Inesperada, a pandemia de Covid-19 arrematou o mundo com a perda de milhões de vidas. No Brasil, houve aumento da fome e da pobreza, mas também a organização de uma rede movida pelo anseio de enfrentar a crise que chegou aos lares e negócios de muitos. Na Paraíba, empresas juniores são responsáveis por projetos que ajudam na recuperação de empresas, instituições e sociedade civil, a partir de pequenas mudanças possibilitadas por soluções tecnológicas simples e descomplicadas, mas de alto impacto.
Campina Grande acumula títulos, a exemplo de polo industrial, centro universitário e referência no atendimento em saúde para centenas de municípios paraibanos. Estes dois últimos uniram a demanda por acolhimento de acompanhantes de pacientes em tratamento na cidade com a capacidade de expandir esse trabalho necessário, mas que, durante a pandemia de Covid-19, foi diretamente afetado pela falta de doações, um dos combustíveis que ajudam a transformar a boa vontade em solidariedade.
No coração do município que acolhe trabalhadores, estudantes e pacientes além de seus limites geográficos, ergueu-se uma casa de apoio que há nove anos oferece teto, alimentação e um ambiente familiar para moradores de outras cidades e até estados vizinhos, que acompanham doentes nas UTIs dos hospitais campinenses e que poderiam ficar ao relento sem a sua existência.
O lar temporário se concentra em duas casas no bairro mais populoso da cidade, Malvinas. Uma delas foi comprada através de um empréstimo feito por Charlenilson Sousa, fundador da Ismi Social. Como o espaço ficou pequeno, uma residência ao lado precisou ser alugada para que mais pessoas fossem atendidas.
Durante a pandemia, a capacidade de acolhimento foi reduzida por causa das medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus. Além disso, as doações despencaram, nesse caso, a quase zero.
Por causa disso, Charlenilson passou a trabalhar como vendedor de lanches para bancar as despesas da entidade, como os salários de três funcionários, já que o local não conta com voluntários desde o início da pandemia.
Trabalho pra gerar renda e manter a instituição. Todo recurso é colocado aqui”
Até o início de 2020, a Ismi recebia 69 pessoas. Mas, atualmente, só pode hospedar 20. Mesmo assim, o local demanda a compra de 10 quilos de frango diariamente. E o gás de cozinha acaba, em média, duas vezes por semana.
Diante das dificuldades, potenciais doadores passaram a pedir que a casa de apoio tivesse um site, onde ações do local fossem divulgadas e as informações sobre como fazer as doações se tornassem públicas e abrangentes. A ferramenta, inclusive, ajudaria na transparência da instituição.
A necessidade logo ganhou uma solução. Charlenilson conheceu a empresa júnior Codex, através do projeto ‘Salve um Negócio’, que idealizou e construiu a página da casa de apoio na internet.
Por coincidência, o jovem Vinícius Amaral, que é o atual presidente da Codex, quase viveu uma situação parecida quando um parente foi internado em Campina Grande. Ele mora em Riachão do Bacamarte, a pouco mais de 31 quilômetros da cidade, distância que torna possíveis as viagens de ida de volta todos os dias.
Embora Vinícius não tenha sentido o problema na pele, não esquece a aflição que viu nos olhos de quem precisava de um lugar para ficar. É a partir das lembranças que tem, que ele entende a importância do trabalho que desenvolve.
É o que mais faz valer a pena o nosso trabalho. São as ações que a gente vê mais sentido. Eu, particularmente, gosto de sentir o impacto que eu faço na realidade”
Estudante do curso de ciência da computação da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o jovem de 20 anos, reconhece a missão da profissão que escolheu.
“A tecnologia é pra todo mundo, é pra gente ajudar a quem mais precisa. Um site dessa antigamente era coisa de coisa outro mundo, agora é muito acessível e traz credibilidade a uma instituição”.
O site da Ismi foi criado em 30 dias por dois empresários juniores. Na página, é possível conhecer um pouco sobre a história do local e ter acesso às informações sobre como fazer doações.
Pronta, há cerca de 20 dias, a ferramenta também permite atualizações com conteúdos sobre as ações do projeto. Para isso, a equipe da Codex ofereceu uma espécie de treinamento, como faz com outros clientes.
‘Salve um Negócio’: consultorias gratuitas para empresas e instituições
O ‘Salve um Negócio’ é uma iniciativa nacional, criada pela Brasil Júnior no ano passado, após uma análise dos impactos da pandemia de Covid-19 no país. A ação foi abraçada pela Federação Paraibana de Empresas Juniores, que realiza o trabalho em âmbito estadual.
“Esse público-alvo estava sofrendo muito com a pandemia. Auxiliamos como gerenciar os seus negócios”, contou Luan Carlos da Silva Bezerra, de 23 anos, estudante do curso de ciência da computação da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
O objetivo do projeto é oferecer consultoria gratuita para pequenas empresas e instituições sociais. Mas, antes que essa finalidade seja alcançada, uma rede de solidariedade, baseada em três pilares, é movimentada em torno do propósito de ajudar a economia do país durante a pandemia.
Em 2020, foram 25 projetos concluídos. Já em 2021, um foi desenvolvido e entregue, dois estão em andamento e mais 10 encontram-se em uma lista de espera. Os últimos dez dependem do investimento externo dos doadores para que sejam iniciados.
A percepção do ‘Salve um negócio’ pode acontecer sob três experiências: das empresas juniores, dos clientes e dos doadores. Veja abaixo a dinâmica do trabalho.
>> Empresas juniores: se cadastram, oferecem os serviços e trabalham junto aos clientes para encaixe das propostas mais viáveis e de maior impacto. Recebe pagamento da consultoria, que pode variar entre R$ 200 e R$ 1.500, após fim o trabalho e da avaliação do Net Promoter Score, indicador que mede a satisfação do cliente.
>> Clientes: cadastram os seus negócios, informam as demandas e recebem um diagnóstico do que necessitam com a relação da melhor solução, proposta pela empresa adequada. O único critério, nesse caso, é ser auxiliado o máximo possível.
>> Doadores: pessoas físicas e jurídicas podem se cadastrar e fazer doações de, no mínimo, R$ 5. Os recursos são usados para pagar as consultorias realizadas pelas EJs.
Na PB Júnior, Luan atua como assessor da presidência. O foco dele está voltado para conseguir entregar impacto para os clientes de forma acessível, algo de que o jovem se orgulha.
“Mudar o que está acontecendo com nossa inciativa é surreal. A gente consegue ver toda essa transformação ocorrendo por meio de jovens, a gente desde cedo mudando essa realidade. A gente vê propósito nas nossas ações, é gratificante demais”, disse o empreendedor júnior, com um tom que denuncia o entusiasmo que sente.
A paixão de Luan é a mesma de pelo menos outros 16 jovens que também fazem parte do quadro de empresários da PB Júnior, fundada no ano de 2001, como a entidade responsável por gerenciar a rede de empresas juniores estaduais.
A finalidade da federação é “viabilizar projetos através de prática, devolvendo impacto de forma acessível para a sociedade”, conforme finalizou Luan.
Movimento júnior: estudantes em ação
O Movimento Empresa Júnior (MEJ), segundo a Federação Brasil Júnior, coloca os jovens no mercado de trabalho enquanto eles estão na universidade. A partir disso, eles podem conviver com o equilíbrio de teoria e prática.
Formada por estudantes do ensino superior com a orientação de um professor, as EJs não têm fins lucrativos e oferecem os seus serviços a baixo custo, com a finalidade de formar profissionais comprometidos com a sociedade e o desenvolvimento do país.
Atualmente, a Brasil Júnior estima que o movimento das empresas está presente em todos os 26 estados brasileiros e no Distrito Federal.
Ao todo, devem haver 1.360 empresas juniores e cerca de 30 mil empresários juniores em 260 instituições de ensino superior.
Na Paraíba, existem pelo menos 80 empresas juniores envolvidas com o movimento. A Codex é uma delas. Fundada em 2019, atualmente a EJ conta com 17 membros. O foco, no momento, é fortalecer a cidade de origem.
“Estamos fechando parcerias com instituições públicas da cidade, para impactar a economia de Campina Grande, e fortalecer a nossa região”, explicou Vinícius.
Além do estímulo dos jovens, o movimento conta com o incentivo de instituições, a exemplo de universidades públicas e institutos federais. Uma dessas fomentadoras é Yana Dantas, diretora de extensão tecnológica do Instituto Federal da Paraíba (IFPB).
É um trabalho de muita relevância porque são jovens alunos, mas com um perfil profissional muito bom. A qualidade dos serviços prestados é tão boa quanto a de empresas profissionais, até porque eles têm orientações do professor da instituição”
Ela também considera como a experiência em uma EJ pode ser positiva para os alunos.
“Ele [estudante] conhece a prática do mercado de trabalho ainda na academia, não espera se formar para aprender”.
E ao notar a emergência de projetos relacionados com tecnologia durante a pandemia, Yana aposta na solidificação das soluções, que prometem não serem passageiras.
“Sem dúvida vieram pra ficar”.
Fora o ‘Salve o Negócio’, os empresários juniores se organizaram de diferentes formas para ajudar a quem precisa durante a pandemia que, inclusive, fez com as atividades passassem a ser remotas.
Segurança e economia de energia por meio de consultoria pela internet
O movimento das empresas juniores da Paraíba teceu uma rede de solidariedade que atua em diferentes segmentos. A SIE é uma EJ formada pelos cursos de engenharia elétrica e engenharia de energias renováveis da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com 32 integrantes, que trabalha com projetos de soluções e inovações em energia.
Só com a instalação de um sistema de energia solar, por exemplo, é possível reduzir o valor da conta de luz em até 95%. Uma das clientes da empresa, inclusive, já conseguiu 85% de redução, segundo a empresa.
Como nem todos conseguem arcar com o investimento da energia solar, a equipe da SIE pensou em uma solução mais próxima da realidade dos paraibanos: oferecer consultorias, na modalidade ‘pague quanto puder’, a partir da quantia de R$ 10.
“Eles pagam o que acham coerentes com a ação que tá sendo promovida”, complementou Dara Silva Eliziário, de 23 anos, estudante que trabalha na EJ há três anos.
O programa de consultorias teve início em 2020, logo no início da pandemia, quando a maioria das pessoas precisou ficar mais tempo em casa, devido aos períodos de isolamento.
Uma das clientes atraídas pela campanha é a engenheira eletricista Maria Cecilia Costa Lima, de 26 anos. Ela conheceu o projeto ainda na universidade, quando era estudante. E resolveu pedir a ajuda SIE quando percebeu alguns problemas na instalação do apartamento em que mora, como o desligamento frequente do disjuntor de energia e alto valor da fatura do serviço.
Foram constatados problemas nas instalações e na fiação, que era antiga. Após a realização das mudanças documentadas, Cecília percebeu os benefícios, principalmente com a segurança.
“Eles foram muito solícitos, tiraram as dúvidas q a gente tinha, explicaram o que estava acontecendo”.
Economia x crise energética: solução que veio a calhar
Se no ano passado o trabalho era necessário, em 2021 se tornou essencial diante da crise energética no Brasil.
As campanhas são feitas de modos pontuais uma vez por ano e ficam abertas por cerca de três meses, com uma ampla divulgação nas redes sociais e plataformas digitais. Ao todo, 43 consultorias foram feitas.
Não existe critério para participar do projeto. Basta responder um formulário com questões referentes ao consumo de energia. Depois disso, um membro da SIE inicia o contato pelo WhatsApp para se aprofundar na demanda de cada cliente. Depois de uma análise minuciosa, com o que é possível por meio de internet, a empresa entrega um relatório com as recomendações de mudanças de hábitos que devem e outras ações que devem ser implantadas.
“Eles [os relatórios] não são 100% precisos, porque a gente não vai na casa fazer medições, mas a gente pega tudo [o que for informação pertinente]. A gente pergunta se tem ar-condicionado, chuveiro elétrico, qual a cor predominante na casa, se eles sentem choques em alguns eletrodomésticos”, explicou Dara.
A estuda lembra com clareza de uma conta que teve uma redução de quase R$ 100. Ela garantiu que as mudanças de hábitos clientes, a economia mínima deve ser girar em torno de 10%, mas costuma ficar na média dos 40%.
O sucesso do projeto resultou em parecerias com outras empresas juniores. Juntas, elas expandiram as consultorias para economia de água e uso correto de resíduos.
Além das divisas: ciências de dados aplicada à produção de soja
Umas das linhas de trabalho da Eleven, empresa júnior da UEPB, que conta com 17 estudantes, em João Pessoa, é atuar na linha de ciência de dados, especialmente voltada à pesquisa de mercado. A aposta foi justificada pelo membro João Pedro Batista Moraes, estudante do curso de relações internacionais da instituição.
“Na pesquisa mercado a gente acredita que tem um a aplicação muito prática, que pode ajudar, de fato, quem tá pensando abrir um negócio, ou já tem uma empresa e quer entender melhor a sua demanda ou buscar melhor os seus fornecedores”.
Na dinâmica da Eleven, o primeiro passo é a realização de uma reunião de diagnóstico. Nela, o cliente apresenta a demanda e a equipe prepara uma proposta, que se for aceita, desencadeia a divisão do grupo para a organização dos motores de busca.
Um dos clientes recentes da EJ foi um produtor rural com um projeto para alimentação de animais, baseado na soja, grão que teve um aumento de 92,36% entre 2020 e 2021, segundo um levantamento da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab). Para ele, era importante que o possível fornecedor estivesse próximo para evitar altos custos com fretes.
Depois de 15 dias úteis, a análise foi entregue. O processo aconteceu inteiramente pela internet. Nesse caso, o auxílio de um profissional especializado no segmento não foi necessário, já que o cliente precisava apenas da relação entre procura de fornecedores e o cálculo com a distância.
Os dados são todos organizados em uma planilha, mas um relatório com os fornecedores mais promissores também é entregue.
“A gente disponibiliza todo o catálogo, mas apresenta a análise do que for melhor. A gente encontrou alguns [fornecedores] e separou os melhores para ele [cliente do Mato Grosso]. Depois veio o período de acompanhamento e ele fechou com dois deles”.