Alhandra, localizada a aproximadamente 40 km de João Pessoa, na Paraíba, é conhecida economicamente pelo cultivo da cana-de-açúcar. No entanto, existe outro fator que faz o nome da cidade ser citado nacionalmente: a tradição da Jurema Sagrada paraibana. Neste sábado (18), seguidores e simpatizantes da religião estarão reunidos no Encontro de Juremeiros e Benzedores que acontece em sua décima segunda edição, a partir das 12h.
Da PB-034, é possível avistar uma pequena capela, de nome São João Batista. A igreja está localizada no sítio do Acais, local que está diretamente ligado ao título de berço da jurema que Alhandra carrega.
Na propriedade que é tombada pelo Iphaep desde o ano de 2009, morou e atuou religiosamente a mestra Maria Eugênia Gonçalves Guimarães, conhecida como Maria do Acais, de origem indígena, cuja fama de juremeira alcançou até outros estados.
Pai Beto de Xangô, pai de santo que participou ativamente do tombamento das terras do Acais, explicou a importância de Maria do Acais para a jurema sagrada.
Foi através da popularidade dela, a construção da igreja, o zelo que tinha pelas terras, pelo poder da força de trabalhar, de incorporar, de curar, que foi popularizando o nome da jurema sagrada aqui na Paraíba”.
De acordo com a obra do pesquisador Sandro Guimarães de Salles, por volta de 1910, Maria do Acais herdou as terras de sua tia, também conhecida como Maria do Acais (a primeira). Ali viveu com a família e se dedicou a realizar cultos de jurema, que logo se espalharam por sua maestria.
Raiz indígena da Jurema Sagrada
Desde a época da colonização, há registros do uso da jurema pelos indígenas. O pesquisador Sandro Guimarães de Salles cita em sua obra uma descoberta de Câmara Cascudo de um relato de 1758, sobre um indígena da aldeia Mepibu, no Rio Grande do Norte, que teria sido preso por ter feito “adjunto de jurema”.
Para os juremeiros, a jurema, especialmente a jurema preta, é considerada uma planta sagrada, cujas folhas e cascas são utilizadas como fumo, em banhos energéticos e na bebida que é considerada um caminho para a conexão com os ancestrais.
Durante os cultos de jurema também é utilizado o maracá, instrumento musical indígena cujo toque é capaz de chamar os encantados.
Como são os cultos da Jurema
Existem três formas de culto à Jurema: jurema de chão, gira de jurema e jurema de mesa. O primeiro, considerado o mais antigo e tradicional, é feito com os discípulos sentados em círculo. Antigamente, era realizado em regiões de matas com os médiuns ajoelhados no chão, como documentou Mário de Andrade em suas missões folclóricas, em João Pessoa, no ano de 1938. É possível conferir um registro de jurema de chão a partir do minuto 13:26.
As juremas de mesa, como o nome já oferece uma ideia, são um reflexo da influência espírita e das sessões de mesa branca. Já as giras de jurema são um marco da influência da fé afro-brasileira, como o Candomblé e a Umbanda.
Em todos os cultos de jurema, os juremeiros cantam e invocam as energias dos encantados, que são entidades indígenas, como caboclos, caboclas e pajés, e para os mestres, espíritos de encantados que foram catimbozeiros e benzedores.
Quem são os mestres da jurema
A palavra ‘catimbozeiro’, por vezes utilizada de forma pejorativa por intolerantes religiosos, é para os juremeiros alguém que sabe retirar da natureza o necessário para ajudar outras pessoas, por meio da cura e do auxílio espiritual em áreas diversas. Portanto, quando se fala que os mestres da jurema foram catimbozeiros, significa que tiveram esse conhecimento em vida, como detalhou Pai Beto de Xangô.
“A jurema de mestres se refere àqueles que estiveram no plano material, que tinham conhecimento, sabiam tirar da natureza tudo o que era necessário para ajudar o ser humano, já que a medicina era escassa. Então quando recebe o nome de mestre são mestres do conhecimento. Depois que se encantam, dentro da Jurema Sagrada, eles retornam na encantaria para continuar seus trabalhos espirituais e compartilhar conhecimento”.
Outras influências
Além da raiz indígena e elementos da fé afro-brasileira, a Jurema Sagrada traz influências que vão desdo sincretismo com a igreja católica, passando pela bruxaria europeia e tradições do povo cigano. Essa mistura é um provável reflexo das diferentes culturas que conviveram no Brasil a partir da colonização.
Encontro de juremeiros
Neste sábado (18), a partir das 12h, acontece em Alhandra o XII Encontro de Juremeiros e Benzedores. O evento, que é promovido pela Federação Cultural Paraibana de Umbanda, Candomblé e Jurema (FCPumcanju), contará com momentos formativos, culturais e sagrados.
A programação começa no Centro Social Gilberto Valério, ao lado da Câmara Municipal de Alhandra. Entre os destaques, estão uma mesa de diálogo com autoridades sobre o combate à intolerância religiosa na Paraíba, Toré Indígena Potiguara, bem como apresentações culturais de Presto do Coco, Maracatu Nação Filhos de Seu Zé e Maracatu Nação Pé de Elefante.
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Já na parte sagrada do evento, haverá uma Procissão dos Encantados, que sairá do Templo 12 Reinados, na Rua Claudionor Falsar, 217, e percorrerá as ruas de Alhandra até o Reino do Bom Florar, na Rua do Oiteiro, onde haverá um toque de Jurema.
Confira a programação completa
12h - Credenciamento
13h - Mesa de diálogo com autoridades e líderes religiosos
13h45 - Projeto sociocultural Semeando Caminhos
14h - Entrega da Comenda Saravá
14h15 - Toré Indígena Potiguara
14h35 - Presto do Coco e convidados
14h55 - Maracatu Nação Filhos de Seu Zé
15h15 - Intervalo
15h30 - Concentração para a Procissão dos Encantados
16h - Procissão dos Encantados
17h - Maracatu Nação Pé de Elefante
17h30 - Toque de jurema
19h30 - Encerramento