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COTIDIANO

Venda do gás de cozinha cai 30% na PB e fogão a lenha vira alternativa, mas especialistas destacam os riscos

Publicado em: 20/10/2021 às 16:04 Atualizada em 20/10/2021 às 17:37

A venda de gás de cozinha na Paraíba sofreu uma queda de 30% durante a pandemia. Os números são do Sindicato dos Revendedores de Gás do estado (Sinregás). O setor tem registrado o fechamento de pontos de revendas, e a categoria atribui a crise aos sucessivos aumentos do produto. 

O reajuste mais recente foi divulgado pela Petrobras em 8 de outubro, chegando a 7,2%. Ao todo, foram oito aumentos em 2021, contabilizando apenas os reajustes anunciados pela companhia. Somados ao crescimento de 2020, registra-se uma alta acumulada de 81,5% do início do ano passado até aqui. 

O presidente do Sinregás, Marcos Bezerra, vê a situação com preocupação para os consumidores e para os trabalhadores que dependem da revenda do produto. “Quanto mais frequente e maior os reajustes, maior o impacto. As vendas também caem. Para quem faz parte da categoria os aumentos são péssimos, temos várias revendas fechando por isso”, relata o representante. O fechamento de revendas afeta a cadeia produtiva, reduz as opções dos consumidores e enfraquece a fonte de renda de muitos trabalhadores.

Com o último aumento, o gás de cozinha pode chegar a R$ 110 em pagamentos à vista e R$ 117 se for feito em parcelas. O valor pago em dinheiro corresponde a 9,22% do salário mínimo atual do brasileiro, apenas um produto essencial dentre as várias outras demandas. 


				
					Venda do gás de cozinha cai 30% na PB e fogão a lenha vira alternativa, mas especialistas destacam os riscos
Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília. Foto: Pedro Ventura/Agência Bra

As dificuldades de ter acesso a um produto que já custou menos de R$ 10 na década de 1990 tem levado muita gente a recorrer a uma alternativa antiga e perigosa, o fogão a lenha. 

Em 2020, o consumo de restos de madeira em residências aumentou 1,8% em relação a 2019, conforme levantamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Essa era uma realidade comum e amplamente difundida até o século 20. O gás liquefeito de petróleo (GLP), utilizado hoje em dia nas cozinhas, teve sua inserção no Brasil em 1937. 

Segundo o pesquisador e economista Alexandre Barreira de Morais, na época, a maioria da população utilizava fogões a lenha e, em menor escala, usava-se álcool e querosene. Em São Paulo, Rio de Janeiro e em outras cidades havia também redes de gás canalizado que forneciam gás obtido a partir de carvão mineral. 

Até a década de 1970 o fogão a lenha ainda correspondia a 80% do uso em casas brasileiras. Com a facilidade da distribuição do GLP, relacionada às crescentes negociações em volta do petróleo, a presença de fogões a lenha foi atenuada, mas, em pleno 2021, ainda é capaz de ocupar a segunda posição.


				
					Venda do gás de cozinha cai 30% na PB e fogão a lenha vira alternativa, mas especialistas destacam os riscos
Em 2020, o consumo de restos de madeira em residências aumentou 1,8% em relação a 2019, conforme levantamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)..

Segundo as informações da EPE, atualmente, a eletricidade é a maior fonte de energia, em seguida vem a lenha, com 26,1% de participação na matriz das residências, seguida do GLP (24,4%). Ainda de acordo com a empresa, até 2017 o gás de cozinha ocupava o segundo lugar, foi  quando o preço do botijão começou a aumentar. Isso porque a Petrobras alterou a política de preços e começou a reajustar o GLP sempre que a cotação do petróleo e o câmbio subiam. 

Os últimos anos foram marcados por reajustes cada vez mais frequentes. Com o gás de cozinha cedendo espaço para o fogão a lenha, especialistas voltaram a alertar sobre os riscos desse retrocesso histórico. 

Riscos à saúde

Cerca de 7,5 milhões de pessoas são vítimas de Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas (DPOC), os números são da Organização Mundial da Saúde (OMS). Dessas, o Ministério da Saúde atesta que 80% têm relação com o tabagismo. 

Os restante das incidências, de acordo com o pneumologista Rodolfo Bacelar, são resultado da exposição à queima de biomassas. Entre os aspectos provocadores dessa queima está o uso de fogão a lenha. O especialista afirma que a prática confere um sério risco às doenças respiratórias. Entre as DPOC mais conhecidas estão a bronquite crônica e o enfisema pulmonar. 

Mas o perigo vai além, segundo o médico, uma exposição a longo prazo pode ser responsável pelo desenvolvimento de um câncer de pulmão e outras doenças.“A fumaça da lenha pode reduzir as defesas pulmonares e favorecer o surgimento de pneumonias. A saúde cardiovascular também é afetada, podendo levar ao desenvolvimento de doenças cardíacas graves”, alerta. 

Quando questionado se o gás de cozinha também apresenta riscos, o pneumologista afirma que, se instalado corretamente, o equipamento é seguro. “O risco do gás de cozinha está na intoxicação pelo monóxido de carbono presente, o que não acontece se houver adequada instalação. Proporcionalmente, temos mais problemas relacionados ao uso de fogão de lenha”, destaca. 


				
					Venda do gás de cozinha cai 30% na PB e fogão a lenha vira alternativa, mas especialistas destacam os riscos
Cerca de 7,5 milhões de pessoas são vítimas de Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas (DPOC)..

O médico explica que, em formas graves, as DPOC podem exigir tratamentos longos e levar à morte, como nos casos de câncer, enfisemas e infartos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição do ar é uma das principais responsáveis ambientais de mortes no mundo. A queima da lenha para cozinhar alimentos é uma alternativa que expõe as famílias a uma constante inalação prejudicial à saúde. 

Risco de acidentes 

Apesar do crescimento do uso do gás de cozinha, muitos restaurantes e estabelecimentos de preparo culinário seguiram utilizando a lenha. Na maioria dos locais, o processo se torna uma opção ancorada em argumentos que afirmam que a comida fica mais saborosa. No entanto, os equipamentos, geralmente, utilizados em restaurantes são profissionais e mais capazes de conter acidentes. Mas também tem um valor bem mais alto. 

De acordo com o Major Galvão, do Corpo de Bombeiros da Paraíba, equipamentos assim seriam uma forma de manter o uso da lenha sem grandes riscos de acidentes. Mas o uso que tem disparado no Brasil não tem relação com produtos industrializados, mas com a forma bruta de queima da lenha, o que põe as famílias em grande risco de acidentes. 

“Uma grande agravante do uso é a questão do risco de incêndio que esse tipo de fogão pode provocar, pois a pessoa pode perder o controle da chama e ocasionar um incêndio de grandes proporções”, registra o bombeiro. 

Se a utilização for inevitável, ele alerta que é preciso estar atento para não sair de casa, cair no sono ou se distrair com o fogão a lenha ligado. Além disso, é importante conter a quantidade de madeira utilizada na queima, sem que haja um excesso do material. 

Riscos ambientais 

Dentre os perigos do crescimento do uso do fogão a lenha nas cozinhas do Brasil, um dos principais focos de discussões têm sido os prejuízos causados ao meio ambiente. Como já se sabe, a poluição do ar é uma das principais razões ambientais de prejuízo à saúde. Diferente do que muitos acreditam, a poluição proveniente da queima da lenha para cozimento não vem do dióxido de carbono liberado na atmosfera.

Isso graças a neutralidade de carbono, que acontece em forma de equilíbrio. Quem explicou a dinâmica ao Jornal da Paraíba foi o pesquisador do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Celso Guimarães:

Citação

Ao longo do ciclo de vida de uma árvore, ela absorve uma quantidade significativa de dióxido de carbono e, quando a madeira é queimada, o carbono absorvido é liberado de volta para a atmosfera. Existe um balanço entre a quantidade de dióxido de carbono absorvido o total de gás liberado quando a madeira é queimada. Dessa forma, podemos dizer que o dióxido de carbono realmente adicionado à atmosfera é efetivamente zero”

Professor Celso Guimarães

Apesar da neutralidade quanto a emissão, há um problema causado pelas partículas liberadas nessa queima. Esses materiais podem causar mudanças climáticas, um dos principais problemas ambientais debatidos nos últimos tempos. Outro agravante é o uso em ambientes urbanos, que colocaria à prova até o equilíbrio citado anteriormente. “Os fogões a lenha não são a escolha mais ecológica, especialmente em ambientes urbanos, já que as cidades não têm tantas árvores para absorver o dióxido de carbono liberado durante a queima”, explica Celso Guimarães. 

Conforme as pesquisas das bases energéticas presentes no Brasil, o uso da lenha cresce, proporcionalmente, a queda das condições socioeconômicas. A população de baixa renda se vê na necessidade de buscar materiais rudimentares para manter a alimentação em dia. No entanto, as próprias condições econômicas não permitem que os equipamentos utilizados sejam seguros. 


				
					Venda do gás de cozinha cai 30% na PB e fogão a lenha vira alternativa, mas especialistas destacam os riscos

Conforme o pesquisador Celso Guimarães, além de impactar a saúde, o ecossistema se prejudica graças aos locais inadequados da queima da lenha, principalmente no Nordeste.“Geralmente localizados dentro das casas e sem chaminés, resultando em baixíssimo rendimento energético (inferior a 10%) com alta emissão de poluentes, principalmente particulados, o que difere de fogões de países economicamente mais ricos e com clima mais frios ou até mesmo dos fogões do sul do Brasil”, avalia o professor. 

Ainda de acordo com ele, a baixa eficiência energética ocasiona maior exploração da madeira e, consequentemente, a destruição da mata nativa e erosões no solo. Ao escalonar as fontes de energia para uso na cozinha, do mais poluente para o menos poluente, temos esta ordem: esterco, lenha, carvão, querosene e gás. Entre os mais utilizados (eletricidade, lenha e GLP) a lenha é o mais prejudicial. 

O Brasil e a Paraíba engatinham planos de concessão de auxílios destinados à compra do gás de cozinha, um modo de garantir que a população conseguiria ter acesso ao produto que sofre com crescentes constantes. A nível nacional o passo é mais largo, a proposta foi aprovada nessa terça-feira (19) pelo Senado Federal e, caso aprovada no retorno à Câmara e tenha sanção do Presidente da República, a lei seria destinada a famílias de baixa renda.

Na Paraíba a proposta passa por etapas iniciais, mas ainda não avançou para votação na Assembleia Legislativa. 

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2020, a Paraíba é o quinto estado do Nordeste com maior percentual de insegurança alimentar grave (6,9%). Nos índices, a fome atinge 272 mil moradores de 80 mil domicílios paraibanos. Pouca comida e pouco acesso ao gás de cozinha torna os lares paraibanos expostos à insegurança alimentar constante. 

*Sob supervisão de Jhonathan Oliveira 

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Ana Beatriz Rocha

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