Pernambucana radicada na Paraíba. Inês Caetano de Oliveira nasceu em 15 de novembro de 1935 em São Vicente Férrer, Pernambuco. Aos quatro anos se mudou para Campina Grande, onde viveu numa casa muito humilde, localizada no bairro da Liberdade.
Pesquisadores são consenso em afirmar que o talento de Marinês foi descoberto rapidamente. Na primeira vez que se apresentou, no programa de calouros da difusora Voz da Democracia, no bairro da Liberdade, ela ganhou o prêmio de primeiro lugar cantando a música 'Fascinação'. Eleita pelas palmas do público, que se concentrava na frente da rádio, levou para casa um sabonete Eucalol como prêmio! Esse foi o início de uma carreira de meio século, marcada pelo enfrentamento ao pai e ao mercado da música masculina para demonstrar a força do seu talento cantando os ritmos nordestinos.
Cantando escondida do pai
Em plena situação de pobreza, Inês descobriu um outro concurso de calouros da Rádio Difusora da cidade, onde o prêmio em 1º lugar ganharia, na época, cem mil reis em dinheiro e um emprego na rádio Difusora. Para se inscrever, Marinês precisou combinar com o irmão mais velho que a convidasse para ir passear no centro de Campina Grande, pois seu pai não permitia que se apresentasse.
Por saber que o pai ouvia a programação da rádio, ela usou Maria Inês em seu nome de inscrição, pois era a única que não tinha o nome Maria na família. No dia de sua apresentação, o locutor da rádio, por engano, anunciou o nome dela como Marinês. Assim surgiu seu nome artístico.
Marinês venceu em primeiro lugar, empatada com Genival Lacerda. O prêmio foi dividido em partes iguais, mas Genival já era empregado de outra rádio, então Marinês tomou posse do cargo, como cantora oficial do Regional da Rádio Borborema, cantando chorinho, serestas e músicas românticas. Assim, iniciou oficialmente sua carreira como cantora, ajudando sua família.
Pioneirismo
Na obra 'Marinês Canta a Paraíba' do sociólogo paraibano Noaldo Ribeiro, ele define Marinês como sendo “aquela que abriu ‘picadas’ numa floresta de preconceitos no Brasil dos anos cinqüenta”, considerando a posição feminina imperante àquela época em que mulher, cantora de rádio e alto-falantes, não era tão facilmente acolhida.
Já o escritor paraibano Bráulio Tavares, afirma que “se do lado masculino temos uma galeria de cantores que inclui Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, do lado feminino Marinês é o grande nome, tendo criado uma escola de interpretação que é hoje seguida de ponta a ponta pelo Nordeste".
Outras cantoras que popularizaram o forró, como Elba Ramalho e Gal Costa, cantam o forró como uma entre muitas opções musicais; não surgiram dele, surgiram da MPB. Surgiram de um contexto cultural, e num mercado musical totalmente diverso."
“A moça é o Luiz Gonzaga de saia”
Luiz Gonzaga costumava apadrinhar os aspirantes da música nordestina que o procuravam. Entre esses artistas está Marinês. O encontro deles aconteceu no ano de 1955, na cidade de Propiá, no estado de Sergipe. Na época, eles almoçaram juntos. Em relato, Marinês disse que esse era seu “sonho de criança se realizando, eu ao lado de Luiz Gonzaga, olhando para a cara dele!”.
Conforme resgata a dissertação da jornalista Claudeci Ribeiro, Luiz Gonzaga convidou Marinês e Abdias (seu esposo e sanfoneiro de sua banda) para o seu apartamento, pois queria saber se Marinês já havia dançado xaxado de parceria com outra pessoa ou somente havia dançado sozinha. Até então, a cantora só havia dançado o xaxado sozinha, mas conforme o combinado entre eles, em um show em Sergipe, Luiz Gonzaga convidou o casal para o palco e explicou para o público:
"Vocês sempre ouviram falar que os cangaceiros dançavam xaxado com o rifle empunhado na mão e o braço erguido para cima... vocês sabem porque eles dançavam assim? Porque não tinham mulher para dançar a dois... pra não perder o embalo, eles dançavam tendo como companheira a sua arma na mão que estava sempre para cima [...] Aí nós fizemos o restante, modéstia à parte, um show de dança. O público foi à loucura. Quando cessaram os aplausos, Gonzaga falou novamente para a multidão: Na minha corte está faltando esta menina, a Rainha do Xaxado." Relato de Marinês sobre Luiz Gonzaga.
Assim, Luiz Gonzaga batizou Marinês como a rainha do xaxado, expressão pela qual até hoje ela é conhecida. Ela também ficou bastante conhecida como “Luiz Gonzaga de saias”. De acordo com o jornalista cultural Pedro Alexandre Sanches, quem carimbou foi ele própio, Luiz Gonzaga, “em carne, osso e chapéu de cangaceiro”.
Já Claudeci Ribeiro não conhece a origem do apelido, mas afirma que veio da boca de diversos artistas, como Gilberto Gil. "Muitos já diziam: a moça é o Luiz Gonzaga de saia”.
Independentemente da origem, o termo antiquado e machista, faz pensar sobre o caráter masculino de algumas tradições, como o xaxado, ritmo ligado ao cangaço. A própria Marinês reconheceu que o xaxado era “coisa de homem”, diz Claudeci. Em declaração, ela reforçou como sendo uma dança masculina:
Não havia nenhuma tradição de mulher cantando xaxado, baião e xote. Também não era coisa de mulher essa roupa de couro que eu usava”, disse Marinês.
Apesar das relações paternalistas no meio musical, só o apadrinhamento não bastava. Marinês tinha talento. Mais tarde, a parceria entre ela e Luiz Gonzaga é desfeita e ela continua fazendo sucesso no mercado.
Essa ligação com o nome do Gonzaga só vem a contribuir com a ideia que a mulher precisa de um nome masculino para alcançar o sucesso e este não era o caso de Marinês, uma mulher de muito talento e bem à frente do seu tempo. Chegou ao mercado musical em uma época de muitos preconceitos e desigualdades com o feminino. Ela iniciou a carreira no ano de 1957." Claudeci Ribeiro.
Gonzaga incluiu Marinês, com o sanfoneiro Abdias, ao grupo “Luiz Gonzaga e seus Cabras da Peste”. O conjunto formado por Luiz Gonzaga, Marinês, Abdias, Zito Borborema e Miudinho fez muito sucesso e, nesse mesmo ano de 1956, Marinês entrou em estúdio pela primeira vez, numa participação especial com Luiz Gonzaga, na música intitulada Mané e Zabé.
Porém, mesmo com o sucesso do grupo, a parceria foi desfeita e Marinês voltou a cantar com seu trio – Marinês, Abdias e Cacau –, agora denominado “Marinês e Sua Gente”.
Marinês e sua gente, os primeiros sucessos
Segundo Claudeci Ribeiro, o ano de 1957 foi o marco inicial da carreira de Marinês na indústria fonográfica. Nesse ano, ela entrou no estúdio para gravar o seu primeiro LP, 'Vamos Xaxar', como cantora independente. Porém, o diretor da empresa exigiu que o repertório do LP fosse integralmente de João do Vale. Então o compositor preparou oito músicas com melodias e ritmos como quadrilha, baião, coco, xote e xaxado.
Marinês entrou no estúdio com Abdias na sanfona, Cacau no zabumba e ela própria no triângulo. O carro chefe na preferência popular foi o xote 'Peba na pimenta' e, em segundo, o baião 'Pisa na fulô'. Foram vendidas mais de 700 mil cópias.
Após o sucesso da gravação do seu primeiro LP, estourando nas paradas do Nordeste, os convites para apresentações de 'Marinês e sua Gente' começaram a surgir por todo o Brasil.
Já nesse primeiro ano de atividade, Marinês ganhou o Troféu Euterpe, no Rio de Janeiro, como a melhor cantora de música regional, homenagem que se repetiu em 1958.
Devido ao grande sucesso de Marinês, as gravadoras começam a se interessar pela artista e em 1959, após o lançamento do LP 'Aquarela Nordestina', cuja faixa 'Saudade de Campina' revelou-se como carro chefe do disco, a gravadora RCA Victor contratou Marinês como sua cantora exclusiva. Foram sete anos sucessivos de 1960 a 1966.
Em sua dissertação, Claudeci também atribui destaque ao LP 'Coisas do Norte' pelas “músicas de grande sucesso nos festejos juninos no interior do Nordeste”, que trouxe, entre as mais tocadas, as marchas: 'Balancero da usina' e 'Pisei no liro'. Na seqüência, 'Siu, Siu, Siu' também estourou nas paradas de sucesso.
Marinês canta a Paraíba
Marinês sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) no dia 5 de maio de 2007, falecendo dez dias depois, em 14 de maio. Ela foi enterrada no Parque da Paz, em Campina Grande. Seu velório foi realizado no Teatro Municipal da cidade paraibana, com a visitação de parentes e depoimentos de amigos e fãs.
Enquanto Jackson do Pandeiro foi tachado por Dominguinhos como sanfona de boca, na minha opinião, Marinês foi uma orquestra inteira. Em toda a história da cultura popular, se não constar Marinês não está completa. (Depoimento do músico Biliu de Campina sobre a morte de Marinês no Diário da Borborema, 16 maio 2007)
Seu último disco foi lançado em 2004, em forma de homenagem produzido pelo professor e ativista cultural Noaldo Ribeiro, "Marinês canta a Paraíba". O CD foi gravado ao vivo no Cine Banguê em João Pessoa, repleto de depoimentos de cantores falando sobre Marinês, como Dominguinhos, Fagner, Flávio José, Belchior, Tânia Alves e Elba Ramalho.
Em seu último disco, Marinês interpretou seus grandes e inesquecíveis sucessos acompanhada pela Orquestra Sinfônica da Paraíba, realizando um dos seus maiores sonhos.
Sobre a morte de Marinês, o escritor paraibano Bráulio Tavares, escreveu em seu blog:
Não é arrogância nem ambição, é porque lamentamos que haja gente no mundo que não conheceu aquele talento. Meu consolo egoísta é saber que eu tive este direito. Quando me lembro de Campina Grande, tem sempre um rádio ligado e a voz de Marinês no ar.
V Festival de Música da Paraíba - uma homenagem a Marinês
O Festival de Música da Paraíba deste ano vai homenagear a cantora Marinês. As inscrições, abertas desde 9 de fevereiro, terminam neste domingo (6). Podem participar do festival artistas paraibanos que morem no estado, e artistas naturais de outros estados que comprovem residência na Paraíba há pelo menos dois anos. Os inscritos devem ter mais de 18 anos e apresentar música autoral inédita.
As inscrições devem ser realizadas virtualmente, em um formulário eletrônico disponibilizado pela organização do evento. É preciso anexar os documentos requeridos e o material musical que vai concorrer ao prêmio.
Em sua quinta edição, o Festival mantém o objetivo de reconhecer e divulgar a música paraibana, descobrindo e valorizando artistas que vêm surgindo no cenário cultural. O evento surgiu da necessidade de um projeto para estimular e evidenciar a produção no estado, dando voz a novos talentos
*Sob supervisão de Jhonathan Oliveira