Augusto César dos Santos, conhecido artisticamente como Guto Oca, tem 39 anos e é natural de São Paulo capital (1981), mas reside em João Pessoa desde 2011. Pintor, professor de artes, foi na capital paraibana que iniciou sua carreira artística profissionalmente. Guto é graduado em pedagogia e também mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
A Paraíba tem forte influência no desabrochar artístico de Guto. “Chegando em João Pessoa, eu tive uma ampliação no campo de atuação dentro da pintura, buscando temas do cotidiano, da cidade e das pessoas”, diz o artista. Foi em João Pessoa que Guto produziu dois dos seus principais trabalhos: Nunca serei cinza e Cor que não vejo.
Nunca serei cinza
O artista relembra que sua relação com a pintura em solo paraibano se deu através das relações que estabeleceu, principalmente em território urbano: “foi nesse sentido que dei início à série de pintura intitulada 'Nunca Serei Cinza'”.
O objetivo era justamente abordar através de pinturas de pessoas coloridas, questionamentos acerca das relações cinzentas dos grandes centros urbanos. Aproveitei de memórias e experiências voltadas para as minhas vivências em São Paulo, de encontro com a sensação de cor que obtive aqui na Paraíba”.
Para Guto Oca, o cinza representa as relações automatizadas, do sistema ‘trabalho - ônibus - casa’. “Acabamos nos tornando parte da paisagem cinzenta”, diz Guto, “essa era a experiência que eu tinha em São Paulo. Em João Pessoa, escapei da engrenagem e encontrei calor humano”. Conta que o “urbanizado de João Pessoa tem mais cor”.
Ele utiliza materiais encontrados nas ruas, como gavetas, placas, papelões e realiza pinturas nesses objetos ao invés das telas convencionais. Placas de eucatex, madeiras, mdf e plástico, que são encontradas descartadas nas ruas dos bairros do Castelo Branco, Miramar, Bancários e outros bairros por onde transitou, tornam-se matéria prima do artista.
Nessa busca pelos materiais, ele estabelece relação com os transeuntes na rua e, inspirado neles, cria e reinventa personagens do cotidiano pessoense que “nunca serão cinza”. Não se trata de 'devolver as cores às pessoas', como se elas agora fossem cinzas, mas de percebê-las, resgatá-las e representá-las através das pinturas.
Através do projeto “Nunca Serei Cinza” ele foi aprovado em Editais de Exposições em João Pessoa (Sesc Paraíba – 2016) e em Maceió e Natal (Pinacoteca da UFAL e Pinacoteca da IFRN).
Cor que não vejo
Guto é daltônico. “Um artista daltônico. Isso mesmo!”, brinca ele. Por isso, sua relação com a cor sempre foi singular. O cinza, ele enxerga rosa e, às vezes, até mesmo verde. O artista transforma sua capacidade reduzida de enxergar cores em uma metáfora, então a utiliza como crítica social.
Essa minha percepção diferenciada em relação às cores me possibilitou a outras investigações em relação à cor . Assim, passei a utilizar em meu trabalho artístico a metáfora da “cor que não vejo”, levando o conceito do “daltonismo racial” para o meu trabalho”.
Em seu processo artístico, ele investiga questões ligadas ao racismo através de experiências pessoais e coletivas. Assim nasceu o projeto “Cor que não vejo”, aprovado no edital de exposições da usina Cultural Energisa, em 2019; e o projeto “Ainda há CORpo”, aprovado no Edital do Sesc Paraíba, também em 2019.
“Nesse projeto, passei a experimentar novos suportes, como tecidos diversos, e a utilização de cabelo, onde os transformo em dreadlocks, justamente para abordar a questão voltada para as identidades negras e conceitos de padrões de beleza impostos na sociedade que visam as alterações de tais identidades pretas em função de aceitação mercadológica, social e em outros tecidos”, explica o artista.
A decolonialidade na arte de Guto Oca
O professor de artes visuais da UFPB, Robson Xavier, aborda as temáticas da arte de Guto em uma de suas pesquisas. Para ele, a presença constante de símbolos referentes à identidade afro-brasileira em seu trabalho, tais como os dreadlocks, as máscaras, os pigmentos feitos com terra, os retratos dos seus ancestrais negros, são referências diretas para a construção decolonial em seu trabalho.
Guto Oca utiliza em seu trabalho o daltonismo leve, do qual é portador, como metáfora para o apagamento da cor da pele negra, da exclusão, do preconceito, da invisibilidade, da marginalização do ser artista Negro no Brasil, buscando a ruptura com as inúmeras tentativas de apagamento da cultura afro-brasileira que advém da concepção colonialista e racista".
Ao mesmo tempo em que entende a arte de Guto Oca como decolonial, Robson afirma que a chamada arte paraibana, a partir do modernismo, é por natureza decolonial. Mesmo antes da criação do termo ou do pensamento decolonial, a produção artística local situada fora do centro da produção artística brasileira “Eixo Rio-São Paulo”, sempre ficou à margem de todos os processos hegemônicos.
A decolonialidade é uma perspectiva emergente oriunda da América Latina, cujo objetivo é repensar as formas de construção do conhecimento para além da perspectiva dominante do conhecimento.
O pensamento decolonial visa a superação da hegemonia eurocêntrica e norte-americana, partindo do estabelecimento do diálogo e respeito às diversas perspectivas de conhecimentos e cosmovisões ancestrais".
Arte na pandemia
Durante a pandemia de Covid-19, já em quarentena, Guto intensificou sua pesquisa através da criação de trabalhos que foram desde pinturas à instalações com cabelos e outros materiais que remetem a resistência da população negra, através das suas experiências enquanto sujeito racializado.
Atualmente, ele tem voltado para as pinturas do projeto “Nunca Serei Cinza”, que teve início em 2015. A ideia do atual projeto é de socialização através da arte, a partir de oficina de pinturas sobre materiais recolhidos e encontrados nas ruas do Bairro Castelo Branco I, II e III e na comunidade Santa Clara, realizada em praça pública, respeitando os protocolos de segurança de combate ao Coronavírus.
Em fase inicial, o projeto está na coleta dos materiais para em seguida acontecer a oficina “prática criativa”, na Comunidade Santa Clara, do bairro Castelo Branco.