O sol que nasce forte e extrovertido desperta a potência de todos os recantos nordestinos, e na equipe da organização social Pisada do Sertão, a vontade de tornar uma das regiões mais estigmatizadas do país um território fértil e rico em possibilidades, oportunidades, escolhas e autonomia.
E é motivada por esses fatores que Tamara Dantas salta da cama a cada novo dia com mais esperança de fazer sempre algo mais para impactar outras vidas. Aos 37 anos, ela agora é um agente de transformação, enquanto integra o time de comunicação da entidade. Mas há alguns anos já esteve na outra ponta, era educanda da instituição. Ela é exemplo genuíno de um trabalhado que o caminho o destino de quem nele pisa.
Eu sou um fruto que começou na organização há 16 anos. Reconheci a minha identidade sertaneja, nordestina, fui potencializando e construindo meu projeto de vida. Foi a partir desse trabalho que consegui enxergar o meu futuro.
Por falar em horizonte, Ruben Rodrigues, de 20 anos, agora consegue se enxergar com afeto em um que lhe agrada e já começou a se estruturar no presente. Ainda estudante de um curso oferecido pela Pisada do Sertão em pareceria com a Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (Abric), ele foi recrutado para estagiar em uma empresa de programação e depois passou a trabalhar como assistente de dados.
Eu literalmente mudei de vida. A pisada do Sertão teve um papel gigante nisso. Eu imaginava meu futuro fora daqui porque aqui não tinha oportunidade. Agora eu posso dizer que tenho perspectiva de carreira, de crescimento pessoal e profissional também.
Ruben contou que chegou até a organização pela popularidade dela no município de pouco mais de 4.300 habitantes. Como tinha muitos amigos atendidos no local, pediu para que a mãe o inscrevesse em 2018, quando tinha 16 anos. Tímido, ele garante que viveu experiências que contribuiu para seu desenvolvimento pessoal e interpessoal.
E foi muito além disso. Além de trabalhar com o que gosta, também faz faculdade de Ciência de Dados e vê o Sertão virando um mar de oportunidades pela frente.
Se as pisadas de Ruben não tivessem cruzado com as da organização, o assistente de dados poderia ser um dos milhares de protagonistas da realidade de desigualdade social que assola o país. A última Síntese de Indicadores Sociais, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 2 de dezembro, aponta que entre os jovens de 15 a 29 anos de idade na Paraíba, aproximadamente 35,1% não estudavam, nem trabalhavam no ano de 2021. Essa é a quarta maior proporção do indicador em todo o Brasil, que alcançou uma taxa de 25,8% de jovens sem ocupação.
Ainda conforme o levantamento, dos 339 mil jovens nessa condição, cerca de 25,9% estavam na força de trabalho, mas desocupados. Isso significa que eles tinham tomado alguma providência para procurar uma ocupação, mas não encontraram oportunidades.
Tamara, que lembra de Ruben com rapidez que o carinho lhe toca o coração, não imagina receber uma recompensa maior e melhor pelas horas de trabalho a fio do que a mudança de vida dele e de tantos outros jovens.
Felicidade é quando a pessoa sai da realidade social de extrema pobreza e começa a construir uma nova história com qualidade de vida e direitos garantidos. Quando a gente vê que nosso território está fluindo, que as sementes germinaram e estão crescendo. É aqui que eu me realizo como pessoa, ser humano, cidadã e profissional.
Desenvolvendo pessoas para transformar o mundo
A Pisada do Sertão é uma organização da sociedade civil, fundada há 18 anos, no município de Poço de José de Moura, no Sertão da Paraíba. Em 2017 começou a ampliar as atividades, chegando a atender mais 16 cidades paraibanas e também do Ceará e Rio Grande do Norte no ano de 2022.
Quando foi instituída no ano de 2004, em Poço de José de Moura, a organização nasceu de um trabalho cultural de dança. Pouco tempo depois, seus idealizadores perceberam que era possível fazer o trabalho de modo mais integral, partindo para os segmentos de educação e capacitação profissional.
A Pisada do Sertão atende crianças, adolescentes, jovens e suas famílias. São 376 educandos somente em Poço de José de Moura, onde a sede funciona. A criança começa a ser atendida a partir dos 5 anos idade com atividades educacionais, esportivas, culturais e também alimentação. Já aos 15, o educando recebe formação na área de cultura ou qualificação profissional, conforme escolher.
As oficinas para crianças e adolescentes são fixas e acontecem durante a semana inteira. Os cursos de formação profissional, por outro lado, são eventuais. Mas sempre com inscrições abertas, também são atividades contínuas.
Nossa missão é tornar esse Sertão nordestino um território de oportunidades para todos. Que o jovem não precise sair daqui pra ir para São Paulo buscando uma melhor qualidade de vida. Se isso acontecer que seja uma escolha e não a única opção. Fazemos com que os jovens construam aqui as suas oportunidades.
O esforço tem gerado resultado, conforme indica os levantamentos da própria instituição. Neste ano, mais de 80 pessoas foram inseridas no mercado de trabalho, seja com vínculos via CLT ou como empreendedores, eu até geraram novos empregos para a região.
O trabalho funciona alicerçado em uma rede de apoio entre a sociedade civil organizada e o poder público. Acontece que a Pisada do Sertão conta a ajuda de órgãos como secretarias municipais de educação, cultura e assistência social, que se reúnem mensalmente, para fazer um mapeamento e identificar quem precisa participar das ações. Além de receber essa demanda, também é feita uma busca ativa pelos futuros educandos. O objetivo é fortalecer esses laços com mais gente para essa conta, que só soma e multiplica.
No geral, as atividades são destinadas para crianças, jovens e adultos que estejam em uma situação considerada como vulnerabilidade social, como é o caso das doações de botijões de gás de cozinha, que estão na terceira etapa, coma entrega do produto a 800 famílias.
Nesses casos, é feita uma pesquisa com os parceiros e a partir do cadastro das famílias, o setor social faz a visita e uma análise do perfil das famílias, com rendas de até R$ 400 por pessoa.
Em todo o estado, segundo os dados mais recentes do IBGE, 629,7 mil pessoas, que correspondem a 15,6% da população paraibana, viviam em situação considerada como de extrema pobreza em 2021, com renda domiciliar menor que R$ 169. Essa proporção é a mais alta desde 2012, e representa piora em comparação com a observada em 2020, que era de 8,9%. O percentual paraibano ainda ficou acima da média nacional, de 8,4%, mas um pouco abaixo da do Nordeste, de 16,5%.
Além disso, 47,4% da população do estado estavam abaixo da linha de pobreza, com rendimento domiciliar menor que R$ 489. Essa proporção também foi superior à média do Brasil, de 29,4%, só que um pouco inferior à da região, de 48,7%.
O IBGE também indica que em um cenário hipotético, sem o pagamento de benefícios de programas sociais governamentais, a taxa de pessoas que estariam em situação de extrema pobreza na Paraíba passaria a abarcar quase 24,3% da população.
Ainda segundo a pesquisa, em 2021, a Paraíba era a 7ª unidade da federação mais desigual do país, com Índice de Gini de 0,562, superior às médias nacional, de 0,544, e regional, de 0,556. O indicador varia de zero, que representa a perfeita igualdade, até um, que aponta para a desigualdade máxima. Esse foi o valor mais alto já atingido em 10 anos.
Como muitas das famílias atendidas mal conseguem colocar comida na mesa, a recompensa para a organização é saber que funciona como um norte para novas chances e sonhos.
Trabalhamos pra que elas consigam vislumbrar o futuro, fazer com que elas sejam as responsáveis, as protagonistas de suas histórias. Pra que elas possam sonhar e buscar realizar, saber por onde começar.
As várias formas de doar e como elas impactam vidas
Atualmente, 80% dos recursos para manutenção da organização são obtidos por meio de editais de financiamento lançados por instituições financeiras, sociais e filantrópicas. Para conseguir esses aportes, a Pisada do Sertão possui uma equipe exclusiva voltada para a elaboração dos projetos apresentados às entidades financiadoras.
Assim, cada instituição financia a execução de uma atividade diferente. Isso possibilita que todos os programas cheguem a diversos municípios e públicos.
No entanto, a Pisada do Sertão reconhece que esse é um modelo que oferece riscos para a sua sobrevivência, já que não há garantia para aprovação dos projetos.
Por outro lado, os outros 20% dos recursos chegam à organização social via doações de pessoas e empresas. No momento, existem três campanhas fixas para arrecadação de valores e serviços.
CAMPANHA 1: Mil Pisadas – Cada pessoa pode se comprometer a doar R$20 por mês e se tornar um doador recorrente. Os valores arrecadados servem para continuar com as diversas atividades oferecidas.
CAMPANHA 2: Apadrinhe uma criança – Nessa modalidade, as doações são R$100 mensais. Dessa maneira, o doador consegue arcar com pouco mais de um terço da despesa de uma criança na organização, estimada em R$ 300 por mês.
CAMPANHA 3: Empresa amiga da Pisada do Sertão – Com a doação mensal de R$ 600, a empresa apoia 100% das atividades oferecidas para duas crianças, que têm acesso a seis oficinas socioeducativas, materiais didáticos, equipamentos, fardamento e alimentação. O valor pode ser oferecido por meio de dinheiro ou produtos e serviços. Nessa categoria, a empresa recebe o selo de “Amiga da Pisada do Sertão” e tem a marca agregada ao site da organização.
De forma pontual, também está em andamento a campanha “Natal em Família”, com foco na doação de alimentos ou valores em dinheiro para a realização de uma confraternização natalina, que será oferecida para mil pessoas, entre elas os educandos e suas famílias.
Além desses quatro modelos, a entidade recebe doações de qualquer valor ou serviço em qualquer época do ano. Para isso, o interessado deve entrar em contato com a instituição por meio do site da instituição, no endereço pisadadosertão.org.
‘Unindo forças é possível diminuir desigualdades’ – voluntariado, projeto de vida que também é doação
“Muita gente precisa de cuidado. A Pisada é um lembrete-ação disso. Acredito na mudança social, acredito que unindo forças é possível diminuir desigualdades”. É com esse propósito vivido todos os dias que a antropóloga e produtora de conteúdo Carolina Barbosa de Albuquerque, de 33 anos, se motiva enquanto voluntária.
Apesar de ser paraibana, Carolina não sabia que a organização existia. Desde agosto deste ano, mesmo a 360 quilômetros de distância, ela trabalha para fazer com que a mensagem e a essência da Pisada alcancem mais pessoas.
“De acordo com as necessidades do grupo, eu auxilio na produção de conteúdos que visam comunicar o trabalho e impacto da Pisada. É um trabalho tranquilo, mas pensado com muita seriedade. A Pisada se preocupa muito em divulgar suas realizações com honestidade, transparência e com foco no acolhimento do povo”.
O que Carolina faz também é doação, mas em forma de voluntariado. Oferecendo trabalho, ela colabora para que “Pisada do Sertão” chegue em um, dois, quatros ou até mil cantos. A paraibana faz parte do montante de aproximadamente 57 milhões de voluntários brasileiros serviram com tempo, energia e boa vontade, identificados pela Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, realizada pelo Instituto para Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e conduzida pelo Instituto Datafolha.
E, segundo a entidade, não tem sido difícil achar mão de obra cheia de boa intenção. Hoje, mais da metade dos profissionais da instituição são voluntários. A outra parte é formada por funcionários que possuem vínculos via contratos CLT e por microempreendedores individuais (MEIs) que prestam serviços. Veja o organograma do local no infográfico abaixo:
A estratégia adotada por Carolina para encontrar o lugar certo para servir pode se tornar um exemplo para quem compartilha do mesmo desejo. Ela fez pesquisas na internet sobre os projetos e escolheu o que mais se encaixou com a necessidade que sentia de trabalhar para o crescimento da região nordestina e favorecer o interior, que para ela, muitas vezes ainda não é lembrado e valorizado.
Para a antropóloga, o trabalho que ela, assim com os demais membros da equipe da Pisada do Sertão desenvolvem, possui um valor humano inestimável.
A Pisada causa impacto na vida de diferentes gerações de cidades do interior da Paraíba. No momento, eu percebo que um dos maiores objetivos é oferecer autonomia para cada cidadão. Isso pode ser vislumbrado pelos cursos que oferecem e produção de feiras empreendedoras. Eu noto que a Pisada também vem sendo um lugar de inspiração pra muita gente. Ela vem alimentando o sentimento de que o sujeito pode fazer escolhas.
Para se voluntariar, assim como Carolina, basta se cadastrar no site da Pisada do Sertão. O setor Gente faz a análise e convoca o candidato de acordo com o perfil dele.
‘Há pessoas aí fora que querem doar, mas não sabem que a Pisada do Sertão existe’ – o desafio de alcançar doadores
Transformar vidas de pisada em pisada pode parecer fácil, quando um trabalho flui tão bem, quando há tanta vontade de tornar o mundo de alguém e de todos um lugar melhor. Mas não é.
Hoje, pouco menos de 400 educandos são atendidos na sede da organização porque mesmo que o coração queira oferecer acolhimento a todos, existe uma limitação de espaço. É preciso ampliar o terreno para plantar novas sementes.
Mas isso depende também do recado chegar em quem partilha do mesmo intuito de ajudar, para garantir a sustentabilidade da organização.
Há pessoas aí fora que querem doar pra organizações, mas não sabem que ela (a Pisada do Sertão) existe. Não conseguimos chegar a até elas.
Pisada do Sertão é eleita uma das 100 melhores ONGs do Brasil em 2022
Por todo trabalho desenvolvido, a Pisada do Sertão foi reconhecida pelo prêmio “Melhores ONGs de 2022” e eleita a melhor na categoria de cultura. A cerimônia oficial de premiação aconteceu no último dia 25 de novembro, em São Paulo.
No país, são mais 800 mil organizações da sociedade civil, confirme indica Mapa das Organizações da Sociedade Civil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Somente na Paraíba, são 14.831 com Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ativo. Elas atuam em áreas a exemplo de assistência social, cultura e recreação, desenvolvimento e defesa de direitos, educação, habitação, meio ambiente e proteção animal, religião e saúde.
Foram avaliadas características como causa e estratégia de atuação, representação e responsabilidade, gestão e planejamento, estratégia de financiamento e comunicação e prestação de contas.
Desde 2017, o Prêmio Melhores ONGs reconhece o trabalho fundamental prestado pelas instituições não-governamentais no Brasil e também funciona como um farol para orientar doações. Além disso, incentiva boas práticas, contribuindo também para a melhoria na gestão de todas as participantes, incluindo as que não são premiadas, que também recebem um feedback detalhado da avaliação.
A premiação é realizada pelo Instituto O Mundo que Queremos, pelo Instituto Doar e pelo Ambev VOA, com apoio de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Instituto Humanize e da Fundação Toyota do Brasil.