Apesar do dia 13 de maio de 1888 marcar a abolição da escravatura e enfim a população escravizada poder se considerar livre daquele sistema exploratório, novas formas de desumanização e manutenção de desigualdades foram estabelecidas, além da permanência de discriminações. A Professora Doutora Solange da Rocha e o Professor Doutor Lucian Souza, historiadoresfalaram ao JORNAL DA PARAÍBA sobre processos, legados e impacto da abolição da escravatura no país.
Desigualdades pós-abolição da escravatura
O período pós-abolição da escravatura foi marcado pelo afastamento de pessoas negras, com poucas oportunidades de integração na sociedade. As mudanças expressivas ocorreram recentemente, com a redemocratização do Brasil.
As lutas sociais de ativistas negros e seus aliados foram importantes na elaboração da Constituição de 1988, quando se aprovou a criminalização do racismo. No ano seguinte, foi sancionada a Lei l7.716/1989, conhecida como Lei Caó, que definiu os crimes de discriminação de “raça” ou de “cor”, etnia, religião ou procedência nacional.
Em 2023, o presidente Lula assinou uma normativa legal, em que houve tipificação do crime de racismo como injúria racial, com pena de dois a cinco anos de reclusão. Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo.
Segundo os historiadores, os avanços mais significativos ocorreram somente no fim do século XX e se intensificaram nas primeiras décadas do século seguinte, como a criação do Grupo Interministerial com a finalidade de desenvolver políticas e programas para enfrentamento do racismo.
No início do século XXI, houve a ampliação de programas como as políticas temporárias de ações afirmativas (educação e trabalho) e políticas de Estado, com a Lei Educacional Universal, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com a inclusão da obrigatoriedade da História da África e da Cultura Afro-brasileira.
Em 2010, o poder público aprovou o Estatuto da Igualdade Racial. Atualmente, pode ser considerado o principal instrumento com normas para enfrentamento aos racismos e construção de oportunidades para a garantia de direitos da população negra.
Apesar dos avanços, os historiadores destacam o predomínio de desigualdades sociais e econômicas da população negra. As violências que atingem adolescentes e jovens continuam a crescer, as desigualdades na saúde e na educação também atingem fortemente as pessoas negras.
Em relação ao mundo do trabalho, a maioria de mulheres e homens está exercendo atividades na informalidade e há inúmeras denúncias de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Em síntese, nós, pessoas negras, continuamos nas estatísticas oficiais com os piores indicadores sociais, assinalando que, após 135 do fim da escravidão, a população negra brasileira ainda não conquistou o pleno respeito e direitos sociais básicos, enfim, persiste uma cidadania republicana inconclusa.
Principais símbolos da luta pela liberdade no Brasil
Para os historiadores Solange e Lucian, os símbolos da luta pela liberdade no Brasil são as formações dos quilombos. No Brasil são cerca de 4 mil comunidades remanescentes de quilombo. Na Paraíba são conhecidas cerca de 39 comunidades com população quilombola nas três regiões do estado. Como Caiana dos Crioulos e Grilo (agreste), Paratibe, Gurugi e Ipiranga (litoral) e Talhado e Livramento (sertão).
Segundo eles, ativistas negros e antirracistas concordam que o maior símbolo da resistência contra o sistema escravista foi a formação do maior quilombo das Américas, o de Palmares, localizado na Serra da Barriga, então capitania de Pernambuco e nos dias de hoje é uma área do estado de Alagoas.
Esse refúgio de crianças, homens e mulheres escravizados representa a luta coletiva grupos oprimidos contra o projeto colonial dos portugueses. Uma complexa organização sociopolítica e econômica que assegurou a permanência desse reduto de protesto por dezenas de anos.
Zumbi dos Palmares
Zumbi foi o líder de maior destaque durante a existência do quilombo de Palmares, estando na liderança entre 1678 e 1694. Durante esse período houve um aumento de expedições coloniais para destruir o símbolo de oposição aos interesses dos europeus. Em 1695, Zumbi foi emboscado e morto por um integrante da expedição de bandeirantes.
Oliveira Silveira e Grupo Palmares
O poeta e ativista negro, Oliveira Silveira e o coletivo foi formado em 1971, em Porto Alegre - RS, questionavam o 13 de maio e passaram a valorizar o dia 20 de novembro, assim, mostrando um novo modo de pensar a história da população negra no Brasil. Atualmente durante o “Novembro Negro”, variados segmentos e instituições da sociedade brasileira refletem sobre as desigualdades raciais através de atividades e debates.
Clóvis Moura
Intelectual negro, autor do livro “Rebeliões de Senzala”, mapeou e descreveu os quilombos existentes no Brasil na época da escravização. Os estudos de Clóvis foram contrários às perspectivas de Casa-Grande e Senzala, livro de Gilberto Freyre, que fala de uma suposta existência de “democracia racial”, visão que ainda prevalece nas relações sociais brasileiras, apesar das extremas desigualdades sociais e da permanência de práticas racistas no país.
Ainda hoje, após 135 anos da extinção do escravismo, os quilombolas ressignificaram seus espaços e lutam por direitos definitivos da posse das suas terras. Ou seja, há avanços, como reconhecimento oficial, mas as demandas por direitos continuam na agenda antirracista.
Abolição da escravatura no Brasil: há o que comemorar?
De acordo com os historiadores e ativistas, Solange e Lucian, a abolição da escravatura no 13 de maio de 1888 marcou o fim da institucionalização do regime escravista. Oficialmente, o Estado brasileiro acabou com a posse e exploração do trabalho de pessoas escravizadas.
Solange e Lucian afirmam que muitas pessoas lutaram contra o escravismo e o 13 de maio é um legado daqueles que enfrentaram o sistema, como os quilombolas. "Também de pessoas escravizadas que buscaram outras maneiras de sobreviver o escravismo, como a conquista da liberdade por intermédio da obtenção da carta de alforria, formação de espaços de solidariedade racial, insurreições rurais e urbanas”, explicam.
A abolição da escravatura também reuniu diversos segmentos da sociedade do século XIX, formando o primeiro movimento social no país, o abolicionismo. O movimento teve êxito com a finalização da escravidão em 1888, pois os conservadores das elites buscavam alongar tal regime até o século XX.
Atualmente, movimentos sociais negros ressignificaram o 13 de maio como dia de luta, sendo o Dia Nacional da Denúncia contra o Racismo. “Portanto, mantém-se o legado histórico de nossas e nossos antepassados, incluindo a defesa de justiça social e equidade sociorracial”, finalizam os estudiosos.