributária ou redecoração?
Advogada Myriam Gadelha analisa a aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados.
Publicado em 04/09/2021 às 10:41 | Atualizado em 04/09/2021 às 10:51
De 2018 para cá, os debates sobre a reforma tributária se intensificaram, em razão da tramitação das Propostas de Emenda à Constituição de nº 45 e 110. Longe de trazer uma realidade ideal e enfrentar, efetivamente, os problemas do nosso conhecido e confuso sistema de taxação, especialmente por conferir mais foco à simplificação do que à regressividade, ainda contava, com alguma inovação, como o IVA, que poderia, no curso do processo legislativo, ser melhorado.
No meio de um cenário político pouco dialógico, no lugar de se dar andamento pelo menos aos debates que envolviam as propostas mencionadas, a Câmara dos Deputados, enquanto muitos, literalmente, dormiam, aprovou o Projeto de Lei 2337/21, chamado segunda fase da reforma tributária, mas que, em verdade, apenas promove mudanças em algumas regras no Imposto de Renda. Não se trata, assim, de uma reforma, mas de uma simples redecoração, longe de combater as principais distorções até mesmo do próprio tributo.
A revisão da tabela do imposto (que não é reforma, é obrigação) para as pessoas físicas sempre é bem-vinda, até porque está defasada há anos. No entanto, mais uma vez , a timidez se impôs, elevando a faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.500,00 – uma correção ínfima, sobretudo frente a uma inflação que periga chegar a dois dígitos.
Na mesma banda, ainda se colocou no mesmo patamar pessoas que ganham mais de R$ 5.300,00: recebendo-se isto ou um milhão de reais, pouco importa, todos se submeterão à alíquota de 27,5%, a mais alta da tabela. Outra vez, nada de novo no front. Mantem-se, à revelia da Constituição, a violação dos princípios da isonomia capacidade contributiva, dois versos da mesma medalha, a garantir não seja estabelecido tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente e que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica de cada um. Raramente se verifica possível.
A tributação de lucros e dividendos, cobertos por isenção desde 1995 e forte bandeira do campo progressista, poderia, em tese, revelar-se como uma vitória. O texto-base previa a taxação de 20% sobre as parcelas dos lucros distribuídos aos sócios, sendo, ao cabo, aprovado o PL com alíquota de 15% , isenção para empresas do Simples Nacional e do lucro presumido com faturamento de até R$ 4,8 milhões e os repartidos entre integrantes do mesmo grupo econômico, por entidades de previdência complementar e por incorporadoras imobiliárias submetidas ao RET – regime especial de tributação, via patrimônio de afetação – uma exceção nunca é demais.
A redução da alíquota do IRPJ de 15% para 8% e da CSLL de 9% para 8% pode parecer animadora. A primeira, contudo, passou longe de pensar nos reflexos que incidirão sobre a repartição entre Estados e Municípios, que recebem um percentual sobre a arrecadação do tributo. Segundo algumas instituições, estes entes subnacionais podem perder até 27,4 bilhões. Ainda, é de se atentar que grande parte das reduções foram subsidiadas pela revogação de benefícios vinculados ao PIS/COFINS que podem, inclusive, desaguar no fim da desoneração de benefícios também de ICMS.
De tudo, o que se vê é que a chamada segunda etapa da reforma tributária nada mais é o que uma redecoração, passada sob o manto do “melhor isso do que nada”, a enfrentar uma minúscula parte do problema em nível federal e que, certamente (e tomara), sofrerá grande resistência no Senado, podendo nem ser aprovada. Não se nega que o Imposto de Renda é, realmente, um problema, mas o grande consenso é que o problema em nossa tributação reside efetivamente no consumo.
Reforma seria uma mudança ampla no nosso sistema de tributação, tão ampla e consistente que nem mesmo as propostas à Constituição que vinham sendo discutidas conseguiam abarcar. Ainda assim, ali se via alguma reforma, no correto sentido da palavra. Chamar de reforma uma redecoração em um único tributo, por mais importante que ele seja, e ignorar o chamado urgente por um sistema mais simples e progressivo deixa claro que colocaram alguns enfeites na sala, para desviar a atenção da imensa rachadura na fundação.
*Myriam Gadelha é advogada tributarista e membro do Instituto de Pesquisas Fiscais.
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