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CULTURA

Tribos Indígenas do Carnaval Tradição falam com saudosismo sobre ausência da festa

Publicado em: 27/02/2022 às 15:17 Atualizada em 01/03/2022 às 16:55

Pelo segundo ano consecutivo, o Carnaval Tradição de João Pessoa foi cancelado por causa da pandemia da Covid-19. A festa reúne, na avenida Duarte da Silveira, todos os anos, agremiações carnavalescas, formadas por grupos das periferias da capital, como ala ursas, escolas de samba, clubes de frevo e as tribos indígenas. Essas últimas, despertaram a atenção, inclusive, do modernista Mário de Andrade nas suas pesquisas folclóricas de 1938, no Nordeste e Norte do Brasil.

De acordo com a pesquisadora Jessyca Marins, atualmente há nove tribos indígenas carnavalescas em atividade em João Pessoa. São elas: Tupinambás, Tupy Guarani, Guanabara, Xavantes, Tabajara, Papo amarelo, Africanos, Pele vermelha e Ubirajara - oriundas de bairros da periferia de João Pessoa, como Mandacaru, Alto do Mateus, Cristo, Cruz das Armas, entre outros.


				
					Tribos Indígenas do Carnaval Tradição falam com saudosismo sobre ausência da festa
Registro do desfile das tribos indígenas de 1972.Foto: Jessyca Marins/Arquivo pessoal. Registro do desfile das tribos indígenas de 1972. Foto: Jessyca Marins/Arquivo pessoal

Esses grupos são formados por 50 a 80 pessoas e, no desfile do Carnaval Tradição, realizam uma dança dramática, que gira em torno do ritual da matança. A apresentação começa com grandes capacetes, que são os abre-alas. Semelhantes a cocares, os itens pesam em torno de 40 quilos e, na encenação, os responsáveis por transportá-los são os primeiros a morrerem. Após todos serem mortos, aparece o pajé que recita uma espécie de grito de guerra, e depois disso, os indígenas ressuscitam, finalizando o desfile com a dança do sapo.


				
					Tribos Indígenas do Carnaval Tradição falam com saudosismo sobre ausência da festa
Foto: Jurandir Dias/Arquivo Pessoal. Foto: Jurandir Dias/Arquivo Pessoal

Nos desfiles das tribos indígenas, há um instrumento chamado gaita, com sonoridade semelhante ao pífano, feito com cano de PVC. Jurandir Dias Pacheco, de 57 anos, toca e fabrica esses instrumentos. Participante da tribo Guanabara, ele relata que faz parte do desfile das tribos desde criança e aprendeu a tocar e a produzir as gaitas aos 16 anos. O gaiteiro lamenta a ausência do Carnaval Tradição por mais um ano.

É muito difícil. Eu venho desde criança dentro do Carnaval Tradição. Sou de uma época que a gente não tinha nem essas fantasias e hoje a gente faz. A gente tá aqui do outro lado, né? Esperando com o coração assim apertado porque quem nasce dentro do carnaval tradição gosta de brincar, de se divertir. É uma maravilha quando a gente está se apresentando”, desabafa.

Jurandir fala sobre a sensação de desfilar na avenida.

“Eu sou gaiteiro, gosto de tocar minha gaita. Quando estou ali dentro da Duarte da Silveira, tiro todos os estresses, esqueço de tudo, para mim é uma maravilha”, recorda.

				
					Tribos Indígenas do Carnaval Tradição falam com saudosismo sobre ausência da festa
Foto: Gilberto Firmino/Secom-JP/Divulgação. Foto: Gilberto Firmino/Secom-JP/Divulgação

Uma das tribos do Carnaval Tradição de João Pessoa é a Tabajara, do bairro do Cristo. Maria Helena, a presidente, conta que o grupo chegou a se preparar e confeccionar fantasias. A mulher diz que esperava que pelo menos uma apresentação on-line fosse acontecer.

Por que que não fez uma ‘livezinha’ para a gente? Eu fiz 30 cocares, fiz estandarte, fiz 30 fantasias completas e depois disseram que não tinha. Agora é guardar para o próximo ano”, desabafa.

Tribos carnavalescas e resgate cultural


				
					Tribos Indígenas do Carnaval Tradição falam com saudosismo sobre ausência da festa
Foto: Gilberto Firmino/Secom-JP/Divulgação. Foto: Gilberto Firmino/Secom-JP/Divulgação

A pesquisadora Jessyca Marins explica que, apesar da maioria dos grupos não ser originária das comunidades indígenas da Grande João Pessoa, bem como dos integrantes não se auto-declararem enquanto indígenas, os desfiles trazem uma memória da tradição dos povos nativos.

“Apesar dos grupos não se auto-declararem enquanto indígenas, trazem aí uma memória, uma história. Eles acabam atualizando essa memória anualmente. Na encenação, são tribos indígenas rivais disputando território, outros dizem que retratam um pouco a invasão do homem branco e disputa por território”, relatou.

Ela classifica essas tribos carnavalescas como uma forma de hibridismo cultural, uma vez que muitos povos indígenas na Paraíba migraram para os centros urbanos e conservaram determinados aspectos culturais.

"É uma expressão tradicional e secular e é também um hibridismo cultural, afinal, a cultura é dinâmica. Houve na Paraíba, e em todo o Nordeste, um processo de ocultamento dos povos indígenas. Os Tabajaras, por exemplo, foram expulsos do seu território no Conde e migraram para os bairros de João Pessoa".

Ela também comenta que era no caráter lúdico e festivo do Carnaval que muitos indígenas se sentiam à vontade para acionar sua identidade sem correr o risco de perseguição.

“Muitos indígenas passaram pelo processo de ocultamento e negação da sua identidade para não serem perseguidos. Então o carnaval se tornaria esse momento onde esses indígenas poderiam acionar essa identidade sem correr o risco de serem perseguidos porque teoricamente seria somente uma fantasia de Carnaval”.

Prefeitura anuncia fundo para grupos do Carnaval Tradição

A Prefeitura de João Pessoa, por meio da Fundação Cultural da Capital (Funjope), anunciou que pelo menos R$ 150 mil serão investidos no Carnaval Tradição de João Pessoa em 2022. Por meio de um convênio, via Fundo Municipal de Cultura (FMC), o recurso será encaminhado à Liga Carnavalesca da capital.
O montante será destinado às escolas de samba, ala ursas, tribos indígenas e aos clubes de frevo, principais agremiações que compõem o evento. Também está sendo construída uma agenda para o Folia de Rua.
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Luana Silva

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